Estamos a pouco mais de duas semanas das eleições e a saúde, que tem sido apontada como uma das principais prioridades dos brasileiros, está longe de ocupar um lugar de destaque nos planos dos candidatos à Presidência da República. No DF é a mesma coisa. O que se vê, aqui e no plano federal é um festival de platitudes e generalizações, ou seja, pouco ou nenhum compromisso. Pesquisas do Datafolha têm traçado um panorama sombrio sobre tal questão. Em próximo artigo analisaremos a situação local.
O SUS é considerado o maior sistema de saúde gratuito do mundo (será mesmo?), ao atender a maior parte da população deste país de 200 milhões de habitantes, mas sofre de um crônico subfinanciamento que, ao que parece, só fará piorar nos próximos anos. O que dizem os nossos candidatos à Presidência? Sete deles se dizem a favor de aumentar recursos para a saúde, mas só três enunciam metas específicas para tanto, sem detalhar, todavia, como vão conseguir isso dentro de um cenário de crise econômica e ajuste fiscal.
Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Ciro Gomes (PDT), por exemplo, prometem revogar a emenda constitucional que estipulou o teto de gastos e que congela o orçamento da saúde por 20 anos, como forma de aumentar os recursos para o setor. Já Henrique Meirelles (MDB) defende a emenda e, ao mesmo tempo, diz que vai ampliar os recursos à saúde. Marina afirma que reverterá a tendência de retração do Orçamento federal, mas não detalha como. Alckmin não promete mais recursos no programa, mas em entrevista pública disse que o fará. João Amoêdo (Novo) e Jair Bolsonaro (PSL), por outro lado, consideram que os gastos com saúde são excessivos.
De maneira geral, os candidatos se baseiam em estudo do Banco Mundial que aponta que, nos próximos 12 anos, o SUS poderia economizar R$ 115 bilhões se buscasse mais eficiência na rede. Mas para gente que é do ramo, como Francisco Funcia, da Associação Brasileira de Economia da Saúde, os candidatos analisam isso equivocadamente, ao ignorarem que o estudo apura o valor da ineficiência, mas não afirma que é só tomar o valor calculado para retirar recursos do sistema. Não se pode ignorar, assim, que o SUS é realmente subfinanciado, sem impedimento de que seja necessário também aprimorar o sistema ou a gestão.
Em um raro sinal de consenso, sete dos candidatos apontam para a ampliação dos serviços da atenção primária à saúde, porém em diferentes formatos, sem se deter em detalhar custos e definir o patamar dessa expansão.
Alguns dos programas, como os de Alckmin, Álvaro Dias e João Amoêdo sugerem a combinação de ampliação de serviços associada à melhor gestão e combate à corrupção. Haddad, Ciro Gomes e Marina reforçam a necessidade de aprimorar o atendimento especializado e o reforço nas redes de urgência e emergência. Curiosamente, contudo, a questão dos hospitais públicos não foi objeto de nenhuma proposta por parte dos candidatos, ou seja, como afirma Ligia Bahia, pesquisadora da UFRJ e uma reconhecida analista das relações público-privadas na saúde do Brasil: “Nenhum propõe o que fazer com o gargalo das cirurgias eletivas e a penúria dos hospitais públicos, especialmente os federais”
Uma espécie de solução mágica, a introdução do prontuário eletrônico aparece em quase todas as propostas. Mas isso, lembram os especialistas, especialmente Mario Scheffer, da USP, “além de caro, é de difícil implantação por causa da fragmentação da rede assistencial no Brasil, por ser muito precária a comunicação entre as unidades básicas, a rede de especialistas e os hospitais”
Os especialistas ouvidos pelo Datafolha destacaram, também, a ausência de compromissos com a redução das disparidades regionais em saúde e de propostas relativas à qualidade dos serviços nos discursos dos candidatos.
Vejamos agora algumas das propostas dos candidatos, em áreas selecionadas.
