O Correio Braziliense visitou algumas unidades de saúde do DF e pediu a especialistas que propusessem medidas para ajudar a resolver os problemas do setor, identificados preliminarmente como infraestrutura, distribuição de insumos e recursos humanos, conforme matéria do dia 22 de junho último. Destaque para a falta de profissionais e as longas filas de espera. São os mesmos problemas apontados há décadas, com soluções aparentemente ainda distantes. Ao contrário de matérias desta natureza, que se fiam mais nas declarações isoladas de usuários e eventualmente de servidores, a que está em foco procura trazer informações mais profundas e detalhadas sobre a situação, além de ouvir dois especialistas e o próprio Secretário de Saúde do DF, nominalmente, Carla Pintas, da UnB, José Simões da UniCEUB, além do Secretário Osney Okumoto. Vamos ver o que dizem…
· SUMÁRIO: O que se pode depreender da análise de tais especialistas e da autoridade máxima da saúde no DF? Em primeiro lugar, ninguém foi capaz de desenvolver, com um mínimo de profundidade, a questão fundamental do modelo de assistência à saúde que se busca para o DF. Falar em “atenção básica” ou “saúde da família”, de forma genérica é pouco. É preciso saber se realmente se pretende realizar isso de forma substitutiva e sustentável ao modelo fragmentado histórico, com aquelas múltiplas portas de entrada (UBSF, UPA, Centros de Saúde tracionais, emergências e mesmo diretamente nos hospitais), com nenhuma coordenação entre elas e o restante da rede. Além disso, a ênfase hospitalar das ações propostas é notória. Não que não haja um grande problema aí, mas a solução para a questão não está dentro dos muros ou corredores do hospital, mas sim na formação de uma rede coordenada pela atenção primária. Tais hospitais “empoderados” absorvem recursos de toda natureza e praticamente ”vampirizam” o resto do sistema. A questão do modelo de gestão pelo menos é abordada mais amplamente, mas não com a profundidade necessária. Questões como parcerias público-privadas, pagamentos por valor, formação de rede, qualificação gerencial, responsabilização por resultados, avaliação de performance, alternativas para a contratação de RH e outras são deixadas de lado. Destaque-se, especialmente, o verdadeiro “limbo” a que o tema das parcerias com Organizações Sociais foi relegado, sendo lembrado apenas de passagem por um dos entrevistados. Considere-se tal aspecto como parte essencial da ordem do dia na saúde do DF. O entrevistado José Simões fala em “pressão de grupos”. Bem lembrado, mas este é um tema que merece ser aprofundado, por exemplo, na definição mais precisa de como se constituem tais grupos, que em breve panorama podem ser citados: sindicatos, outras corporações, parlamentares, lideranças religiosas, partidos políticos da coligação governamental, cabos eleitorais etc. De um Secretário de Saúde, ainda mais em seu sexto mês de mandato, seria de esperar um diagnóstico mais abrangente e menos prosaico da situação de saúde no território sob sua responsabilidade, particularmente em relação à questão do modelo assistencial pretendido pelo atual governo. A contratação de uma expressa de home-care certamente ofenderá aos mais radicais militantes da antiprivatização. Não é o meu caso. Mas de toda forma se trata de algo inovador que deve ser muito bem acompanhado. Repito aqui o que já é verdadeiro lugar comum em minhas alocuções: o verdadeiro problema das parcerias com o setor privado não está do lado “privado” da mesa, mas sim no do Estado, muitas vezes incapaz de controlar e gerenciar os contratos como deveria fazê-lo. Enfim, não fica claro se o IGES, que representa uma boa ideia (espero que não seja desvirtuada…) também terá atuação na atenção primária. O que se vê na fala do Secretário, é sua possível contribuição para mais ainda ”empoderar” a rede hospitalar do DF.
