Como vive dizendo aquele conhecido delinquente que ora ocupa a Presidência da República, “um dia todo mundo vai morrer”. Mas há mortes que poderiam ser evitadas em muitos casos e até constitui crime verdadeiro não dispor os meios para evitá-las. Assim, conhecer o perfil de mortalidade, não só em nossa cidade, mas na realidade geográfica mais abrangente, é fundamental para aferir as condições de saúde e doença da população e em consequência propor e executar políticas públicas consequentes. Assim, é preciso saber onde e quantos morrem, do que morrem, com que idade e as circunstâncias do óbito, não só para o devido planejamento, como para avaliar o acesso, a qualidade e a eventual reorientação das ações de prestação de cuidados à saúde. Dentro deste espírito é que trago aqui um relatório elaborado pela SES-DF (ver link ao final) a partir da análise do sistema nacional de informação sobre mortalidade (SIM), que registra dados de todos os óbitos de residentes ou ocorridos no Distrito Federal em instituições públicas, privadas, em domicílio ou via pública, com foco apenas no perfil de mortalidade entre os residentes locais. O ano base é o de 2018, o último disponível. Há relatórios também relativos à mortalidade Infantil, fetal e materna, que serão trazidos aqui oportunamente.
Uma breve nota sobre a metodologia do presente estudo: dados de mortalidade obtidos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), fornecido pelo Ministério da Saúde e administrado pela Gerência de Informações e Análise de Situação de Saúde (Giass), da SVS/SES-DF; dados populacionais obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); estimativa populacional por local de residência no DF realizada pela CODEPLAN.
Segue um resumo do relatório em pauta.
- A mortalidade proporcional por idade tem a ver diretamente com o envelhecimento da população. Assim, 63,3% dos óbitos ocorreram acima de 60 anos, sendo que 27,4% tinham 80 anos ou mais. Entretanto, essa realidade não é homogênea em todo o Distrito Federal, com marcantes diferenças entre as diversas regiões.
- Em todas as faixas etárias o coeficiente de mortalidade foi maior em homens, entre os quais ela é também mais precoce, já com aumento a partir dos 15 anos. Entre as mulheres, o aumento é também progressivo com a idade, porém mais tardio, com um pico de óbitos só a partir dos 80 anos.
- Além disso, nos homens a principal causa de morte foram doenças isquêmicas do coração, seguida por cerebrovasculares e agressões (homicídios); nas mulheres, a primeira foram as doenças cerebrovasculares, depois doenças isquêmicas do coração e neoplasia de mama; em ambos os sexos, até os 40 anos de idade, as causas externas (acidentes, violências e trauma) foram a principal causa de morte; no sexo masculino, principalmente entre 10 e 39 anos, as mortes por homicídio atingiram elevadas taxas.
- Óbitos por grupos de causa: doenças do aparelho circulatório foram a principal causa de morte em 2018, com apenas uma pequena queda em relação a 2010; as neoplasias, segunda causa de morte, aumentaram sua incidência nos últimos anos.
- Causas externas (acidentes, violências e trauma): constituem a terceira causa mais frequente, também diminuindo em relação ao ano de 2010, não diretamente, mas pela redução da taxa de mortalidade por homicídios e acidentes de transporte terrestre.
- Em relação à faixa dos 40 aos 59 anos: principais grupos foram as neoplasias e as doenças do aparelho circulatório. Nas mulheres câncer de mama e entre os homens, doenças causadas pela ingestão de álcool.
Em um cômputo geral, pode-se dizer que acima de 60 anos, o risco de morrer por doenças do aparelho circulatório vem aumentando, especialmente por doenças isquêmicas do coração e doenças cerebrovasculares. Neoplasias também apresentam taxa de mortalidade elevada, principalmente pulmonares, do cólon e da mama. Outras causas relevantes foram doenças do aparelho respiratório, como pneumonia e doenças crônicas das vias aéreas inferiores.
Em suma, o DF apresenta mudanças no perfil de sua mortalidade ao longo dos últimos anos, com a mortalidade proporcional por idade diminuindo em todas as faixas etárias abaixo de 50 anos, porém aumentando acima dos 80 anos de idade, como seria natural, dado o envelhecimento da população, o que explica também o aumento da mortalidade por neoplasias. Doenças do aparelho circulatório permanecem como a principal causa de morte, mas vale ressaltar a redução da mortalidade por agressões e acidentes por transporte terrestre.
Trata-se de quadro perfeitamente compatível com as transições epidemiológica e demográfica que afetam, nos últimos anos, o país como um todo.
