De baratas, banheiros, avisos e espéculos – o que realmente importa em uma Unidade de Saúde?

Conforme nos revela a Agência Brasil (ver link ao final) o Conselho Federal de Medicina acaba de divulgar um levantamento realizado por suas instâncias regionais (CRM), relativo a visitas que ocorreram entre 2014 e 2017 a 4,6 mil unidades de saúde, incluindo aquelas onde funcionam unidades básicas de saúde (UBS) e equipes de saúde da família (ESF). O cenário é de fato assustador, marcado por problemas de infraestrutura, condições de higiene precárias e falta de equipamentos básicos. Do total de estabelecimentos visitados durante o período, 24% apresentavam, na data da fiscalização, mais de 50 itens em desconformidade com o estabelecido pelas normas sanitárias. Assim, em nada menos do que 81 unidades de saúde não havia consultório; em 268, não havia sala de procedimentos/curativos; 551 não tinham recepção/sala de espera; 34% dos locais vistoriados não possuíam sanitário adaptado para deficiente; 18% não tinham sala de expurgo/esterilização; 16% não possuíam sala de atendimento de enfermagem; 13% não dispunham de farmácia ou sala de distribuição de medicamentos. E vai por aí a fora…

O que o CFM não levantou, infelizmente, foram questões relativas ao cumprimento de horário e qualidade do atendimento dispensando aos pacientes por parte dos médicos e demais membros das equipes de saúde. É claro que, se o tivesse feito, a culpa caberia, naturalmente, às condições precárias de atendimento reveladas no inquérito, não a fatores individuais, culturuais ou corporativos. Mas nem isso aconteceu…

Seria objeto de interesse, também, levantar a parafernália de avisos, o mais das vezes toscos, comunicando ao distinto público que não haverá atendimento disso ou daquilo, que a marcação de consultas para determinada especialidade está suspensa, que não haverá mais insulina na farmácia etc. Tudo sempre arrematado pela indefectível e onipresente ameaça, que completa o quadro das negativas: “maltratar funcionário público é crime”… Isso seria um bom indicador de qualidade dos serviços prestados nas unidades, na base do “quanto menos (proibições e negativas ou ameaças), melhor”.

Não sou contrário este tipo de levantamento. Ele sempre ajuda a esclarecer a situação. O problema é que, feito dessa maneira superficial, ele acaba por esconder o essencial. A barata no piso ou o banheiro unissex passam a ter o mesmo valor, por exemplo, do que as faltas de espéculo ginecológico, das fitas para a medida de glicemia, da mesa com perneiras, ou do mapa da área de atendimento na parede. É claro que não deve ter barata, nem sujeira, nem banheiro nessas condições, mas uma graduação de importância do item avaliado seria também fundamental.

Para resumir em uma simples frase, levantamentos deste tipo na verdade se atêm a somente à estrutura dos serviços de saúde. Mas há outros fatores em jogo… A rapidez do atendimento, por exemplo. Ou o tempo de espera até a marcação de uma nova consulta. O correto seguimento das regras e protocolos (quando existirem…). O processo de capacitação das pessoas que ali trabalham. A produtividade e o cumprimento de horários. E o mais essencial: a capacidade de produzir reais resultados para a clientela coberta. Por exemplo: os diabéticos da área são reconhecidos por nome e endereço? Algum deles teve que ser internado e acabou perdendo um pé? Da mesma forma, os hipertensos: apresentam internações por acidentes vasculares cerebrais ou estão livres disso graças aos trabalhos que a unidade desenvolver? Coisas assim…

