Políticas de Saúde comparadas: Participação Social em Portugal e no Brasil

[Ainda surfando na onda cívico-energética trazida pela 17a. Conferência Nacional de Saúde, trago hoje aos leitores algumas informações sobre o tema da Participação Social]

Em fevereiro de 2019, vivendo em Portugal durante um período sabático, publiquei aqui um texto comparativo entre os sistemas de participação social em saúde nos dois países (ver link ao final). Algumas diferenças marcantes, foram apontadas por mim, entre elas a relativa modéstia da legislação portuguesa ao ponto de parecer, por exemplo, excludente em relação ao segmento dos usuários, apesar de mostrar uma feição mais polissêmica, com níveis de representação múltiplos e diferenciados e atores diversificados, além de situados em diferentes pontos da cadeia democrática. Neste aspecto, é preciso distinguir que o sistema político português é parlamentarista desde sua base municipal e no qual o princípio da “separação de poderes” faz pouco sentido. Os usuários (utentes) de fato estão pouco representados no sistema português, sendo mesmo escolhidos de forma indireta, pelo Legislativo e não por organismos da própria sociedade. Mas em compensação os mecanismos democráticos são bem mais amplos e ramificados neste país, com um sistema representativo parlamentarista, de forte base local (voto distrital) e mecanismos de prestação de contas mais apurados por parte dos representantes. No fundo, é como se a democracia em Portugal se distribuísse igual a “raízes de grama”, não através de uma plantinha aqui e outra ali, para usar uma imagem da natureza. O sistema brasileiro promete deliberação e autonomia das decisões dos conselhos e conferências, mas na verdade não se mostra capaz de cumprir tais requisitos, até mesmo porque eles se chocam com os dispositivos constitucionais em vigor, nos quais se o poder se realiza “em nome do povo”, de forma intransferível ele é exercido, de forma indireta, por parte dos governos. Com satisfação recebo agora um documento oficial e atual sobre tal quesito, originário do Conselho Nacional de Saúde de Portugal, o que passo a comentar no link abaixo.

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Chico, a Revolução dos Cravos e a Saúde em Portugal

Portugal entrou pra valer em nossa vida na última semana. Lula esteve lá, Chico recebeu o prêmio que a horda fascista lhe quis sonegar e a Revolução dos Cravos fez 49 anos. Adoro este país, tanto que nos últimos 10 anos estive lá nada mesmo do que cinco vezes. E quero voltar outras tantas, ora se quero! Aqui mesmo no meu blog já publiquei diversos textos sobre essas minhas viagens (ver link), particularmente analisando a situação da saúde, que evoluiu muito nos últimos anos. Sobre Lula e Chico não há muito o que dizer: a imprensa e muitos de nós já disseram tudo. Os direitistas de lá e de cá também, mas não vale a pena ouvir e muito menos valorizar suas perorações, caso para psiquiatras, quando não veterinários. Mas Chico, esta rara unanimidade – à qual me associo – na minha visão cometeu um equívoco sobre Portugal há décadas atrás, quando resolveu refazer a lindíssima letra de Tanto Mar, para acrescentar uma nota de desgosto com o rumo que a revolução tomara. Disse ele: já murcharam tua festa, pá. Tenho minhas dúvidas se foi realmente assim. A sobredita Revolução dos Cravos foi, na verdade um golpe militar (no caso e excepcionalmente para o bem) que encerrou a ditadura salazarista. De fato, não foi só Chico Buarque que ficou contente. Nós todos, o que amamos a Democracia, ficamos alegres e esperançosos de que no Brasil houvesse, na ocasião, algo igual, porém sem militares, claro. Militares, entre outros defeitos, sabem dar golpes, mas têm dificuldades em sair dos estados de exceção que criam. Assim, algum tempo depois, o nosso vate coloca na canção seu sentimento de decepção. Ele se referia à derrota dos comunistas e dos militares de esquerda nas primeiras eleições gerais depois do golpe. Chico não gostou de tais mudanças, mas na verdade apenas aconteceu o que é comum e até desejável nas democracias que fazem jus a tal nome: a fila andou e o poder mudou de mãos, fazendo rodízio entre centro, centro-direita e centro-esquerda – e vem sendo assim desde então. Melhor para eles… Toda unanimidade é de fato perigosa: até Chico, um gênio da melodia e das letras, prêmio Camões de 2019, comete seus erros. Mas este tem créditos suficientes, está mais do que perdoado. Falemos de saúde, que depois da Revolução dos Cravos mudou, literalmente, da água para o vinho, em Portugal.