FINANCIAMENTO
- Álvaro Dias(Podemos): Não menciona
- Ciro Gomes (PDT): Revogar a Lei do Teto de Gastos e redução inicial de 15% das desonerações fiscais e tributárias
- Fernando Haddad(PT): Revogar a Lei do Teto de Gastos; aumentar o investimento público em saúde para 6% do PIB; novas regras fiscais, reforma tributária, retorno do Fundo Social do Pré-Sal
- Geraldo Alckmin(PSDB): Não menciona
- Guilherme Boulos(PSOL): Revogar a Lei do Teto de Gastos; aumentar o financiamento federal na saúde de 1,7% para 3% do PIB; reverter a renúncia tributária com planos de saúde
- Henrique Meirelles(MDB): Ampliar a participação do governo federal no financiamento da saúde
- Jair Bolsonaro(PSL): Não menciona, cita “fazer mais com os atuais recursos”
João Amoêdo (Novo) Não menciona, cita necessidade de melhorar eficiência - Marina Silva(Rede): Reverter a tendência de retração do orçamento federal para saúde
ORGANIZAÇÃO DA REDE ASSISTENCIAL
- Álvaro Dias(Podemos): Fila zero nas emergências; consórcios intermunicipais
- Ciro Gomes(PDT): Ampliação da atenção primária e de policlínicas, reforço das emergências, integração entre a atenção básica, hospitalar e emergencial
- Fernando Haddad(PT): Atenção básica resolutiva e organizadora do cuidado à saúde; criar rede de especialidades multiprofissional
- Geraldo Alckmin(PSDB): Ampliar o Programa Saúde da Família e incorporar a ele mais especialidades
- Guilherme Boulos(PSOL): Expansão da atenção básica; ampliação de leitos hospitalares e acesso a medicamentos
- Henrique Meirelles(MDB): Ampliar a atenção básica e coordenação das redes de atenção à saúde; recuperação financeira dos hospitais filantrópicos; incentivos e planos de carreira
- Jair Bolsonaro(PSL): Credenciamento universal de médicos; carreira de médico de Estado
- João Amoêdo(Novo): Aprimoramento da gestão da saúde pública; expansão e priorização dos programas de prevenção e “clínicas de família”
- Marina Silva(Rede): Ampliar a cobertura da atenção básica; dividir país em 400 regiões de saúde
Apesar de ser apenas um recorte, alguns problemas sérios nessas propostas se revelam, por exemplo, de não darem detalhes sobre a origem dos recursos para aumentar o financiamento em saúde e de como seriam as eventuais reformas tributárias e fiscais, da mesma forma que para as propostas de ampliação da atenção primária e das redes de especialidades,
A Folha de São Paulo perguntou aos principais candidatos ao Palácio do Planalto o que consideram o principal problema da saúde no Brasil e o que pretendem fazer para corrigi-lo caso sejam eleitos. Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede) não se manifestaram. Veja abaixo o que disseram os demais (ou pelo menos aqueles que têm o que dizer…).
Álvaro Dias (Podemos): A saúde brasileira precisa enfrentar, além da crise financeira, a falta de organização do sistema. Precisamos implantar um sistema de gestão moderno e informatizado que não existe hoje e que trará eficiência a todas as etapas do tratamento, desde a marcação de consultas ao retorno do paciente. Criar polos de saúde, para atender os municípios, equipados com máquinas de raio-X, laboratórios, farmácias populares e profissionais. Estabelecer o prontuário eletrônico, que facilitará o controle, e a revisão da tabela de procedimentos, que vai incentivar a rotatividade. A meta de atendimento é fila zero nas unidades de atenção primária. Também é preciso fazer alterações necessárias na Lei do Teto dos Gastos (EC 95), para não prejudicar os investimentos no setor, e reformular o modelo de distribuição tributária, dando mais agilidade na transferência e autonomia aos municípios.
