Tenho tentado mudar de assunto aqui, mas a verdade que desde março não falo de outra coisa a não ser de Covid-19. A frase acima, depois eu explico. A questão do momento é uma tragédia anunciada. Há semanas que já se esperava o pior no controle da pandemia em todo o país, e também aqui no DF. Só aqui neste blog já publiquei pelo menos meia dúzia de posts alertando quanto a isso. E a má notícia chegou a galope, apocalipticamente: o Distrito Federal acaba de assumir, a partir de 28 de julho pp, a liderança de mau desempenho no combate à pandemia no País. É a primeira vez que isso acontece, desde que o acompanhamento presente está sendo feito, ou seja, em 15 de abril. Somos seguidos pelo estado do Rio de Janeiro, Roraima, Goiás e Alagoas. Honrosas companhias…
Tal ranking (não gosto desta palavra, parece disputa entre coisas positivas) leva em consideração nove critérios: proporção de casos confirmados, evolução logarítmica de casos e porcentual de mortalidade da covid-19 e de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG); notas de transparência do combate ao coronavírus (elaboradas pela entidade Open Knowledge), além de dados de isolamento social do Google. Quanto maior a nota final, pior é o desempenho no enfrentamento à pandemia. O DF já ocupava a segunda posição desde a primeira semana de julho e agora chegou ao topo.
A comparação é entre estados, o que não é a melhor maneira de fazê-la, já que o mais adequado seria a comparação do DF com cidades do mesmo porte, como tenho explicado aqui. Mas mesmo assim merece ser levada em consideração, principalmente pelo caráter ascendente das cifras envolvidas.
Como se explicaria uma coisa dessas, sabendo-se que Brasília foi dos primeiros lugares do Brasil a decretar medidas de isolamento e quarentena, sendo além do mais cidade com boa rede de serviços de saúde, renda alta, ausência de áreas remotas ou inatingíveis e oferta de profissionais de saúde bem acima da média nacional? É coisa para ser esclarecida em futuro não muito remoto, espera-se, mas por ora valeria a pena lembrar do fator que deve ter sido o mais significativo: o titubeio do governo local em manter as medidas que certamente lhe foram recomendadas pela equipe técnica competente que ali trabalha. E tome pressões de comerciantes inescrupulosos; de políticos ávidos em angariar prestígio junto a determinados grupos; de uma população mal informada; de mercadores do bible-business, tão influentes aqui. Tudo isso sem esquecer – sem esquecer! – dos ventos aziagos que sobram desde o Palácio da Alvorada e do alcance que as patacoadas do primeiro governante do país (e do DF também) provocam nas mentes dos que lhes foram mais de 70% fiéis por aqui. Uma combinação criminosa de covardia (travestida de “coragem”) e estupidez (escancarada). Nos dois lados da cabine eleitoral, por sinal. É um preço muito caro a pagar, sem dúvida. A nós, que votamos com lucidez nas eleições, resta o consolo de poder dizer agora aquele célebre “eu não falei”. Mas é pena que isso não resolva nada.
Vamos à expressão que utilizei para título deste post. Ela vem de Niall Ferguson, historiador escocês, que tem sido um crítico ferrenho da resposta tardia e, segundo ele, estúpida, que determinados governos vêm oferecendo à crise atual. Ele tem se dedicado com afinco ao estudo da presente crise, com sua personalidade provocadora e o brilhantismo de sua análise. Isso que torna inevitável que às vezes ele caia naquele clássico “eu avisei”.
Um trecho de sua entrevista a El País, que pode ser lida na íntegra no link a seguir
<<No começo de tudo isso sabíamos muito pouco sobre o vírus e a doença que causava. O enfoque correto naquele momento era assumir o pior. A questão principal era agir cedo, buscar uma detecção precoce. Implementar um sistema de contato e rastreamento. Foi o que fez Taiwan e era o modelo porque era uma resposta inteligente. Os historiadores futuros podem acabar dizendo que a maioria dos países ocidentais foi demasiado lenta na fase inicial, para acabar usando instrumentos muito drásticos, como o confinamento quando a doença já estava se espalhando rapidamente entre a população. Não se pode falar de coragem ou covardia. Tudo se reduz a determinar qual estratégia é inteligente e qual é a estúpida. O importante desde o início era controlar os supertransmissores e as situações ou eventos de supertransmissão. Não soubemos entender isso. E agora continuamos agindo como se não o entendêssemos. Já sabemos que a maior parte da transmissão vem de um número relativamente baixo de pessoas. E o tipo de lugares onde ocorre mais facilmente, como bares e restaurantes. Eles simplesmente devem ser fechados até que o vírus esteja controlado. Os formadores de opinião que falam dessa situação como se fosse uma guerra e exigem coragem da população cometem um ato de ignorância nível Bolsonaro.>>
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Saiba mais:
- https://brasil.elpais.com/internacional/2020-08-02/niall-ferguson-em-cinco-anos-esqueceremos-como-era-a-vida-em-2019.html#?sma=newsletter_brasil_diaria20200803
- https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2020/08/01/interna-brasil,877545/df-lidera-ranking-de-pior-desempenho-no-combate-a-covid-19-no-brasil.shtml
Posts anteriores deste blog sobre o desempenho do DF na presente pandemia:
- https://saudenodfblog.wordpress.com/2020/07/18/covid-19-no-df-cadeia-de-responsabilidades-x-responsaveis-na-cadeia/
- https://saudenodfblog.wordpress.com/2020/07/03/leitos-de-uti-no-df-uma-crise-dentro-da-outra-crise-dentro-de-mais-uma-crise/
- https://saudenodfblog.wordpress.com/2020/06/19/covid-19-de-junho-no-df/
- https://saudenodfblog.wordpress.com/2020/06/05/covid-19-no-df-de-onde-viemos-para-onde-vamos-ii/

