O DF faz parte de uma nova Região Metropolitana do país, englobando 11 municípios do seu Entorno. As Regiões Metropolitanas (RM) são recortes instituídos por lei, por determinação da Constituição Federal de 1988, tendo como objetivo integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Tal discussão é antiga e já deu origem a variados instrumentos legais e normativos, o mais duradouro deles intitulado de RIDE-DF (Região de Desenvolvimento Integrado do DF), criado na tentativa de estabelecer alguma ordem e racionalidade em um território que era visto pejorativamente como nem-nem (nem Goiás, nem Brasília). As seguintes cidades compõem a atual Região Metropolitana do Entorno do DF: Águas Lindas; Cidade Ocidental; Cocalzinho; Cristalina; Formosa; Luziânia; Novo Gama; Padre Bernardo; Planaltina de Goiás; Santo Antônio do Descoberto, além de Valparaíso. Sobre este assunto cabe uma expressão que já utilizei aqui: Entorno ou transtorno? O trocadilho pode parecer infame, mas certamente tem como mote principal a ultrapassagem das fronteiras federativas para a busca de atendimento à saúde em Brasília. Isso certamente vem acontecendo historicamente desde que o “quadradinho” se emancipou de sua Terra Mater, já se vão mais de 60 anos. Parece que as autoridades locais não se lembram – ou se esquecem de propósito – que quem vem dos territórios vizinhos para trabalhar aqui vem também para fazer compras, utilizar serviços pagos e realizar outras atividades que contribuem para a economia do DF. Além do mais, a Constituição assegura o direito de ir e vir (até agora, pelo menos). A solução para isso não está em colocar barreiras e catracas, criando assim um apartheid interfederativo peculiar, como volta e meia alguma de suas excelências, os governadores, intentam.
Este é um tema que se reitera na mídia e no discurso dos políticos. Para início de conversa é bom lembrar que o IBGE (ver link ao final) aponta que mais da metade dos municípios brasileiros não oferecem serviços de atenção básica em saúde, de forma completa e resolutiva, e com isso precisam encaminhar os usuários para outras cidades para a realização de exames, mesmo os mais simples. Se há necessidade de internação hospitalar, chegam a 60,7% os locais que precisam encaminhar pacientes para outros municípios. O atendimento das emergências, assim mesmo em complexidade mínima, está presente em mais de 90% dos municípios. Algumas variáveis reveladas pelo IBGE: apenas 14,7% dos municípios dispunham de serviços de nefrologia públicos ou conveniados ao SUS; 9,7% possuíam leitos ou berços de UTI neonatal; 34,6% possuíam leitos/berços para cuidados intermediários. Isso se aplica também, sem grande diferença, ao entorno do DF, o que certamente implica em relação de sobrecarga ao DF.
No caso de Brasília e de seu Entorno, o que poderia ser feito? Seguem alguns princípios orientadores.
- O caso específico do Entorno do DF mostra relações complexas entre entes federativos, bem como entre governos e população, com problemas muitas vezes agravados pelas barreiras políticas e geográficas, derivadas da tendência competitiva e até predatória vigente na federação brasileira. Em tal contexto, problemas de natureza sanitária, econômica, demográfica, cultural e política não têm como serem resolvidos de maneira singela ou apenas dentro dos moldes formais, nos limites de municípios ou estados, isoladamente.
- A solução está na busca de uma governança integrada, o que requer a ampliação do escopo da gestão dos vários participantes da equação assistencial, em termos de meios e de fins. Não há lugar para alguma soberania e mesmo a noção de autonomia deve ser qualificada e até relativizada.