Fernando Haddad (PT): Um dos principais problemas enfrentados pela saúde pública está no subfinanciamento do setor. A edição da Lei do Teto dos Gastos (EC 95), que congela o orçamento da saúde por 20 anos, agravou esse quadro. Além disso, o Brasil passa pelo desafio do envelhecimento da população. Adicionalmente, temos o desafio de atender à demanda legítima da população por consultas e exames especializados. Prevemos a revogação da EC 95 para aumentar os recursos financeiros para o setor. Para enfrentar a demora para marcar consultas e procedimentos com especialistas, a criação das clínicas de especialidades médicas. Combinar intervenções estruturais de financiamento com medidas imediatas, garantindo prontuário e fila eletrônicos e transporte sanitário, será a forma que buscaremos superar esse gargalo. Ampliar os investimentos na atenção básica, para que ela se torne resolutiva e se consolide como o eixo estruturante da saúde brasileira.
Geraldo Alckmin (PSDB): Os principais problemas são: financiamento, gestão, desperdício e judicialização. Para resolver a questão do financiamento é preciso obter o equilíbrio das contas públicas e a consequente melhoria no repasse federal. A melhora da gestão pode ser alcançada por meio do Cartão Cidadão, recurso que concentrará todos os dados dos pacientes, inclusive o prontuário eletrônico, diagnósticos e tratamento. É preciso promover a regionalização do sistema e o trabalho em redes, como na Rede Hebe Camargo de Combate ao Câncer e a Rede de Reabilitação Lucy Montoro. O desperdício ocorre por corrupção e solicitação de exames desnecessários, uso de material indevido e o retrabalho. A solução é implementar mecanismos de fiscalização de qualidade, acreditação dos serviços de saúde, treinamento e mudança de cultura. A judicialização terá de ser enfrentada por iniciativa que permita oferecer aos juízes a melhor informação para que eles tomem a melhor decisão.
Guilherme Boulos (PSOL): O principal problema hoje é a desigualdade. O Brasil é desigual no adoecimento, no acesso aos serviços e na disparidade entre os sistemas público e privado. Dependendo da classe, da raça e do gênero, as pessoas adoecem de formas profundamente diferentes. Para enfrentarmos esse cenário, precisamos combater as distorções nesses sistemas. Hoje, na prática, o SUS sustenta por meio de subsídios grande parte do setor privado. Em vez de planos “populares”, de cobertura restrita e baixa qualidade, o caminho é a ampliação do direito à saúde pública e gratuita, priorizando grupos e regiões mais carentes e de forma articulada com outras políticas públicas.
Henrique Meirelles (MDB): O principal problema é o excesso de demanda do SUS. Vamos solucionar isso aumentando a eficiência do SUS com digitalização e informatização. Pretendo criar um cartão da saúde que todo brasileiro vai ganhar no próximo ano ou quando nascer e no qual ficará gravada toda a sua vida clínica, o que vai facilitar seu atendimento em qualquer hospital conveniado. Além disso, é possível melhorar a gestão, recorrendo a organizações sociais ou empresas privadas do setor, de tal forma a aumentar a eficiência e diminuir os custos do sistema. Não estamos propondo privatizar o SUS, mas sim ampliar a participação privada na gestão. O SUS é público, e não estatal. É preciso reduzir as regulações para a oferta de seguros privados de saúde. O objetivo é permitir que esse sistema ofereça diferentes tipos de seguros, adaptados a diferentes tipos de consumidores, com diferentes necessidades. No Brasil, devido ao excesso de regulação, ou você tem um seguro que cobre praticamente tudo, ou vai para o SUS. A ideia é que muitas pessoas vão preferir adquirir tais seguros em vez de usar o SUS. Assim, vai-se reduzir a demanda no SUS, aumentando o bem-estar dos grupos mais pobres e mais vulneráveis que somente têm acesso ao SUS.
João Amoêdo (Novo): O SUS vai continuar gratuito e universal, mas precisamos resolver o problema da dificuldade de acesso. O sistema tem filas e longas esperas para quase tudo. Temos que agir em duas frentes para corrigir essa questão: pelo lado da oferta de serviços, precisamos de gestão mais eficiente. Modelos como PPP (parcerias público-privadas), OSS (organizações sociais de saúde) e parcerias com entidades privadas têm sido grandes avanços neste sentido.
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