Nestes estranhos tempos (para dizer pouco), em que as ciências, particularmente as humanas, são desprezadas, não deixa de ser surpreendente alguém recorrer aos ensinamentos da Sociologia para explicar qualquer coisa, como vou tentar agora. Faço isso após ter lido na imprensa que a SES- DF cuida de que servidores cedidos ao Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (IGES-DF), se manifestem sua opção pela remoção a outras unidades ou permanência no local de origem. Parece coisa banal e rotineira – e aliás deveria ser – mas tem sido, por aqui, objeto de incômodo e apelo a prerrogativas e conveniências corporativas, devidamente apoiadas, amplificadas e dramatizadas pelos sindicatos das diversas categorias. É aí que entra Max Weber, considerado um dos pais da Sociologia, que produziu sua obra no último quartel do século XIX, sendo contemporâneo de Marx, portanto.
- SUMÁRIO: Max Weber, um dos pais da sociologia, conferiu à burocracia estatal um estatuto de legitimidade e dignidade, dadas suas atribuições de alta relevância. Assim, mesmo apesar de muitas distorções, o funcionalismo público acumulou, no Brasil, uma série de prerrogativas, sejam salariais ou funcionais, que não se estendem a outras categorias de servidores do setor privado. A própria sindicalização, antes vedada, ao funcionalismo público (e ainda o é em muitos países democráticos), cujo patrão em última análise é o Povo, não um indivíduo ou empresa, equipara hoje o corpo de servidores estatais aos demais trabalhadores, tendo como foco a captura de mais-valia em regime de mercado. Para piorar a situação, os governantes, quando se candidatam, já procuram logo de saída agradar tal parcela do eleitorado, não só pelo seu numerário de votos, como pela capacidade que estes têm de angariar simpatias ou antipatias pelos governos que se sucedem no cenário, dado que essa gente conta com a poderosa arma da greve, usando-a sem contemplação, confundindo os governos com a própria noção de Estado, independentemente de seu matiz ideológico, de tal forma que a administração pública, longe de ser aquela ilha de racionalidade, competência, eficiência, organização e hierarquia, como queria Weber, se transformou nisso que está aí. As ações da SES-DF, como o presente remanejamento de servidores para prestarem serviços na recém-criada instituição Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (IGES-DF), que deveria ser coisa banal e rotineira, tornou-se objeto de incômodo e apelo a prerrogativas e conveniências corporativas, devidamente apoiadas, amplificadas e dramatizadas pelos sindicatos das diversas categorias. Implantar o Estado Moderno na Saúde do Distrito Federal sem dúvida é para os fortes… Seria bem mais fácil um boi voar…
***
LEIA O TEXTO COMPLETO
Antes de chamar o Max, mais detalhes sobre a questão em foco. O IGES, cuja natureza jurídica é a de serviço social autônomo, tem orçamento e autonomia, com foco no gerenciamento de compras e contratações de prestadores de serviço e de profissionais para os centros de saúde, dentro de um modelo que escapa às licitações da Lei 8666, com admissões de pessoal pelo regime celetista, o que implica em não-estabilidade. O GDF alega que os direitos dos trabalhadores serão devidamente preservados, de forma que aqueles que optarem por permanecer lotados nas unidades serão cedidos formalmente ao novo Instituto, ou seja, não correm risco de perder o emprego por causa disso. Tais servidores terão a mesma carga horária que atualmente exercem e serão preservados os direitos relativos ao regime estatutário, incluindo remuneração e contagem de tempo de serviço. Estar lotado em tal instituição dependerá de critérios de necessidade de serviço, além da redução de custos com horas extras. São coisas pouco apetecíveis a sindicalistas, como se sabe.
Mas afinal, o que disse Max Weber a respeito do funcionalismo público?
Ele viveu na época da formação do Estado Alemão, que sob comando de Bismarck e outras lideranças autoritárias, aspirava superar seu passado fragmentado e feudal em busca de ombrear-se com as outras nações europeias, dentro de uma concepção moderna de capitalismo e mesmo de imperialismo. Para tanto, era sumamente necessário ter um corpo capacitado de funcionários, em sintonia com a modernidade e as aspirações nacionais.