- Assim, surge a necessidade da criação de novos arranjos institucionais, fugindo daquele cada um cuida de si tradicional. Bom exemplo disso, embora na área de segurança pública, é a Força Nacional de Segurança, algo praticamente impensável até alguns anos atrás, por ameaçar, supostamente, a marcante autonomia dos entes federados, mas que uma vez instalada veio ao encontro das demandas e das necessidades da sociedade. Haja vista os recentes episódios de vandalismo bolsonarista no DF
- De forma consequente com esses novos arranjos institucionais, o princípio básico de ação governamental deveria se apoiar em valores de solidariedade e cooperação, com definição de novos papéis e novos modus operandi das máquinas administrativas, com foco na responsabilização das três esferas gestoras. Das TRÊS esferas, insisto. Isso implicaria em aumentar recursos e poder decisório, não necessariamente de cada um dos entes federados, mas do conjunto deles, com a criação de instrumentos eficientes de gestão integrada, sem abrir mão da responsabilização individualizada de cada ente envolvido.
- Organismos colegiados de gestão interfederativa, como já previsto nas normas do SUS, são necessários, seja entre municípios, mas principalmente entre Estado e estes. Mas atenção: não se deve prescindir de papéis a serem exercidos pelo Gestor Federal, que não seja apenas o de árbitro, mas de agente atuante de uma expressiva ação trilateral, sem que isso se transforme em usurpação do poder pelo governo central.
- Tal ação interfederativa deve se estender ao conjunto de serviços públicos comuns aos estados e municípios que compõem a região, o que ultrapassa a possível pauta de atuação de governos locais, de forma a incluir itens tão diversos como: infraestrutura urbana; capacitação profissional específica em saúde; política de saneamento básico e limpeza pública, em função dos indicadores epidemiológicos; proteção ao meio ambiente e controle da poluição ambiental; educação e cultura, nos aspectos relacionados à saúde, além de segurança pública.
- Isso implica em que as próprias atribuições específicas em saúde de cada ente federativo sejam ampliadas, de forma a incluir a coordenação das ações e programas de saúde; o desenvolvimento dos sistemas locais e microrregionais de saúde; o fomento à integração dos serviços públicos de saúde comuns; a utilização cooperativa dos instrumentos de planejamento local e regional, entre outras possibilidades, tendo como foco o a redução das desigualdades sanitárias.
Em suma, o pressuposto maior de tais ações deve ser o de que o Entorno não é simplesmente um transtorno para o DF, pois a população que nele habita, além de ser portadora de direitos de cidadania tanto quanto aquela que habita a Capital Federal tem também um importante papel na movimentação da economia do DF, já que é no comércio local que costuma fazer suas despesas de custeio familiar e outras. Além disso, estas pessoas não podem pagar os custos da incúria de governantes que permitiram e estimularam a atração fantasiosa de centenas de milhares de migrantes, movidos de outras regiões do País por promessas vãs, com o consequente descalabro da exploração imobiliária nas áreas onde foram forçados a se alojar.
Uma coisa é certa. Atitudes de levantar paliçadas, instalar catracas ou fechar as fronteiras, como volta e meia os vários governos do DF ameaçam, fazem parte de uma lógica política medieval e totalmente ultrapassada em termos políticos e humanos, como aquela das “cidades-estado”, não se coadunam com as diretrizes do SUS e nem com a necessária colaboração e solidariedade entre os entes federativos, muito menos em situações sanitárias limite, como agora. Quanto ao papel do gestor federal, considerando os anos recentes de descontrole e não-governança durante a pandemia, por parte dos fardados e assemelhados que ocuparam a Babel que se instalou no Bloco G da Esplanada dos Ministérios, fica claro tudo isso precisa mudar radicalmente.
Quem sabe, no futuro, poder-se-ia dar um jeito nisso. Até lá, o Entorno continuará sendo um incômodo transtorno para o DF e seus cidadãos tratados como gente de segunda classe.
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Publicações deste blog sobre o tema Entorno:
- https://saudenodfblog.wordpress.com/2018/03/27/entorno-ou-transtorno/
- https://saudenodf.com.br/2019/10/04/ainda-e-ate-quando-as-questoes-do-entorno-do-df/
- O Entorno, mais uma vez (que certamente não será a última)… – A SAÚDE NO DISTRITO FEDERAL TEM JEITO!
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Para saber mais sobre a Área Metropolitana de Brasília:

