Informação, comunicação e educação ao público: questões face à presente pandemia

[O pesadello prossegue. No Brasil, até a data de ontem, 21 de maio, 446.309 mortes pela pandemia; no DF 8.442. Parece que esta “missão” está realmente longe de ser totalmente cumprida…]

Mas vamos ao assunto de hoje: na minha infância, nos remotos anos 50, entre os conteúdos trazidos pelas professoras do Grupo Escolar onde estudei, estavam – e não poderiam faltar – noções de saúde e higiene, em sintonia com o momento epidemiológico que o pais vivia. Assim, éramos orientados a lavar as mãos após sair da privada bem como antes das refeições; escovar os dentes no mínimo três vezes ao dia; andar calçados; não defecar no mato; lavar bem as frutas e verduras que comíamos (ou deveríamos comer); evitar banhos em córregos e lagoas; dormir com as janelas abertas e até mesmo não manter plantas perto de nossa cama (não me perguntem por quê). Isso tinha naturalmente correspondência com a situação epidemiológica daquele momento, com altos índices de verminoses e doenças infecciosas afetando a mortalidade geral. O que então imperava era uma noção tradicional e disciplinadora de higiene com foco corporal, mais do que ambiental, não propriamente de promoção da saúde. A própria indicação sobre frutas e verduras tinha foco na higienização de tais alimentos, não exatamente em seus benefícios para a saúde. Da mesma forma, o estímulo a exercícios, pelo que me lembro, não fazia parte das preocupações de então. Isso constituía toda a base que aquelas professorinhas haviam recebido em sua formação de “normalistas” e que com a melhor das intenções nos repassavam. Era a famosa “Educação para a Saúde”, que marcou época na saúde pública brasileira naqueles anos e que tinha na respeitadíssima Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (SESP), do Governo Federal, sua instância máxima, em termos de produção de conhecimentos e práticas. Só depois é que vieram as ideias de Paulo Freire substituir este modo de educar higienista e disciplinador sobre o corpo das pessoas…

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A Pandemia e seus desdobramentos no mundo do trabalho

Não conto os mortos de faca nem os mortos de polícia; conto os que morrem de febre e os que morrem de tísica. Conto os que morrem de bouba, de tifo, de verminose: conto os que morrem de crupe, de cancro e schistosomose. Mas todos esses defuntos, morrem de fato é de fome, quer a chamemos de febre ou de qualquer outro nome. Morrem de fome e miséria quatro homens por minuto, embora enriqueçam outros que deles não sabem muito.

Ferreira Gullar teria que reescrever seu famoso poema para dar conta da situação atual, na qual a Covid mata mais do que a soma de todas as doenças que nele são arroladas. Mata por toxemia, por encharcamento de pulmões, por provocar a falência de órgãos diversos, por falha ou exagero do sistema imunitário, por comprometimento de funções vitais e mais ainda por retirar das pessoas condições de sobrevivência, por deixar famílias órfãs, por extinguir empregos, por dificultar a educação em exercer seu papel salvador de vidas, por desencadear quadros depressivos, de adição a drogas, de violência doméstica e até de autoextermínio. Sem esquecer que tem favorecido o aparecimento e a proliferação de profetas fajutos, líderes falsificados e psicopatas enrustidos. Não bastasse isso tudo, no Brasil o impacto de tal doença já comprometeu até a longevidade da população, com a expectativa de vida do brasileiro reduzida, em média, em praticamente dois anos, regredindo a patamares do início da década passada (link ao final) – para alegria de Paulo Guedes & Associados. Por tudo isso, trago aqui hoje discussão relacionada ao mundo do trabalho e dos empregos, onde residem fortes aliados do agente biológico da devastação que ora estamos assistindo.

