“O que eu faço não serve para mim, serve só para os outros”…

O Governador do DF acaba de lançar, alegremente, um Plano de Saúde para os servidores do governo local. Há cerca de dois anos, em dezembro de 2018 mais precisamente, tendo tal proposta surgida no Governo Rollemberg, escrevi sobre a mesma um artigo chamado SUS, o santo de casa que não faz milagre. Nele, lembrei-me da história de um vizinho de bairro na BH dos anos 50, gerente da Cia. Antarctica, mas apreciador da cerveja Brahma e que passava por apuros sérios quando queria saborear sua favorita, pois não poderia ser visto, em hipótese alguma, cometendo tal tipo de infidelidade profissional e etílica. Em outras palavras: aquele lugar onde se trabalha não conta com a confiança de quem ali presta serviços. “O que eu faço para os outros não é o bastante para mim” – é clara a mensagem. Isso me veio à mente diante da notícia que os servidores públicos do DF, os da saúde inclusive, estarão dispensados de utilizar os serviços do SUS. Em outras palavras: SUS apenas para “os outros”, o povo, os comuns, os não-ungidos…

Curiosamente, a matéria da Assessoria de Comunicação do GDF tem total transparência: Servidor ganha plano de saúde de presente. E que belo presente, tornado realidade justamente na comemoração do dia do Funcionário Público! O tal benefício pode chegar a 500 mil pessoas, entre funcionários (efetivos, comissionados, ativos e inativos) e dependentes; inativos e pensionistas. Será que não se lembraram de ex-mulheres e ex-maridos? Primos, compadres, vizinhos? E mais ainda a matéria comemora: Após mais de 20 anos de espera, os servidores públicos do Governo do Distrito Federal já podem comemorar: o tão sonhado plano de saúde finalmente saiu do papel.

O ínclito governador não deixa por menos: A saúde da população é uma preocupação do nosso governo. Estamos investindo na estrutura de toda a rede pública, com novos hospitais, UPAs, UBSs e agora, com o plano de saúde dos servidores, vamos dar segurança e ampliar a cobertura. Em seguida,recorre à pandemia como se fosse mais um fator de mérito do que uma emergência na qual a atuação da máquina pública era uma obrigação, não uma opção: A máquina não parou na pandemia, tocamos obras, investimos na qualidade de vida da população e isto tudo só foi possível com a ajuda dos servidores. O plano de saúde é um compromisso assumido e cumprido por nós, e é muito mais que merecido por todos.

Entre outros argumentos está o de que a presente medida não só atenderá uma demanda histórica dos servidores, ajudará a desafogar a rede pública de saúde e retirar parcela da população dos hospitais públicos, trazendo mais qualidade em saúde para todos. Nada mais falacioso. Servidores também fazem parte da população e os serviços de saúde para uns deveria ser o mesmo para todos, sem nivelar por baixo. A presente proposta, como é de se desconfiar, é “presentear” o funcionalismo com serviços diferenciados, que não estarão ao alcance dos demais cidadãos. Saúde para todos? Não exatamente. Mais para quem “merece” mais…

Como se financiará a coisa? As mensalidades serão descontadas na folha de pagamento, 4% para os titulares e mais 1% para cada dependente. Isso é pouco, naturalmente. Assim, o governo – sempre ele – deverá entrar com a diferença, estimada em 1,5% do total da folha de pagamentos, ou seja, em valores absolutos, cerca de R$ 216 milhões por ano. Menos mal que se prevê alguma coparticipação do beneficiário, estimada em 30% no caso dos atendimentos ambulatoriais e apenas 5% nos procedimentos hospitalares. Resta saber se irão, de fato, cobrar.

No artigo que escrevi em 2018, imaginei que a medida então proposta por Rollemberg poderia não ter agradado ao governador recém-eleito, por representar uma nova despesa, dentro de um orçamento especialmente restrito. Mas não deixei de conjecturar que o perfil de Ibaneis, demonstrado largamente ao longo de sua carreira jurídica (e com isso auferindo bons lucros), era o de um notório “minerador do Estado”. Assim, imaginei, “é possível que ele acabe dando um jeitinho”. E fui além: “nem que seja às custas da precarização ainda maior da assistência à saúde e de outras políticas públicas de interesse social”. Acho que acertei…

E segue, a todo vapor, o Trenzinho da Alegria!

***

Para mais detalhes, acesse:

***

Deixe um comentário