No SUS: quem é devedor, quem é credor?

A mídia nacional (O Globo e FSP, entre outros) nos revela que entre janeiro e dezembro de 2017, o SAMU (Serviço de Atendimento Médico de Urgência do SUS) ficou sem R$ 96 milhões, enquanto o Programa Saúde da Família deixou de receber R$ R$ 895,9 milhões. Hospitais deixaram de se reequipar, já que R$ 1,3 bilhão – de , R$ 1,5 bilhão empenhado – não chegou a ser gasto para o reaparelhamento do SUS. E como se não bastasse o Ministério da Saúde deixou de repassar R$ 3 bilhões dos R$ 9 bilhões reservados para comprar vacinas e realizar campanhas de vacinação. Até a aquisição de medicamentos para DST e Aids minguou: R$ 346 milhões se transformaram em restos a pagar. Esta última expressão, “restos a pagar” (na verdade, não pagos) é o foco do que os jornais chamam de “dívida do Governo com o SUS”.

Dois militantes do SUS foram ouvidos para a elaboração da matéria. O conselheiro do CNS, que também coordena a Comissão de Orçamento e Financiamento da instituição, Wanderley Gomes da Silva, lembra que 2/3 das despesas do Ministério da Saúde são transferências para Estados e municípios, que utilizam esses recursos para o para o financiamento de suas despesas com pessoal, fornecedores e prestadores de serviços e obras, configurando, assim, uma irresponsabilidade fiscal. Além dele, Graziele David, que é especialista em finanças públicas do INESC, argumenta que a situação se assemelha a “ao pagamento de uma conta com um cheque sem fundo”.  Pedaladas, pelo visto…

Não há muito o que comentar. Essas pessoas devem estar se baseando em dados verdadeiros. O que chama atenção, todavia, é se falar em uma “dívida” do Governo (e, por extensão, do Estado) com o SUS. Como assim? O SUS não faz parte do Estado brasileiro? Não é um sistema em que as noções de direito e de responsabilidade estatal estão bem afirmadas na Constituição?  Não incorpora o atributo que confere ao Estado Brasileiro as responsabilidades previstas no artigo 197 da Constituição, conhecidas como “Relevância Pública” ( São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado).

Então temos uma situação verdadeiramente paradoxal: trata-se um credor que é ao mesmo tempo devedor… de si mesmo. Mas não custa nada dar o nome certo aos bois. Isso é mais um reflexo do sub financiamento da saúde, algo que vem atravessando as décadas e os sucessivos governos, sem que nenhum deles – nenhum eles, de qualquer partido ou posição no espectro ideológico! – possa ser isento de responsabilidade em tal quesito.

Enfim, se há alguma dívida real ela tem como credores verdadeiros os cidadãos deste país.

É bom saber mais. Acesse: https://www.uol/noticias/especiais/divida-do-governo-federal-com-o-sus-dispara-e-bate-r-209-bilhoes.htm#onde-faltou-dinheiro

E por falar em financiamento, vejo também na mídia que dados publicados neste mês de maio de 2018 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que o governo brasileiro destina para a saúde nada mais do que 7,7% de seu orçamento. A taxa é inferior à média mundial e uma das mais baixas das Américas, não distante do que governos africanos também reservam de seus orçamentos para o setor. A matéria de O Estado de São Paulo, de autoria do jornalista Jamil Chade (17 Maio 2018), ainda acrescenta que apenas cinco países no continente americano têm um porcentual de gastos governamentais inferiores aos do Brasil, entre eles Barbados, Haiti e Venezuela. No outro extremo estão Alemanha, Suíça, EUA e Uruguai, todos com gastos três vezes superiores aos do Brasil em termos porcentuais. Na Europa e Eurásia, apenas quatro países gastam menos de 7,7% de seu orçamento com a saúde: Chipre, Armênia, Tajiquistão e Azerbaijão.

Que más companhias, hein?

Outras informações: (1) Os dados se referem aos cálculos com base no orçamento de 2015, o último ano em que se poderia fazer uma comparação global e apontaram que, em média, governos gastam 9,9% de seus orçamentos com a saúde. Na Europa, a taxa chega a 12,5%, 12% nas Américas e 8,5% no Sudeste Asiático. (2) O índice mais perto da realidade vivida pelo Brasil foi a da África, com 6,9% em média de gastos dos orçamentos; entretanto, 17 países africanos destinam um porcentual de seu orçamento acima das taxas brasileiras, entre eles Madagascar (15%), Suazilândia (14,9%) e África do Sul (14,1%). (3) Os números da OMS também revelam é que a saúde ainda tem um peso grande para os orçamentos das famílias brasileiras: um quarto das mesmas destina mais de 10% do orçamento doméstico para ser atendida, sendo que não mais do que quatro países no mundo apresentam índices piores do que o brasileiro: Georgia, Nicarágua, Nepal e Egito. (4) Na média mundial, 11,7% das famílias gastam mais de 10% com saúde, mas na Europa tal taxa é de menos de 7%, já no Brasil, 3,5% da população se vê é obrigada a gastar mais de 25% de seu orçamento com a saúde. (5) Somando gastos privados e públicos com saúde, cada brasileiro gasta, em média, US$ 780 por ano, enquanto no mundo a média é de US$ 822,00.

Leia mais: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,porcentual-de-orcamento-para-a-saude-no-brasil-e-proximo-ao-do-africano,70002312554

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