Atenção Primária à Saúde e Saúde da Família

As origens da atenção à saúde do grupo familiar remontam, como se sabe, aos primórdios da medicina. Durante muitos séculos, com efeito, na vigência do modo artesanal de prática médica, o locus preferencial da atenção era o consultório dos médicos que, não raro, se situava no âmbito da própria residência destes profissionais. Alternativamente, o cuidado era prestado nos domicílios dos pacientes, sob as vistas diretas das famílias e, não raramente, com sua participação direta no processo de cura. No Brasil, a implantação da política de saúde denominada de Saúde da Família a partir de meados dos anos 90 teve como substrato conceitual a noção de Atenção Primária à Saúde (APS), nos termos que é definida em documentos da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1978). É preciso definir, de início, os diversos elementos conceituais que distinguem o que se chama hoje de práticas em “Saúde da Família”, demonstrando, ao mesmo tempo sua vinculação conceitual com a APS.

ACESSE O TEXTO COMPLETO NO LINK A SEGUIR:

Continue Lendo “Atenção Primária à Saúde e Saúde da Família”

17ª. Conferência Nacional de Saúde: foi bonita a festa, pá!

Acaba de ser realizada aqui em Brasília a Conferência Nacional de Saúde. A décima sétima, algo que definitivamente não é pouca coisa, em um país em que a mortalidade das instituições (inclusive daquelas que são realmente úteis e significativas) costuma ser alta e precoce. Mas esta aí sobrevive à sanha destruidora nacional. E eu lá estive presente – em posição bastante honrosa, aliás, como membro da comissão de relatoria. É sobre ela que passo a falar agora. Em meu favor, posso ainda dizer que provavelmente eu talvez fosse, entre os presentes, um dos poucos que também esteve no evento correspondente de 1986, a Oitava Conferência, na condição de delegado. Nela, aliás, foram efetivamente lançadas as bases do SUS, para dizer pouco. Fica assim registrado, portanto, um ponto de valor para esta Conferência, como momento de encontro entre pessoas de uma geração jovem, ou, pelo menos, bem mais jovem que a minha. Em ambientes assim, fique claro, o arejamento e a circulação de ideias inovadoras tendem a ser a regra. Para início de conversa, quero justificar a palavra “festa” no título acima. Longe de desqualificar, quero dar ao evento um status que a meu ver é justo e honroso. O problema talvez esteja em querer dar a ela o estatuto de instância essencial na definição das políticas de saúde no Brasil. Alto lá, vamos devagar… Ela é sem dúvida uma delas, ao lado do Legislativo, do próprio Executivo, do Judiciário e de outros grupos e atores sociais que interagem diretamente com o processo de governar, todo o tempo e em em toda parte. Mas realmente fui bonita a festa, para ficar no mote buarqueano, que serviu de lema ao evento. ! Alguns milhares de pessoas se acotovelavam nos grandes e luxuosos espaços de um Centro de Convenções privado. Nada de ginásio de esportes, como aconteceu na Oitava. E havia de tudo ali: cadeirantes e outros portadores de necessidades especiais; indígenas (de variadas características étnicas, por sinal, alguns até bem brancos, ou negros); mães, pais e filha(o)s de santo, orgulhosos de sua matriz africana;  ciganos e outros representantes de minorias; profissionais de saúde da vertente oficial-formal, bem como das diversas práticas complementares; gente de terno e gravata ao lado de outros portadores de cocares e vestimentas coloridas; representantes de movimentos identitários, com seus xales e vestes com as cores do arco íris, além de muitos outros, de cuja real extração profissional, étnica, espiritual, afetiva ou regional só se poderia revelar quando eventualmente se apresentassem em plenárias ou grupos de trabalho. Mas para falar a verdade, em alguns momentos me passou um fio de decepção na espinha: quando toda aquela gente prenhe de generosas ideias se via obrigada a penosas sessões de cômputo de votos contra, a favor ou de abstenção, em relação às centenas de propostas colocadas em discussão. Achei aquilo parecido com o que se vê nas olimpíadas, quando artistas da dança e da ginástica veem suas performances serem submetidas a notas, a meros números!, emanados por uma comissão de juízes, a maioria dos quais seria totalmente incapaz de realizar qualquer das tarefas que aqueles que estão sob julgamento são perfeitamente capazes. E a minha preocupação é simples: ao quantificar performances ou adesões a ideias, ainda mais em ambientes de competição e disputa por primazia, o nobre e verdadeiro espírito, seja da arte (ou da participação social), se dilui e talvez até fique perdido.  Mas, enfim, toda aquela festa terá valido a pena? Penso que sim, mas como o que já está bem posto pode sempre passar por melhoras, vamos a algumas ideias. Mas atenção, gente boa e participativa: “controle social”, “poder deliberativo” e “paridade” são expressões que precisam ser melhor entendidas. Controle social e Deliberação são produzidos por uma cadeia de atores, que inclui não só Conselhos e Conferências de Saúde, mas também Legislativo, Judiciário e Executivo, além de entidades da sociedade civil com capacidade própria de representação. Já a Paridade, no caso das Conferências, é algo que simplesmente vai CONTRA a Democracia. Enfim, o processo pedagógico, simbólico, comunicativo das centenas de conferências realizadas pelo país a fora vale mais, muito mais, do que este exaustivo cômputo numérico, que acirra a polarização entre os participantes e pouco acrescenta em termos de valor ao processo participativo.  Em outras palavras, trata-se de uma questão de buscar consensos mais do que peso numérico às propostas surgidas nas Conferências Estaduais. E apostar no vasto espectro de tais propostas recolhidas pelo país a fora, não em sua súmula matemática. Vamos fazer que esta festa cívica seja comemorada como tal – o que já seria algo muito valioso – mas que além disso produza consequências não ilusórias para a política de saúde do Brasil, sem aquelas pretensões de “controle” ou de “poder deliberativo”.

