Questão de Ciência….

Há pouco mais de um ano (29 de agosto 2019) postei aqui um texto no qual comentava políticas das SES-DF e do próprio Ministério da Saúde que visavam oferecer ao público as chamadas praticas alternativas, integrativas ou complementares. E arrematei questionando: seriam elas também efetivas? Tal pergunta segue ecoando, impertinente. Com efeito, eu alertava: colocar ao alcance de todos, coisas como apiterapia, aromaterapia, cromoterapia, geoterapia, imposição de mãos e terapia de florais, chazinhos diversos de quintal é coisa de maior responsabilidade. No limite, já se saberia: para os pobres os chazinhos de quintal; para os mais ricos as drogarias comerciais e os fármacos que bem ou mal os livrarão de suas mazelas. Afinal, o que ninguém esclarece é que para um determinado princípio ativo vegetal se transformar em medicamento ativo são necessários anos de pesquisa e outros tantos de desenvolvimento industrial – além de investimentos de centenas, milhares ou até milhões de Dólares ou Euros. Na ocasião me deparei com a existência de um Instituto Questão de Ciência (IQC), sediado em São Paulo, cuja diretriz é “trazer a ciência para os grandes diálogos nacionais e globais em torno da formulação de políticas públicas. Ciência e tecnologia formam os alicerces da vida contemporânea. Por causa disso, questões de ciência estão por toda parte no mundo moderno, e têm papel crucial na alocação responsável de recursos públicos ou privados”. Hoje trago mais novidades a respeito de tal instituição, que considero das mais necessárias, ainda mais nestes tempos de negacionismo e ilusão frente àquele “museu de grandes novidades” de que falava Cazuza, que nos é apresentado a cada momento.

O Instituto Questão de Ciência (IQC) é dirigido atualmente pela bióloga Natalia Pasternak Taschner (foto acima), que por acaso é também membro de um Comitê para a Investigação Cética. Ela volta e meia está nos noticiários de TV, certamente os leitores já a conhecem. O IQC está voltado para a luta contra a presente infodemia que acompanha a pandemia de COVID-19, mas que eu prefiro designar, acho que de maneira mais apropriada, de desinfopandemia. A entidade vem atuando de forma ativa desde o início da atual crise sanitária, com ênfase no combate à onda de informações falsas ou exageradas sobre a doença, publicando também a Revista Questão de Ciência (RQC), além de promover lives e debates em seus canais nas redes sociais e nas TVs aberta e por assinatura, no Youtube e em outros canais.

O IQC, através de sua revista, ainda no fim de janeiro pp, quando a OMS ainda não declarara o novo coronavírus como preocupação, já trazia artigos sobre o surgimento da doença e sobre os boatos de que tal vírus teria sido produzido ou escapado de um laboratório na China. Na questão da cloroquina, tendo entre seus objetivos a defesa de políticas em saúde pública baseadas em evidências científicas, o IQC passou a alertar para a falácia de se apontar o fármaco como a “cura” da COVID-19, alertando para a fragilidade dos estudos, bem como dos riscos de seu uso, além das motivações politiqueiras de alguns indivíduos, capitaneados pelo Presidente da República.

Natalia Pasternak, que então já começava a ser requisitada pela mídia nacional e internacional para falar sobre o tema, alertou: “Já de cara observamos um descompasso entre a forma como a cloroquina estava sendo vendida por alguns políticos como a ‘solução’ para a pandemia e as reais evidências científicas de sua utilidade contra a COVID-19” […] descompasso que foi ficando cada vez maior à medida que mais e melhores estudos foram sendo realizados, até hoje sabermos o que a cloroquina é e sempre foi no combate à COVID-19: uma falsa esperança”.

O trabalho do IQC em torno desta questão também levou à publicação pelo instituto, em maio, de seu primeiro e-book, “Verdades, Mentiras e Exageros Sobre Cloroquina e COVID-19”. A partir de abril, o IQC começou a promover lives com debates e informações sobre a pandemia e seu enfrentamento transmitidas por suas redes sociais e canal no YouTube. Desde então, já foram produzidas 16 edições do “Diário da Peste” em parceria com o professor Mauricio Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), além de oito programas conjuntos com o grupo InfoVid, uma rede interdisciplinar de cientistas comprometidos em produzir informações sobre a COVID-19 com a melhor evidência científica.

