O que faltaria, afinal? Eu poderia estar falando de responsabilidade social e solidariedade, para de imediato trazer à conversa a delinquência contumaz desse indivíduo doentio que ocupa a presidência da república, que nunca teve representação tão minúscula como ora se vê no Brasil. Mas isso já virou assunto batido, aqui e alhures, ainda não superado, embora, para nosso consolo, outubro de 2022 venha aí. O tema aqui é outro, qual seja, a maneira como se organizam os serviços de saúde, seja em termos locais (principalmente), nacionais ou globais, com o efeito disso sobre o controle da Covid-19. Trago aqui excelente artigo de gente que conheço de perto (ver link ao final) – e que realmente entende do assunto – no qual analisam experiências brasileiras de Atenção Primária à Saúde (APS) no enfrentamento da atual pandemia de Covid-19, demonstrando que a tal organização do modelo assistencial em saúde, particularmente na porta de entrada do sistema, é fundamental para o sucesso das medidas de prevenção, proteção e controle. Assim, há mais coisas no cenário do que apenas vacina, máscara, álcool, distanciamento. Precisamos ter também um modelo de saúde adequado, com responsabilidade social e solidariedade, junto com uma sociedade consciente e disposta a cobrar o que lhe é devido.
Assim, a exemplo do que costuma acontecer nas crises sanitárias, o enfrentamento através da união de esforços entre governos e sociedade constitui potente estratégia de atuação também na atual pandemia. E neste aspecto, a APS cumpre papel fundamental e é assim que países com a APS robusta, como porta de entrada de seus sistemas de saúde, mostraram capacidade mais pujante em articular o combate à pandemia de forma eficaz, em todas as frentes. Para tanto, as ações dos entes locais são essenciais, ainda mais em países como o Brasil, nos quais a APS, através da Estratégia de Saúde da Família, constitui uma prestação de serviços capilarizada e organizada com base local. Assim, é fundamental conhecer e entender a diversidade de sua organização, estruturação e atuação no atual contexto, no sentido de mapear experiências e orientar estratégias inovadoras. É sobre isso que o presente artigo se debruça.
Como todo mundo sabe, desde março de2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o surto da Covid-19 como pandemia, não só o Brasil como o mundo todo vêm enfrentando a mais importante crise sanitária de toda uma geração – a nossa. Observando, então, as experiências de enfrentamento tal pandemia pelo mundo a fora, constata-se que países que priorizaram suas respostas à pandemia na atenção hospitalar, logo viram seus sistemas de saúde entrarem em colapso, ao contrário daqueles em que os sistemas de saúde tinham como base de apoio a APS.
O presente estudo tem como base um conjunto de 20 recomendações para a APS que têm servido como marco teórico estratégico para as ações de cooperação técnica da OPAS/OMS no Brasil, denominada de APS Forte, viabilizadas através de uma parceria com o Ministério da Saúde. Seu objetivo principal é o de identificar, reconhecer e divulgar boas práticas em APS que ocorrem no território brasileiro, sistematizando processos e transformando conhecimento tácito em explícito. Assim procura-se não só conferir visibilidade como também promover iniciativas locais, municipais, regionais ou estaduais capazes de gerar conhecimento ascendente e horizontal, visando incrementar processos de cooperação e solidariedade entre, gestores, trabalhadores, usuários e especialistas. Foram assim detectadas em 2020 1670 experiências, das quais 1471 foram aprovadas. São dignos de menção o esforço e a qualidade de tais iniciativas, com repercussões locais, municipais, regionais e estaduais com foco na organização, melhoria e inovação da APS no contexto da atual pandemia. Afinal, em um país de dimensões continentais e muito heterogêneo como o Brasil, favorecer o intercambio amplo e em tempo oportuno entre iniciativas é forte um desafio e assim estratégias que permitam a troca de conhecimentos de forma célere com clareza de conteúdo são fundamentais.
