Apresento aqui dados do Boletim IEPS-Data, uma iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) com sede em São Paulo. São análises sobre a evolução dos indicadores de saúde, que podem ser acessadas integralmente em: www.iepsdata.org.br. No presente Boletim é analisada a evolução dos principais indicadores de mortalidade e morbidade nos municípios e estados brasileiros: mortalidade ajustada por Causas Evitáveis e Hospitalizações por Condições Sensíveis à Atenção Primária (CSAP). O indicador de Mortalidade Ajustada por Causas Evitáveis é dado pela taxa de óbitos por causas evitáveis por 100.000 habitantes, considerando o local de residência, ajustada pela estrutura etária do local. As causas evitáveis representam mortes que poderiam ser evitadas por ações de serviços de saúde. O ajuste etário limpa a taxa bruta da influência da composição etária do local, permitindo que sejam feitas comparações entre unidades geográficas e intertemporais. Já o indicador de Hospitalizações por CSAP representa a taxa de hospitalizações por condições classificadas pelo Ministério da Saúde como sensíveis à atenção primária. Para cada indicador, é mostrada a distribuição geográfica para o último ano com dados disponíveis (2021) por meio de mapas e para municípios a evolução entre o primeiro e o último ano com dados disponíveis de grupos de municípios de uma mesma região geográfica com valores próximos por meio de um gráfico de dispersão agrupado. A presente análise permitiu identificar potenciais focos de atenção em relação à mortalidade e hospitalizações. Apesar de tendências gerais de melhora nos dois indicadores analisados no período estudado, foi possível ver que ainda existe variação significativa nestes indicadores pelo país. Adicionalmente, foi possível ver que as melhorias na mortalidade por causas evitáveis se tornam mais discretas quando em perspectiva com o impacto da pandemia de COVID-19 sobre a mortalidade total no país. Além disso, parte significativa da diminuição nas hospitalizações por CSAP foi provavelmente ocasionada pela queda geral na produção de serviços de atenção à saúde durante a pandemia. Essas informações estão disponíveis para gestores, jornalistas, acadêmicos e a população geral, de modo a facilitar medidas para melhorar o resultado nos indicadores e consequentemente a saúde da população local. Para o nosso site, que tem como foco a saúde local no DF, o interesse é especial, pois através de tais dados se pode comparar a situação local com a de outras capitais, ao contrário do que é normalmente oferecido, a comparação por estados, que é pouco adequada à nossa situação de ser uma Cidade muito mais do que um verdadeiro Estado. Na próxima semana desenvolverei o tema, comparando a situação de Brasília com a de outras capitais brasileiras.
Continue Lendo “De que se morre e se adoece no Brasil?”Da segurança pública em Brasília e no Brasil
Como todo mundo já deve ter lido e ouvido por aí, saiu a edição de 2023 do Anuário da Segurança Pública no Brasil, com dados abundantes e confiáveis sobre variados aspectos relativos a esta política pública (ou ao fracasso da mesma…) no país. Vamos a uma análise sobre tal questão, destacando os dados do Distrito Federal, em termos comparativos com outras unidades federativas. O ideal seria comparar apenas com as capitais, mas isso só é possível em relação a alguns indicadores. O problema da comparação com os estados é que os dados destes refletem realidade bem mais complexa, que reúne não só capital e interior, mas também cidades de porte radicalmente diferente, bem como realidades socioeconômicas e culturais diversas. Isso pode ter como desdobramento uma diluição de algumas das cifras, muitas vezes em desfavor do DF nas comparações.
Continue Lendo “Da segurança pública em Brasília e no Brasil”Carretas na Saúde: um museu de grandes novidades
Quem ligar o rádio por esses dias certamente ouvirá no noticiário que uma novidade foi lançada em Brasília: a Carreta da Hanseníase. Em princípio poderia ser até algo razoável e fico imaginando se um dia poderíamos usufruir também de carretas como essa, dedicadas à hipertensão, ao diabetes, ao aleitamento materno, ao câncer de próstata e por aí vai. Aliás, em tempos não muito remotos já tivemos, aqui no DF, veículos de tal categoria dedicados às mulheres e às crianças. Quem se lembra? Pego também a imaginar a situação a que tal artefato se dedica: o cidadão ouve falar sobre a novidade no rádio e movido pela curiosidade natural do ser humano, depois de ir ao dicionário e verificar o significado da palavra que qualifica tal veículo, corre até o local onde o mesmo está estacionado para saber e ele seria mais alguém acometido por aquilo que um dia foi chamado de lepra. Sinceramente? Pensando bem, acho que não iria funcionar. Não só pelo estigma envolvido na questão, mas principalmente pelo fato de que este tipo de estratégia não encontra respaldo nas boas práticas de saúde pública. Quem sabe, no interior mais remoto da África e mesmo assim com abrangência maior do que o foco de uma única doença? Nunca em uma cidade como a nossa, que bem ou mal possui uma rede de serviços de saúde consolidada e difusa. Sim, meus amigos, porque há maneiras muito mais racionais, econômicas e eficazes de se fazer diagnóstico desta e de outras moléstias na população. Este Projeto Carreta me parece, realmente, apenas uma maneira canhestra de se tentar viabilizar um equipamento que já havia mostrado sua ineficácia quando aplicado à saúde das mulheres e outros grupos populacionais. Piada pronta: assim como o transporte de cargas nas ferrovias é muito mais funcional do que aquele realizado nas carretas rodoviárias, algo parecido ocorre também na saúde pública. Vamos a mais esclarecimentos.