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Na Saúde: por que eles sim e nós não?

Como comentado em texto anterior, as coisas da saúde em Portugal estão longe de serem perfeitas, persistindo desigualdades diversas entre as regiões do país, nas várias faixas etárias, entre os dois sexos, etc. Mas mesmo assim, o Sistema Nacional de Saúde (SNS) português, criado após a Revolução dos Cravos de 1974, dentro de uma proposta racionalizadora, unificadora e garantidora de direitos, parece avançar sem grandes retrocessos. Já no Brasil, como se sabe e se vê todos os dias, o nosso pobre SUS, criado com lógica semelhante, é assaltado a toda hora por ameaças diversas, que vão desde a descrença geral, seja dos usuários e dos seus servidores, para não falar dos agentes políticos, até o corte puro, simples e sistemático dos recursos destinados a ele. Aqui cabem as palavras que Fernando Pessoa um dia disse sobre seu país natal, lamentando a sorte do mesmo: “ainda falta cumprir-se Portugal”. Mas hoje, com efeito, se Portugal já foi capaz de “cumprir-se” perante a União Europeia e o Mundo, o nosso pobre país e o SUS, de quebra, vivem aos trancos e barrancos, descendo a cada dia sua penosa ladeira, em particular nos anos mais recentes. Tenho mais uma vez a oportunidade de ver de perto as coisas de Portugal, me ponho a indagar e buscar explicação para tanto. Porque aqui a saúde está dando certo e no Brasil existem tantos percalços? Tal pergunta vale também para a educação, para a segurança pública, para os serviços urbanos, para a cultura, para a seguridade social – para a realização da cidadania enfim. Em busca de respostas, tentarei alinhavar algumas ideias sobre o campo da saúde, que me diz respeito e com o qual tenho mais familiaridade.

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Saúde em Portugal 2022

Eis que volto a Portugal. Aqui é tudo ao mesmo tempo, agora! Junta-se assim o moderno e o arcaico; o natural e o construído pelo homem; o simples e o complexo; a gente rica e a remediada, pois não se chega a ver pobreza total e irremediável por aqui. Nem tudo são flores, claro, e alguns brasileiros e outros imigrantes, africanos principalmente, já estão sentindo o peso da intolerância e do preconceito, mas certamente muito menores do que neste filho grande e bobo que a Terra Mãe gerou. Mas que país será este, tão conhecido e ao mesmo tempo ignorado por nós brasileiros. Será um espelho onde poderíamos ver refletidas algumas de nossas vergonhas? Na saúde, por exemplo. Em 2011 eles estavam simplesmente quebrados, como nós, hoje ou quase sempre. E passaram o chapéu, rendendo-se ao polêmico acordo firmado com o FMI, Banco Central e Comissão da União Europeia – a famigerada Troika. Foi assim aplicado ao país o amargo remédio da austeridade.

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Saúde em Portugal (X): reformar é preciso?

Há reformas e reformas. Em qualquer obra humana, como em uma política pública, elas provavelmente sempre serão necessárias e não devem ser temidas, por consistirem na maneira mais clara de fazer as coisas avançarem. O que há a se temer é imobilismo ou retrocesso. Além do mais, em cenários altamente mutantes como na saúde, como disse o poeta português do século XVI, Sá de Miranda, “incertos muito mais que ao vento as naves”, fica difícil entender porque as mudanças e reformas não ocorrem de fato, até com mais frequência. Continue Lendo “Saúde em Portugal (X): reformar é preciso?”