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Vamos ver algumas informações gerais sobre a situação presente em nossa cidade: (1) Ao menos 63,5% da população do DF depende exclusivamente do sistema público e não tem acesso a planos de saúde, com tendência a aumento, segundo dados recentes. (2) A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) recomenda que cada UBS conte com, ao menos, quatro equipes de Atenção Básica ou de Saúde da Família para atender a uma população de 2 mil até 3,5 mil pessoas. (3) O arranjo dessas faixas populacionais pode ser alterado no nível das unidades federativas, levando em conta fatores como vulnerabilidade, riscos e dinâmica das comunidades. (4) No DF, segundo a Secretaria de Saúde, há 530 equipes de Saúde da Família completas (com médico, enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem e ACS), o que corresponde a uma para cada 4,8 mil habitantes. (5) A Organização Mundial da Saúde (OMS) não emite recomendações nem estabelece taxas ideais em relação ao número ideal de leitos, profissionais ou hospitais por grupos de habitantes, valendo o mesmo para duração ideal das consultas médicas ou a quantidade de pacientes que devem ser atendidos por hora. (6) Um estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) apontou que, de 2010 até 2018, 664 leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) foram fechados no DF, sendo a maior queda observada nos leitos pediátricos, com 284 unidades fechadas, enquanto na rede particular tal número subiu 20%. Veja também gráficos no link apresentado ao final.
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A VISÃO DOS ESPECIALISTAS
A especialista em gestão de saúde e professora do curso de Saúde Coletiva da UnB, Carla Pintas, acredita que o aumento da demanda na atenção primária tem mais relação com a maior oferta de funcionários nas unidades básicas de saúde e à falta desses profissionais em hospitais (sic), afirmando que a questão dos planos de saúde importa pouco, porém lembrando que o aumento do desemprego e o crescimento do mercado informal podem justificar também parte dos problemas atuais. Ela considera ainda que os problemas do setor não respondem a soluções rápidas ou fáceis e que para começar a resolvê-los, seria necessário recorrer a mais equipes trabalhando, além de abastecimento, insumos, revisão de processos de trabalho na atenção básica, particularmente do atendimento emergencial. Ela considera a gestão hospitalar atual bem “empoderada”, mas mesmo assim não é possível determinar quanto se tem e quanto se gasta, além das reais demandas por insumos. Criticou ainda a transferência de responsabilidades sobre a dengue para a gestão passada, além da carência de agentes comunitários de saúde para fazer a ponte entre o serviço e a população.
Para o especialista em gestão pública e professor no Centro Universitário de Brasília (UniCeub), José Simões, o problema da saúde do DF está na manutenção de um status quo e de modelos que não funcionam bem, configurando uma estrutura pesada, com muitos servidores e altos custos na folha de pagamentos, acarretando falta de recursos. Ele afirma que a pressão de alguns grupos sobre o governo é um entrave, entre outros, para melhoria do sistema, refutando, entretanto, a privatização. Segundo ele, ainda, o GDF tem dificuldades em implementar aquilo que já que funciona alhures, como as parcerias com organizações sociais, o que seria um modelo que precisa ser testado e acompanhado de perto, pelas suas evidências de bons resultados.
Para Osnei Okumoto, Secretário de Saúde do DF, a nomeação próxima de 81 profissionais para o Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal favorecerá o remanejamento de servidores para as unidades hospitalares, buscando também fortalecimento do programa de assistência domiciliar, com ênfase na desospitalização. A raiz dos problemas da saúde do DF, segundo ele, diz respeito mais à manutenção predial e aos equipamentos, também mencionando falta de pessoal, de medicamentos e de insumos, já em fase de restabelecimento na atual gestão. Enfatiza também o grande número de pacientes hospitalizados que poderiam ser tratados em casa, situação a ser resolvida com a contratação, já em andamento, de uma empresa de home care, estimando- que cerca de 100 pacientes devem deixar os hospitais para serem tratados em casa. O Secretário acredita que é preciso mudar a forma de gestão na SES DF, desburocratizando-a e fazendo-a mais ágil. A informatização é enfatizada, para integrar a rede desde a atenção primária até a terciária, buscando a informação em tempo real. Da mesma forma, cita a necessidade de boa comunicação da Secretaria com a população. Okumoto defende o fortalecimento da estratégia do Saúde da Família através do novo instituto IGES, mas as contratações iniciais serão para as UPA e para o hospital de Santa Maria, processo a ser finalizado até agosto.
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Seguem os gráficos apresentados na matéria do Correio Braziliense
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Saiba Mais


Flávio, a sua lucidez ao tratar do assunto é fruto de uma vida dedicada à saúde da população, feita de uma forma democrática. Parabéns.
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