Em suma, verificou-se que tanto profissionais como gestores da APS brasileira mostraram grande compromisso, resiliência, adaptação e capacidade de inovação, liderando processos, dentro de cada âmbito de atuação, para efetivar a reorganização dos serviços de APS no enfrentamento da pandemia, ao mesmo tempo que demonstraram preocupação com a continuidade dos cuidados e serviços essenciais. Demonstrou-se ainda que além dos resultados em termos de disseminação de conhecimento, foram produzidos efeitos positivos de superação e de motivação, com marcante reconhecimento da qualidade do trabalho das equipes responsáveis pelas mesmas, constituindo, assim, estímulo para todos os profissionais comprometidos. Entretanto, ficou patente também a institucionalização apenas incipiente da maioria das experiências apresentadas, revelando um certo “vazio” na explicitação de normas, políticas e programas, em termos da singularidade que cada momento de enfrentamento da pandemia exigiria. A expectativa é a de que o presente trabalho de sistematização possa apoiar a tomada de decisões por parte dos gestores, na construção de políticas e programas de resposta a emergências de saúde pública orientadas pela APS.
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Mas é bom reafirmar: não basta ter APS – é preciso ter um APS de qualidade. E o que é isso? Assim como tem gente que acredita em cloroquina, ameaça comunista, voto impresso ou nas boas intenções do atual governo, há aqueles que ainda questionam a eficácia da Atenção Primária Básica no incremento à resolutividade e à qualidade dos sistemas de saúde. Não fosse assim certamente já teríamos a nossa estratégia de Saúde da Família não só mais prestigiada como também difundida ao longo de todo o território nacional. O consenso geral é de que ocorreu melhoria da qualidade da estratégia de APS no Brasil nas últimas décadas, associada a reduções nas hospitalizações e na mortalidade de algumas condições, por exemplo. São achados que acrescentam evidências sobre a importância da APS na melhoria da saúde da população e também para alavancar o desenvolvimento sustentável relacionado à saúde.
Assim, uma APS deve conter, no mínimo, os seguintes requisitos: (1) ações de saúde, no âmbito individual e coletivo; (2) abrangência que inclua a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, além da manutenção da saúde; (3) trabalho em equipe, com médico, enfermeiro e pessoal auxiliar, inclusive agentes comunitários de saúde; (4) foco da ação dedicado a populações de territórios bem definidos e explícitos; (5) responsabilização sanitária formal de tal equipe; (6) domínio de tecnologias de complexidade alta e baixa densidade: (7) capacidade de resolver os problemas de saúde de maior frequência e relevância no território (que podem chegar a 90% do total). Além disso, ela representa o contato inicial dos usuários com o sistema de saúde, orientando-se por princípios tais como universalidade, acessibilidade, coordenação do cuidado, vínculo; continuidade, integralidade, humanização, equidade e participação social.
A verdade é que tem muita coisa por aí chamada de “Atenção Primária à Saúde”, ou “Atenção Básica”, sem propriamente merecê-lo.
Acesse o texto completo:
- Fernandez, M.; Carvalho, W.; Borges, V.; Klitzke, D.; Tasca, R.apsemrevista.org233 A Atenção Primária à Saúde e o enfrentamento à pandemia da COVID-19: um mapeamento das experiências brasileiras por meio da Iniciativa APS Forte APS em RevistaVol. 3, n. 3, p.224-234| Setembro/Dezembro–2021ISSN 2596-3317 –DOI 10.14295/aps.v3i3.216
Leia mais:
- Matías Mrejen, PhD Rudi Rocha, PhD Christopher Millett, PhD Thomas Hone, PhDThe quality of alternative models of primary health care and morbidity and mortality in Brazil: a national longitudinal analysis – – Open AccessPublished:August 13, 2021DOI:https://doi.org/10.1016/j.lana.2021.100034
- https://wordpress.com/post/saudenodfblog.wordpress.com/2244
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Um ilustre brasileiro partiu esta semana, o Poeta Thiago de Melo. Seus versos, que se tornaram históricos, agora, neste fase de trevas que atravessamos e que parece nunca acabar, valem mais do que nunca:
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.
Amanhã será um novo dia, com certeza, Thiago!



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