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Meus comentários: há outra transição a ser considerada, esta de natureza simbólica ou cultural, ligada ao sentimento de direitos, de pertencimento social e comunitário, enfim, da percepção de um lugar no mundo das pessoas. Isso também está em processo de mudança histórica. Neste campo, ninguém quer ver antecipada sua hora de morrer, pelo contrário, todo muito quer ter vida longa e digna. O segredo da eternidade ainda não foi descoberto e certamente não o será, mas a ciência, particularmente no último século, realizou prodígios neste sentido, em alguns casos até duplicando a expectativa de vida. Não cabe aos médicos, cientistas e políticos negar ou postergar este tipo de direito às pessoas. Elas têm cada vez mais consciência de seus direitos e de que a ciência tem aparato para lhes oferecer o que precisam ou merecem – e este é uma das maiores conquistas culturais das últimas décadas, inclusive no Brasil. Em toda parte a Saúde deixou de ser favor dos poderosos ou apenas um ganho marginal na vida das pessoas, para se transformar em algo realmente essencial, parcela indispensável de uma cesta básica de cidadania que faça jus a tal nome. E as pessoas sabem disso e querem cada vez mais – e com razão. A prospecção permanente do estado de saúde da população, pelos vários meios disponíveis, é mais do que um simples conjunto de ferramentas, que podem ser usadas, ou não, mas um compromisso ético fundamental dentro daquele contrato social que envolve a relação entre governos e cidadãos. Contar, como no caso do Brasil hoje, com um Consórcio de Veículos de Imprensa para realizar aquilo em que o governo se omite, só não se configura como uma tragédia por permitir que pelo menos alguma informação seja conhecida – embora nem sempre seja adequadamente utilizada. Faz bem a SES-DF em levantar e disponibilizar as presentes informações a toda a população, mas não deixa de ser preocupante o fato de que a última versão disponível de tal levantamento seja esta de 2018. Enfim, entre os muitos crimes contra o bem estar e a saúde dos cidadãos que se cometem atualmente, está também o de obstaculizar e impedir o correto levantamento de dados e de sua divulgação, como reiteradamente fazem algumas autoridades. Isso é crime hediondo e inafiançável – a História haverá de julgar e mostrar o devido lugar a esta gente, ou seja, o lixo, o opróbio ou a prisão.
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Acesse o documento na íntegra:
Outras leituras
https://observatoriosaudedf.wordpress.com/2017/11/14/o-que-mata-mais-em-brasilia-e-no-mundo
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Esta semana este blog completa quatro anos no ar! Foram 270 postagens, que receberam mais de 13 mil visitantes, com 25,8 mil visualizações. Isso me honra muito e dedico este sucesso a todos vocês, generosos leitores que me acompanham aqui.
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Deixo também minha homenagem aos 62 anos de nossa cidade. Eu, como testemunha ocular de sua inauguração (acreditem!), conto como foi, na minha visão de criança. Acesse: https://veredasaude.com/2016/07/01/o-dia-em-que-conheci-brasilia/ – ou leia o texto a seguir.
O DIA EM QUE CONHECI BRASÍLIA
Entoando nosso hino, o rataplã do arrebol, de cujas palavras ignorávamos o exato significado, nos arrancamos de BH em uma manhãzinha de abril de 1960. O caminhão Chevrolet tinia de novo (uma gíria da época) e levava nossa tropa, o Grupo Escoteiro do Colégio Estadual, para participar da inauguração de Brasília. Dentre nós, os mais viajados mal haviam passado de Lagoa Santa, ou adjacências, sempre em companhia dos pais.
Era tudo aventura, a começar pelo vento, que já à altura de Sete Lagoas havia destruído o toldo de lona posto sobre o caminhão e dispersado alguns dos chapéus de feltro, o que deixou seus donos inconsoláveis.
Em Três Marias paramos para comer, de marmita, pois naquele tempo não se conhecia fast-food, palavra que, aliás, soaria como um palavrão em língua gringa. Ali constatei, para meu dissabor, que a comida preparada com carinho por minha mãe, de véspera, simplesmente azedara, irremediavelmente. Um colega caridoso me ofereceu uma banana, com a casca já preta, a qual comi com gosto, o que fazer?
Chegamos esbodegados em Paracatu, já a tempo de dormir. Um Grupo Escolar foi nosso abrigo e ali o chão nos serviu de cama, sem direito a um chuveiro. De madrugada, o planalto mostrou-nos sua inclemência, quase nos congelando.
Lembrança de Cristalina: filas de carros com os parabrisas quebrados pelo impacto dos cristais do cascalho fino que cobria o asfalto. E filas de vendedores de parabrisas, recém descobridores daquele filão de ganhar dinheiro, coisa rara naquele tempo e naquela região.
Brasília nos recebeu lá pelas onze horas da manhã, num calor de rachar. Com os chapéus restantes e o nosso grito escoteiro – arrê, arrê, arrê – saudamos os Fuzileiros Navais que vinham a pé do Rio de Janeiro. A estátua gigantesca e esquisita, na entrada do DF, não nos augurou boa coisa.
Acampamos logo abaixo do Palácio do Planalto, monumento colorido pela poeira vermelha, no meio do cerrado. Não havia banho. Para as necessidades mais imperiosas, o hediondo WC de uma cervejaria instalada num galpão provisório, ao lado do Palácio. Acabamos descobrindo uma adutora furada, ao lado da qual, meio atolados na lama, lavávamos as panelas, as cuecas e o corpo. No acampamento sem árvores já no primeiro dia estávamos à beira de uma insolação. À noite, um frio siberiano. Como se não bastasse, um «enxame» de carrapatos nos assolou, propiciando o intenso afazer de nos coçarmos, dia e noite.
Por muita teimosia voltei a Brasília – e para morar – muitos anos depois. Na adolescência, entretanto, só não corremos, eu e meus companheiros, de volta ao regaço materno, porque nossa querida BH ficava muito longe do terrível Planalto Central.


Flávio, sabe que você poderia reescrever sua viagem à Brasília tendo como inspiração os sertões roseanos? Lembrei-me disso ao mencionar Sete Lagoas, Três Marias e Paracatu.
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Não seja por isso, meu Amigo… Aí vai: https://veredasaude.com/2020/10/06/pelas-veredas-do-grande-sertao/
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