(Por Henriqueta Camarotti)
Poucas pessoas duvidam hoje que existe uma correlação entre o estado de saúde e bem estar de alguém e os fatores relacionados à espiritualidade. Se há divergências, é quanto ao grau de tal influência, mas o fato real é que o tema já está na ordem do dia faz tempo – e assim permanece. Comecemos por uma conceituação diferencial entre religiosidade e espiritualidade. A primeira diz respeito à adoção de princípios e práticas de uma determinada religião que se define pela existência de um poder superior criador do Universo. Em outras palavras, a aceitação de um conjunto de crenças e rituais professados por uma instituição congregadora, organizada hierarquicamente que inclui uma dinâmica sócio-econômica-cultural, com o objetivo de promover a caminhada em direção a uma ou mais divindades concebidas no seio de suas tradições. Cabe lembrar que as religiões se expressam através de comportamentos, doutrinas e ritos próprios
Já a espiritualidade está relacionada à busca pessoal do Sagrado, dos valores sublimes e propósito de vida que emerge da identificação pessoal com o significado do que é sagrado para cada um, por exemplo, as noções de divindade, universo, planeta terra, humanidade natureza, amor etc. Ela representa a busca da compreensão da existência de uma consciência superior e sagrada, não se limitando a práticas ou crenças específicas, estando também relacionada a experiências de amor, de solidariedade, de profunda paz e de comunhão com todas as coisas existentes. Carl Jung, que se preocupou e estudou o fenômeno da espiritualidade, acreditava na existência de um instinto espiritual nos seres humanos, como uma busca de algo ou alguém que transcenda as limitações humanas, denominado por ele pela expressão Numinoso.
De minha parte, reconheço e vivencio o fato de que a Espiritualidade – que passarei a tratar com maiúscula – se trata de algo reconhecido como fator que sem dúvida contribui para a saúde das pessoas, ou de muitas delas. O conceito referente a isso está presente em várias culturas e sociedades e seus desdobramentos podem influenciar tanto pacientes como profissionais de saúde, ao perceberem e interagirem dentro do binômio saúde – doença. Assim é que nas últimas décadas tem sido crescente o interesse em compreender os mecanismos da relação entre a religiosidade e a espiritualidade com a saúde, bem como seus impactos seja na redução de doenças ou na qualidade de vida.
Referência obrigatória quanto a isso é a médica norte-americana Christina Puchalski, professora do Departamento de Medicina e Ciências do Cuidado da Saúde da Escola de Medicina da Universidade George, em Washington D.C, nos Estados Unidos. Ela também é fundadora e diretora do Instituto George Washington para Espiritualidade e Saúde (GWish), um centro que promove programas de pesquisa educacional e clínica para médicos e profissionais de saúde visando o papel da espiritualidade e saúde na medicina. Seu objetivo é ajudar a complementar sistemas de cuidados para pacientes e seus familiares e assim promove, desde os anos 90, a inserção do componente espiritual no cuidado com o paciente. Esta ação fez dela uma personalidade reconhecida internacionalmente dentre os profissionais de saúde que enxergam a diferença proporcionada pelo atendimento espiritual. Através de sua influência, inúmeras faculdades de medicina nos EUA incluíram a disciplina da espiritualidade nos cursos de medicina.
As pesquisas conduzidas pela Dra. Puchalski buscam entender o papel da espiritualidade no cuidado de saúde, especialmente em relação ao término da vida; assuntos pertinentes a cuidados paliativos; o papel do apoio dos sacerdotes na saúde e no cuidado aos pacientes; e avaliação de programas de educação em espiritualidade e medicina. Ela levanta a hipótese que o compromisso religioso pode melhorar o estresse, por proporcionar mecanismo eficientes como o suporte social mais rico e valores pessoais estáveis.