Mas, pensando bem, há também coisas mais sérias em andamento no Brasil. Já há alguns anos, o Ministério da Saúde implementou um amplo programa de avaliação de qualidade de serviços de atenção básica, de alcance nacional, o PMAQ-AB, lançado em 2011, através do qual as equipes e os próprios pacientes se envolvem na avalição da qualidade dos serviços, de forma contínua, longe de um viés corporativo e restrito à estrutura, mas alcançando também processos e resultados, como NÃO é o caso da iniciativa do CFM.  Em tal programa, o objetivo é incentivar os gestores e as equipes a melhorar a qualidade dos serviços de saúde oferecidos aos cidadãos do território, para o que se  propõe um conjunto de estratégias de qualificação, acompanhamento e avaliação do trabalho das equipes. Disso pode até decorrer incremento de recursos federais para os municípios participantes, desde que atinjam melhora no padrão de qualidade no atendimento. Assim são avaliados e monitorados a estrutura, os processos e os resultados das ações e serviços da atenção básica, através da utilização sistemática dos sistemas de informação em saúde e de instrumentos que permitam a realização de avaliações normativas da Estratégia Saúde da Família.

Há tempos atrás, tive oportunidade de sugerir ao pessoal do IFC – Instituto de Fiscalização e Controle daqui de Brasília, que realiza uma interessante atividade de avaliação de serviços de saúde denominada “Auditoria Cívica” (belo nome e bela ideia!) uma lista de prioridades absolutas para as unidades de saúde que realmente se habilitariam a ser chamadas por tal nome. Não se trataria de descartar os demais itens, mas para aqueles em foco, uma pontuação diferenciada deveria ser creditada e aí sim, poderia haver comparações.

Tal lista segue abaixo. Não sei se os amigos do IFC aprovaram a ideia. Nunca me deram retorno…

QUESITO SIM NÃO
1.    Existência de prontuários de família
2.    Realização de diagnósticos de saúde com participação dos usuários
3.    Oferta de horários especiais de trabalho n aunidade (noturno, finais de semana)
4.    Gerência da Unidade por único profissional, não por áreas profissionais separadas
5.    Estabelecimento de protocolos de acolhimento e atendimento acordados e cumpridos por toda a equipe
6.    Realização de consultas de enfermagem
7.    Destinação de local apropriado para trabalho dos ACS (quando em atividade na Unidade)
8.    Definição clara da área de abrangência, com mapa acessível à equipe e usuários
9.    Trabalho formal com tais mapas, por exemplo, com atividades de programação e avaliação do serviço oferecido
10.  Cadastramento de 100% da população abrangida pelo PACS
11.  Inclusão de informações ampliadas (sociais, ambientais etc.) nos prontuários de família
12.  Reuniões de equipe para discutir casos clínicos (incluindo ACS)
13.  Existência de discussões formais periódicas, em equipe, sobre eventuais críticas e queixas de usuários
14.  Desenvolvimento de programas de informação, educação e comunicação com o público
15.  Diversificação dos instrumentos de controle social (ex. conselhos locais, disque-saúde, boletins, caixa de sugestões, etc.)
16.  Visitas domiciliares como atividade rotineira, através dos ACS
17.  Visitas domiciliares como atividade rotineira, através de outros membros da equipe
18.  Espaços de atendimento extra-UBS: domicílios, creches, escolas, etc.
19.  Acompanhamento de internações domiciliares
20.  Identificação, programação e acompanhamento de grupos e áreas de risco, através de instrumentos formalizados (listas, fichários etc)
21.  Treinamento conjunto e com conteúdos ampliados a todos os membros da equipe
22.  Realização de atividades de promoção de saúde, bem como educativas, por membros da própria equipe
23.  Recebimento de supervisão da SES-DF e articulação com o NASF

 

Acesse os links citados:

http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/avaliacao_ab_portugues.pdf

http://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2018-08/fiscalizacao-revela-precariedade-em-postos-de-saude-de-todo-o-pais

Conheça também a ficha padrão de Auditoria Cívica realizada pelo IFC – DF: FICHA AUDIT CIVICO DF

Uma resposta para “”

  1. Flávio: Vejo aí a solução, que foi vislumbrada no nosso COUS – em escala mínima, mas com esta proposição que é um sonho! Coube até uma publicação na época como experiências exitosas, na CEBS. abraços!

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