Medicina no Brasil: cada vez mais desigual!

Uma atualização do Censo Demografia Médica, já abordado aqui no blog em diversas ocasiões (ver link ao final), divulgado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que o Brasil quase duplicou o número de médicos nos últimos 14 anos, passando de 304 mil, em 2010, para cerca de 576 mil, em 2024. Ali se revela, ainda, que nenhum estado registrou diminuição da quantidade de médicos ou da densidade médica nesse período, mantendo-se, porém, as disparidades socioeconômicas e de infraestrutura de saúde nas diferentes regiões do país. Por exemplo, o DF, conta com 6,3 médicos a cada mil habitantes; RJ, com 4,3; SP (3,7); ES (3,6); MG (3,5) e RS (3,4), todos acima da média nacional que é de 3,07 profissionais a cada mil habitantes. Por outro lado, estados como AM, com média de 1,6 médico a cada mil habitantes; AP, com 1,5; PA, com 1,4; e MA, com 1,3, apresentam as menores cifras, embora tenham mostrado incremento superior a 67% nos últimos 14 anos. O próprio presidente do CFM, José Hiran Gallo, em um raro intervalo em sua militância bolsonática, defende a necessidade de políticas públicas focadas na redistribuição de médicos pelo território nacional, com o objetivo de minimizar as desigualdades regionais no acesso à saúde, destacando ainda a necessidade de programas de formação de profissionais voltados para as necessidades específicas de cada região. Disse ele: “Apesar desse quadro mostrar o aumento significativo da presença dos profissionais no país, o CFM entende que se mantém o cenário de desigualdade na distribuição por conta da fragilidade de políticas públicas que estimulem a migração e fixação em áreas distantes ou de difícil provimento”. Os dados do mesmo levantamento realizado em 2023 mostram o seguinte cenário.

  1. O número de médicos mais do que dobrou no Brasil em pouco mais de 20 anos e mesmo com uma eventual e hipotética suspensão da abertura de novos cursos de medicina, prevê-se um milhão de médicos em 2035.
  2. A densidade de médicos por 1.000 habitantes aumentou no país (2,60 em 2023) mas prevalecem a concentração geográfica e a força de atração dos grandes centros, nas capitais até 6,13/1000 hab, no interior 1,84.
  3. Nas cidades com menos de 50.000 habitantes, onde vive mais de 30% da população, estão presentes apenas 8% dos médicos, o que significa que a chamada “interiorização” de médicos está longe de ser realidade.
  4. Forte disparidade na distribuição de médicos entre a rede do SUS e o setor privado e suplementar, com vantagem para este último, onde se atende menos de 30% da população.
  5. Na oferta de consultas médicas verifica-se também desequilíbrio entre regiões geográficas e entre os setores público e privado. Quem dispõe de plano de saúde utiliza mais (3,3 consultas por pessoa/ano) do que aqueles que só têm acesso ao SUS (2,3 consultas per capita/ano).
  6. A média de consultas realizadas por médico no Brasil anualmente ( 1.261) é bem menor do que em países da OCDE ( 2.122).
  7. As mulheres formam maioria entre os novos registros de médicos e, conforme projeção da DMB, a partir de 2024, estarão em maior número na população total de médicos, mas a renda declarada das mulheres equivale a 64% do rendimento dos homens.
  8. A média de idade na profissão tende a cair, estimando-se que 85% ou mais dos profissionais terão menos de 45 anos em 2035.
  9. A graduação em medicina começa a registrar, ainda que com lentidão e atraso, maior diversidade social, tornando-se mais inclusiva para estudantes do ensino público, pretos e pardos, mudança que decorre principalmente das ações afirmativas de ingresso nas escolas médicas públicas.
  10. O motor da expansão da oferta de médicos no Brasil foi a abertura de cursos de medicina privados, em favor de grupos empresariais da educação, provocando disputas de mercado, judicialização e conflitos regulatórios, movimento que não foi acompanhado pelo aperfeiçoamento de processos avaliativos da qualidade do ensino médico.
  11. A Residência Médica (RM) envolve aproximadamente apenas 8% dos médicos do país. com estagnação da capacidade das instituições e programas de RM em admitir mais médicos residentes, também com fortes disparidades regionais. Apenas 12% dos residentes tem perspectiva de trabalhar majoritariamente no SUS depois de formados.  
  12. É preocupante o fato de que a força de trabalho cirúrgica no Brasil tem distribuição desigual, acarretando potencial indisponibilidade de cirurgias em tempo adequado, impactando ainda as filas de procedimentos eletivos no SUS.
  13. O rendimento de médicos, a partir de dados do IRPF, mostra renda média declarada maior do que a de outros 200 profissionais da saúde e de nível superior, e três vezes acima da média dos brasileiros com vencimentos tributáveis.
  14. Tendo como pano de fundo a pandemia de Covid, a infecção pelo coronavírus e a redução da renda afetaram boa parte dos profissionais, mas ao mesmo tempo o telessaúde revelou potencial de uso em múltiplas situações.
  15. Em síntese, o Brasil precisa de médicos para cuidar de toda a população, o que dependerá, em grande medida, da sustentabilidade e ampliação do SUS constitucional. Se perdurarem, o subfinanciamento público, o aumento dos gastos privados e a segmentação do sistema de saúde, irão determinar a atuação de grande parcela dos médicos.

 ***

Veja também os dados de 2023 do Censo Demográfico de Médicos: Médicos no Brasil: quantos, onde, como e para qual finalidade? – A SAÚDE NO DISTRITO FEDERAL TEM JEITO! (saudenodf.com.br)

Deixe um comentário