Muitos neurocientistas também afirmam que não há dúvida quanto ao papel da religião e da espiritualidade na vida de muitas pessoas e o impacto positivo sobre a saúde, apoiando-se em pesquisas que relacionam a superação de problemas clínicos ou psiquiátricos através da espiritualidade e/ou religiosidade
Na prática clínica todos sabemos desde os tempos de Hipócrates que é muito importante e decisiva a atenção carinhosa dos profissionais de saúde, inclusive do médico. Atualmente os estudiosos dessa área são enfáticos em afirmar que um serviço de saúde de saúde deve envolver profissionais abertos e sensíveis a dimensão espiritual de seus pacientes, defendendo que um acolhimento amoroso faz toda diferença na evolução do quadro clinico e na forma como a pessoa enfrenta o tratamento.
Empiricamente se sabe que para o enfrentamento das doenças crônicas e limitantes as pessoas e suas famílias sempre se utilizaram de recursos religiosos ou espirituais como apoio no significado da vida e na busca de um novo caminho para a existência, com melhora dos aspectos psicológicos e das estratégias de superação e redução da auto- vitimização.
Da mesma forma, ensinam os cientistas do comportamento fundados na compreensão do humano que a capacidade de lidar com as adversidades ou enfrentamento das doenças está relacionada à fé na vida, em uma crença ou em si próprio. Assim, importa que os profissionais de saúde acolham e respeitem as crenças e convicções dos seus pacientes mesmo que não sejam as mesmas que apresentem ou defendam.
Há também estudos que mostram que a vivência da espiritualidade melhora a proteção do sistema imunológico diante de agentes agressores. Por exemplo, pesquisas com os marcadores imune-inflamatórios evidenciam maior eficiência na defesa contra doenças e melhor recuperação. No campo da saúde mental a prática religiosa se mostrou associada à redução do abuso de substância químicas, suicídio, ansiedade, depressão e melhora da qualidade de vida.
Pessoalmente, acredito e defendo que a abertura da comunicação dos profissionais para os temas existenciais ou espirituais facilita a confiança dos pacientes no médico e na equipe de saúde, além de gerar uma intimidade terapêutica que favorece a cura. Sigo, assim, os ensinamentos da citada Dra Pulchaski, no sentido de que todo profissional de saúde deve entender o exercício da profissão como um chamado ou uma missão.
E existem mais argumentos com fundamento científico sore tais questões. Os neurocientistas Newberg e Waldman, por exemplo, afirmam que envolvimento das pessoas em atividades religiosas e espirituais é positivo e que atividades como meditação e prece reduzem a ansiedade, a depressão, além de desenvolverem empatia, e as funções cognitivas e intelectuais. Além disso, defendem que a prática da meditação, por si só, reduz os efeitos deletérios da idade e favorece um melhor controle das emoções
Aspecto particularmente significativo é aquele proposto por Newberg e D’Aquilli, que vislumbram áreas cerebrais ligadas especificamente à sensibilidade espiritual e aos sentimentos do divino, propondo mesmo a existência de um ponto divino no cérebro, situado em local específico (lobos temporais e frontais) ligados a uma rede de conexões. Empiricamente, o lobo temporal, quando estimulado, é capaz de propiciar nas pessoas certas vivências transcendentes. Estes mesmos estudos apontam uma função transcendente da glândula pineal, na qual se abrigaria um supercondutor cristalino, constituído por cristais dotados da capacidade de transformar energia mecânica em energia eletromagnética ou piezoelétrica. É o que o teólogo brasileiro Leonardo Boff descreve como uma “rede de Deus” no cérebro, compreendendo regiões normalmente associadas a emoções profundas carregadas de significação e sentido transcendente.
É tudo muito novo, mas dá para perceber a abertura de um vastíssimo campo para estudos que devem juntar campos de uma neurociência espiritual ou noética (neuro – ou bio – teologia). O fato é que a religiosidade e a espiritualidade constituem fatores que abrem caminhos para a qualidade de vida, a prevenção de doenças e a superação do sofrimento humano. Por que não tentar um maior aprofundamento em tais campos?