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Tremores e trevas em meio à pandemia

Acabo de tomar conhecimento do lançamento do livro No tremor do mundo – ensaios e entrevistas à luz da pandemia, da Editora Cobogó, no qual diversos autores brasileiros, de várias áreas de conhecimento, tratam da repercussão social deste acontecimento que está mudando nossas vidas, qual seja esta fatídica pandemia de Sars-Covid-19. A obra procura não só construir em tempo real memórias desta época tão estranha, como também partilhar imaginações para o futuro, tentando antever o que nos aguarda como humanidade. Ainda não li e creio que a questão da saúde está sendo tratada ali, já que alguns dos autores são de tal área, como o neurocientista Sidarta Ribeiro. Mas de toda forma, diante de uma iniciativa tão necessária, me senti tentado a refletir também sobre o assunto, dentro do foco sanitário, o que ora compartilho com vocês, leitores. Penso que sempre é bom jogar um pouco de luz sobre as trevas e tentar alcançar estabilidade diante de um mundo que se agita em tremores e no qual nada mais parece ser sólido, tal e qual assistimos no presente momento.

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Privatização da Atenção Básica: fala sério!

O Governo Federal acaba de cancelar um decreto emitido ainda na véspera, no qual se abriam porteiras para a iniciativa privada se banquetear no SUS. O Ministro da Cloroquina, ou melhor, da Saúde, certamente envolvido com o hasteamento da bandeira nacional ou com a redação de alguma ordem do dia para sua caserna, nem foi ouvido. E não faria muita diferença se o fosse. Em um país normal isso dificilmente aconteceria ou, se acontecesse, seria imediatamente seguido de uma nota de desculpas e até talvez alguma demissão. Mas desculpa é palavra que não está presente no tosco dicionário do Messias, nem de seus acólitos e demissão só se cogita para quem contraria ordens vindas de cima. Que ninguém acuse tal personagem de imprevisível; ao contrário, previsibilidade (para cometer equívocos) é coisa que não lhe falta. Mas agora falando sério: que tal discutir com maior profundidade a relação entre o SUS e a iniciativa privada? O não-governo deu um pontapé inicial, mas o grande problema deste é que nada que faz merece ser levado a sério. Ou seja, não daria nem para começar a discutir. Mas mesmo assim vou tentar abordar o assunto.

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É preciso criminalizar o negacionismo

Vivemos em tempos tão estranhos… Umberto Eco de certa forma já os anteviu, quando disse que a internet deu voz e notoriedade a uma multidão de imbecis, até então calados e recolhidos à sua platitude. Esta pandemia, porém, ampliou o conceito, liberando as manifestações de uma manada de insensatos insipientes e conferindo crédito às suas eventuais eructações. O atual Presidente da República e seu séquito não me deixam mentir. Ouvi há algum tempo, aliás, um dos generais que dá expediente no Palácio do Planalto, dizer que não via nenhum problema em se ensinar o criacionismo nas escolas, eis que isso era apenas uma das várias versões existentes sobre a origem do homem. Para a “teoria” da terra plana certamente seria a mesma coisa. Assim, na visão desse grupo, o fenômeno da “gripezinha”, o uso da cloroquina, o endosso a aglomerações, a origem “comunista” do vírus, a decisão de salvar primeiro a economia, a ocupação militar do Ministério da Saúde, além de outras “verdades” estabelecidas por saturação nas redes sociais e na propaganda oficial, seriam versões ou opiniões, porém validadas implicitamente pela ausência de provas contrárias. Entenda-se por “provas” aquilo que já estaria incorporado ao discurso oficial; fora disso, é puro mimimi. E assim, la nave va. Mas agora, mais do que nunca, é preciso ouvir o que gente realmente séria está pensando e falando, seja sobre a pandemia, a economia, a democracia, além de outros temas. E assim trago aqui uma economista que tem respeito internacional, Monica De Bolle. Ela é brasileira, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Johns Hopkins University, tudo isso in USA. Para os bolsonaristas, que consideram como “intelectual” e “filósofo” um astrólogo boquirroto e dinheirista refugiado nos EUA, Monica não passaria de mais uma comunista impatriótica. Mas deixa pra lá.

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