Weber foi quem deu nova dimensão e popularizou a expressão burocracia; para ele, era algo positivo, diferente do caráter pejorativo que hoje é atribuído à mesma. Seu conceito se baseava em argumentos jurídicos, correspondendo a funções especializadas de administração pública guiadas por normas e atribuições; esferas de competência bem-delimitadas, além de critérios racionais e objetivos de seleção de seus agentes, configurando, assim, um autêntico aparato técnico-administrativo. Embora isso tenha existido historicamente em variadas formas de Estado, foi no Estado Moderno que a burocracia se desenvolveu formando tal tipo-ideal –uma expressão favorita de Weber.
Assim, segundo Max Weber, um aparato burocrático moderno deveria ter, principalmente, servidores públicos verdadeiros, contratados por sua competência e qualificação técnica, cumpridores de tarefas determinadas por normas e regulamentos formais, com remuneração baseada em salários, além de estarem sujeitos a regras de hierarquia, disciplina e relações de autoridade.
Tal burocracia, assim, embora superada em alguns quesitos atualmente, representa o advento de um sistema eficiente de gestão, tanto no campo público como privado, bem diferente do anterior, de fundo monárquico e feudal, já que agora existem a divisão e a distribuição de funções, a seleção de pessoal especializado, os regulamentos, a hierarquias e a disciplina.
Weber também considerava que a burocracia moderna é mais do que uma forma avançada de organização administrativa, racional e científica, mas também uma forma aceitável e legítima de dominação, constituindo um processo inexorável na sociedade moderna.
Não se pode negar, entretanto, que exista também uma série de patologias em tal sistema, pela sua rigidez administrativa, inadequação das normas e regulamentos, irracionalidade, enfim, que muitas vezes trazem resultados contrários ao que se esperava. Assim, novos modelos alternativos ao modelo weberiano têm sido experimentados – mas isso não será assunto para a presente reflexão.
***
Voltando à origem, vê-se que MW deu à burocracia, inclusive a estatal, um estatuto de legitimidade e dignidade, o que indica para a mesma uma série de atribuições de alta relevância. Aliás, em um momento anterior na própria história do Brasil, tal era o sentimento que permeava o funcionalismo público nacional, constituído como verdadeira casta, mas muito respeitado pelo conjunto da sociedade, como sobram exemplos na literatura, por exemplo, de Machado de Assis, Lima Barreto ou Cyro dos Anjos.
Não é à toa, portanto, que mesmo apesar de muitas distorções, o funcionalismo público acumulou, no Brasil, uma série de prerrogativas, sejam salariais ou funcionais, que não se estendem a outras categorias de servidores do setor privado. A própria sindicalização, antes vedada, ao funcionalismo público (e ainda o é em muitos países democráticos), equipara hoje o corpo de servidores estatais aos demais trabalhadores, cujo patrão é um indivíduo ou empresa, tendo como foco a captura de mais-valia em regime de mercado. Tal não é o caso, com certeza, da ação do Estado e de seus agentes, mas é assim que ocorre no Brasil, configurando mais uma daquelas frutuosas jabuticabeiras que só se enraízam por aqui.
O que fazer? De fato, pouca coisa, ou nada. Os governantes, quando se candidatam, já procuram logo de saída agradar tal parcela do eleitorado, não só pelo seu numerário de votos, como pela capacidade que estes têm de angariar simpatias ou antipatias pelos governos que se sucedem no cenário. Quando nada, os sindicatos têm nas mãos – e não se poupam em usar – a poderosa arma da greve. Sendo assim, mudar disposições, como regime ou local de trabalho, buscar estratégias de remuneração ou promoção por desempenho ou valor, oferecer os rigores da lei aos faltosos e recalcitrantes, é logo visto como um atentado verdadeiro aos direitos dos trabalhadores. E tome greve…
E os governos são confundidos com a própria noção de Estado, independentemente de seu matiz ideológico (até às vezes sendo menos poupados os governos mais progressistas), de tal forma que a administração pública, longe de ser aquela ilha de racionalidade, competência, eficiência, organização e hierarquia, como queria Weber, se transformou nisso que está aí.
Boa sorte ao Secretário de Saúde em seu intento de, pelo menos formalmente, buscar implantar o Estado Moderno na Saúde do Distrito Federal. Seria bem mais fácil um boi voar…
***
Quer saber mais?
- https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/03/06/interna_cidadesdf,741212/atendimento-na-saude-vai-melhorar-garante-francisco-araujo-do-iges.shtml
- https://www.metropoles.com/distrito-federal/saude-df/saude-amplia-prazo-para-servidores-dizerem-se-querem-ficar-no-iges-df
- http://www.sociologia.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=205