Continue Lendo “Carretas na Saúde: um museu de grandes novidades”A invasão evangélica na Saúde Mental
Trago aqui matéria publicada na Revista Questão de Ciência (ver link ao final), que trata de assunto absolutamente pertinente ao momento brasileiro atual, quando um projeto de poder que mistura militarismo, autoritarismo e religião (não necessariamente nesta ordem) vem passando por tentativas de ser implementado no Brasil. Trata-se da questão do uso/abuso de drogas, objeto de respostas simplistas por aqui, como se isso fosse possível. Com efeito, o foco tem sido, nos últimos anos, na defesa da abstinência, com a criminalização e estigmatização dos usuários, o que está no cerne da atuação das chamadas “comunidades terapêuticas” (CTs) dedicadas ao atendimento de pessoas com uso problemático de drogas. Elas são em grande parte mantidas e administradas por organizações religiosas e têm sido alvo de diversas denúncias de violações dos direitos humanos de seus “internados”, ao mesmo tempo que os gastos públicos com sua utilização explodem. De olho nisso, Paula Napolião e Giulia Castro, pesquisadoras da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, realizaram um profundo estudo sobre tais instituições, destacando que elas são geralmente inseridas em denominações religiosas e que vêm conquistando espaço neste campo, graças, sobretudo, à sua aproximação com órgãos públicos e à sua inclusão privilegiada nas políticas de drogas nacionais e locais, com a consequente possibilidade de obter recursos do Estado, em um processo repleto de tensões e ambivalências, com ações mais superficiais do que estruturais, além do mais inclinadas a conservar o sentido de tais espaços de difusão de princípios morais e religiosos tradicionais, como se isso fosse necessário e suficiente para o processos de cura ou recuperação desses pacientes.
Continue Lendo “A invasão evangélica na Saúde Mental”Aperfeiçoar o SUS não significa negar o SUS
Acabo de ler um interessante artigo, no qual são discutidas questões relativas à eficiência e à sustentabilidade do gasto público com saúde no Brasil, com autores brasileiros com projeção internacional na área de Economia da Saúde (ver link). Eles demonstram que mesmo com as inegáveis conquistas das últimas décadas, o SUS ainda enfrenta problemas estruturais muito sérios. O senso comum e as estatísticas mostram que o Brasil gasta pouco com a saúde, mas a pergunta fundamental é: gasta bem ou gasta mal? Em termos comparativos, os gastos públicos com saúde no Brasil são menores que os de países com sistemas de saúde com caraterísticas semelhantes, embora em termos per capita cresçam a taxas maiores do que o PIB. A questão central é a da eficiência de tal gasto, nem sempre devidamente considerada, já que a ineficiência presente acarretaria, estima-se, prejuízo ao SUS de quase R$ 40 bilhões por ano, afetando principalmente os componentes de média e alta complexidade. Ganhos de eficiência podem ser de fato alcançados no sistema , por exemplo, com o aprimoramento de escala na estrutura e operação de hospitais; com a integração dos serviços em redes de atenção; conferindo densidade e melhor distribuição da força de trabalho; aprimorando os mecanismos e incentivos entre pagamentos e resultados em saúde, além da incorporação de inovações gerenciais, por exemplo, parcerias público-privadas. Tudo isso tendo fazendo da Atenção Primária à Saúde o vetor organizador do sistema. Nem tudo isso é objeto de consenso, claro, principalmente entre os defensores mais radicais do papel do Estado na gestão do sistema. Mas uma coisa é certa: a sobrevivência do SUS, em suas ideias matrizes, dependerá certamente de profundas melhorias na eficiência e na qualidade dos serviços que o mesmo oferece à população do país.
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