Seriam os médicos do DF pouco produtivos?

No estudo sobre a chamada Demografia Médica no Brasil (DMB) que venho comentando aqui nas duas últimas semanas, chamou minha atenção (e certamente também dos leitores) que a produtividade médica em nossa cidade, em termos de consultas oferecidas por ano, é simplesmente a menor do Brasil. Ao mesmo tempo que o rendimento per capita é o maior. É isso mesmo que você leu! Mas seria assim mesmo na realidade? É o que procurarei elucidar neste post.  Seguindo o estudo DMB, mais de 600 milhões de consultas médicas são realizadas por ano no Brasil, o que corresponde aproximadamente a três consultas por habitante o que, considerando o número atual de médicos no país, dá a cada profissional a realização média, de 1.260 consultas anuais. No DF tal cifra não passa de 600, ou seja, menos da metade disso. O estudo mostra também que as disparidades entre regiões e entre os setores público e privado da saúde são bastante significativas, não só aqui mas no país como um todo. Em termos conceituais, consultas referem-se a contatos diretos de pacientes com médicos, sejam generalistas ou especialistas, realizados tanto em serviços públicos como privados, em ambientes diversos, compreendendo anamnese, exame físico, conclusões diagnósticas, solicitação de exames e prescrição. Consultas podem ser concluídas, ou não, em um único momento, mas podem envolver tanto o encontro pessoal entre médico e paciente, como serem mediadas por tecnologias. Vamos a alguns dados e explicações.

No DF são oferecidas anualmente, somando SUS e privados, 8.604 mil consultas, resultando 2,72 consultas por habitante/ano. No Brasil, como um todo, tal taxa é de 3,13, o que já se configura, sem dúvida, como um fato surpreendente. À guisa de comparação, do DF com estados, pode-se tomar alguns números: MA – 3,11; SP – 4,84; ES – 3,80; MS – 3,82. A menor cifra do Brasil está na Bahia: 1,85.

Separando só as consultas oferecidas dentro do SUS, a taxa para o DF, 1,36 (por mil habitantes) , está bem próxima daquela dos estados mais pobres nas regiões N e NE. Os estados mais bem dotados em tal quesito são SP, com 3,13 e MA, com 2,98. A mesma separação, com relação ao atendimento privado em planos de saúde, mostra situação inversa, com o DF (taxa de 3,76) se alinhando com os índices mais altos de SP, MS, ES, AL e CE, estando um pouco acima da média nacional, que é de 3,25. Neste aspecto, o índice mais baixo do país é o de GO (1,39). Ressalte-se, também, que a pujança econômica local não parece ter relação direta com a maior oferta de consultas através de planos de saúde, eis que estados como MA, AL, AP e alguns outros que também podem ser considerados pobres, se encontram bem acima de média nacional.

Outra análise, esta derivada das pesquisas por amostragem do IBGE, refere-se à utilização de consultas médicas nos últimos 12 meses, em termos de percentual da população. Em tal quesito o DF se situa abaixo da média nacional, ou seja, 67,6% da população local x 75,8% no Brasil. Em termos de consultas assim referidas por habitante ano, 2,56 (DF) x 2,95 (Brasil); pessoas com e sem plano de saúde, respectivamente, DF 3,69 x 1,94; Brasil 3,69 x 2,61. 

O dado que sem dúvida representa o maior gerador de espanto: o número médio de consultas que cada profissional atende em um ano aqui na cidade, somando atividade pública e privada: 558,2. Isso representa menos que a metade da cifra relativa à maioria dos estados da Federação e mesmo da média nacional.  

Mas  é bom lembrar que: (a) os padrões de uso de consultas no Brasil são naturalmente variáveis, variando conforme as fontes de informação, região e segmento populacional, pessoas com ou sem planos de saúde; (b) os indicadores baseados em registros administrativos evidenciam diferenças significativas entre a população atendida pelo SUS (2,3 consultas por habitante/ano) e aquela vinculada a planos de saúde privados (3,2 consultas por habitante/ano); (c) com as informações dos próprios usuários, coletadas pela PNS, obtêm-se valores um pouco superiores, mas que mantêm as diferenças entre SUS e planos privados, sugerindo consistência das informações.

Além disso, em termos internacionais o maior valor nacional (3,9 consultas por habitante/ano para o segmento plano de saúde, segundo a PNS), é inferior à média dos países da OCDE (6,8 consultas por habitante/ano). Assim, por exemplo, no Brasil, em 2019, as pessoas se consultarem três vezes menos do que a população da Alemanha e duas vezes menos que o Canadá.

Em linhas gerais, a primeira hipótese para a baixa produtividade médica no DF é que possa estar havendo alguma incorreção das fontes de informação utilizadas, conforme mostrado abaixo, mas que de toda forma são dados oficiais, tanto no setor público como no privado.

Outra hipótese é a de que não estão sendo computados como consultas uma série de procedimentos especializados, que são frequentes no ambiente de alta complexidade sanitária como acontece no DF. Além disso, não são computadas consultas particulares mediante pagamento direto de pacientes e da mesma forma ficam de fora as consultas das chamadas “clínicas populares” privadas. Como se sabe, o contexto assistencial também influencia, desde a fase de agendamento, passando pelas habilidades e competências da equipe de apoio até o registro ou não de interconsultas e contatos feitos por telefone ou meios eletrônicos.

Existe também a possibilidade da sub notificação. Os sistemas oficias de informação estão preparados para detectar seu oposto, ou seja, os lançamentos em superavit, mas não as omissões puras e simples, que devem ser detectadas na origem. Aqui a questão é mais de gerência interna do que propriamente de adequação da qualidade dos sistemas de informação. Há uma cadeia complexa de eventos na base de tais notificações deficitárias, que vão desde o treinamento deficiente dos responsáveis, passando pela supervisão precária chegando até mesmo atitudes ilícitas de resistir àquilo que alguns entendem como “burocracia excessiva”, aspecto que a categoria médica, particularmente, costuma arrolar entre as costumeiras reivindicações de “melhoria das condições de trabalho”.

Na comparação com outros países, a atuação de enfermeiros, farmacêuticos e outros profissionais têm campo de prática mais amplo do que no Brasil, seja na atenção primária, na saúde mental e no manejo de pacientes com doenças crônicas certamente refletiria no montante das consultas médicas. Em termos nacionais, todavia, ,isso naturalmente não diferenciaria o DF dos demais estados e cidades da Federação.

Deve ser lembrado, além disso tudo, que o acesso a consultas e serviços de saúde no Brasil é fortemente influenciado pela renda, condição social e local onde as pessoas residem.

Em síntese, no DF, independentemente de considerações sobre produtividade médica, que demonstra ser realmente baixa, em termos comparativos nacionais e internacionais, é notável a existência, na realidade local, de forte desigualdade social e sanitária, com predomínio das modalidades privadas de atendimento, através dos planos de saúde, associados à baixa oferta de consultas e outros procedimentos médicos, com provável  exuberância da oferta de alta tecnologia em detrimento da atenção primária à saúde.     

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Em próxima edição deste blog vamos tentar aprofundar a questão do rendimento dos médicos, que também diferencia, embora de forma positiva, a situação dos médicos no Distrito Federal.

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Veja o estudo DMB completo no link a seguir:

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