Já na RQC artigos de colaboradores, especialistas e jornalistas alertavam, e continuam a alertar, para a ameaça representada pela COVID-19; os caminhos da doença no Brasil e no mundo; outras falsas “curas mágicas” da doença para além da cloroquina; a importância da adoção de estratégias efetivas para conter seu avanço, como as medidas de distanciamento social; a busca por tratamentos vacinas; e os erros no seu combate, como a falta de coordenação do governo federal, as atitudes do presidente Jair Bolsonaro e o relaxamento precipitado destas medidas.

Vejam os leitores como certas “novidades” apresentadas hoje em dia são verdadeiras peças de museu; ou, ao contrário, percebermos que há um século atrás já eram desacreditadas. Encontrei em Niall Ferguson a seguinte afirmativa de Ataturk, o fundador da Turquia moderna, cerca de 1920: Para tudo no mundo – para a civilização, para a vida e para o sucesso – o guia mais verdadeiro é o conhecimento e a ciência. Procurar outro guia é um sinal de negligência, ignorância e aberração.

O que será de nós, que vivemos num país onde as tais negligência, ignorância e aberração passaram a fazer parte do discurso das autoridades?

Pois é… Estamos prestes a ter vacinas contra a epidemia mundial do Covid-19. Mas, lamentavelmente, parecem remotas as chances de que possamos nos proteger também desse outro processo pandêmico que a acompanha, a tal desinfopandemia, que tem por sintomas as meras opiniões ou mesmo palavras de má fé serem arvoradas, de forma irresponsável, mas com sucesso às vezes, a foros de verdade.  

Verdadeira, questão de Ciência…

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Ainda dentro deste mesmo tema, ou seja, da desinfopandemia, fiquei sabendo que a edição eletrônica do The New York Times trouxe algumas reflexões do médico, Richard Friedman, professor e diretor da clínica de psicofarmacologia do prestigiado Weill Cornell Medical College, de Nova Iorque (ver também o link). Isso deveria servir de alerta aos médicos brasileiros que, em busca de notoriedade e favores do governo aderiram à mentira da cloroquina, como fez o próprio Conselho Federal de Medicina. Indaga o professor Friedman: O que fazer com os médicos que promovem a desinformação? E não deixa por menos:

<<… há limites para o que é permitido, e nenhum médico deve se safar empurrando maus conselhos, especialmente durante uma pandemia. Mesmo que um órgão regulador não tome medidas, seus colegas certamente podem. No início desta semana, por exemplo, quase 1.500 advogados instaram a American Bar Association a investigar a conduta da equipe jurídica do presidente Trump, incluindo Rudy Giuliani, por fazer alegações indefensáveis ​​de fraude eleitoral generalizada e buscar ativamente minar a fé pública na integridade da eleição. Os médicos devem perceber que seu conselho é, na verdade, uma forma de medicamento. Se eles saírem dos padrões aceitos de prática, com base em evidências empíricas, é hora de os conselhos estaduais tomarem medidas disciplinares e protegerem o público desses médicos perigosos>>.

Saiba mais: https://tijolaco.net/no-nytimes-um-alerta-aos-doutores-cloroquina/

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A MANCADA DA SEMANA

Pois é, vejo na mídia que o (des)governo volta atrás e readmite 350 médicos cubanos do antigo Programa Mais Médicos, que haviam antes sido afastados por questões ideológicas e preconceitos. A mancada não está, evidentemente, em readmiti-los, mas sim por tal atitude se somar a um monte de coisas equivocadas que estão sempre fazendo virar “parte da paisagem”. Exemplos: a apologia da cloroquina; a militarização da Ministério da Saúde; a briga política com governadores; o anúncio do fim da pandemia; os ataques à China na questão das vacinas etc (e bota etc nisso!).

Pergunta que não se cala: quando é que teremos um governo mais responsável, mais decente e menos amadorístico no Brasil?

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