Continue Lendo “17ª. Conferência Nacional de Saúde: foi bonita a festa, pá!”

Ainda o Entorno …

Tenho tratado da questão do Entorno aqui neste blog por vezes sucessivas. O Correio Braziliense desta semana (ver link) anuncia novas cenas do show de horrores que costuma pautar a vida dos moradores da região. O drama atual é de que os motoristas de ônibus da empresa que serve à população de Águas Lindas (nem águas, nem lindas…) de Goiás, fazem greve por estarem sem receber reajuste salarial há três anos, reclamando, também, das condições de trabalho. Não entrarei no mérito disso, mas é estranho que tal ação não seja respaldada por algum sindicato, conforme a norma histórica da representação do trabalho perante o capital. Sobre isso, como dizem os causídicos, me falece competência. Uma coisa é certa: ninguém mora neste lugar e é obrigado a vir diariamente ao DF pelas qualidades de seu clima ou por suas belezas naturais. Assim, já se sabe muito bem quem são os maiores prejudicados. A questão aqui é outra e aproveito a oportunidade para mais uma vez denunciar a maneira superficial, ou até mesmo irresponsável, com que as sucessivas administrações do DF – e outro lado da mesa, de Goiás – vêm tratando as questões do Entorno, seja na saúde, na mobilidade, na gestão urbana, na segurança pública e em outras áreas, fazendo corpo mole e um verdadeiro um jogo de empurra com ações eternamente desencontradas (ou falta delas). Em suma, não existe decisão política adequada e muito menos mecanismos adequados de gestão pública em tal área, cuja (de)formação deriva nitidamente da criação do DF, há seis décadas.  A solução, enfim, depende de uma governança integrada, o que requer a ampliação do escopo da gestão dos vários participantes da equação assistencial, em termos de meios e de fins. E que se destaque que de fato é grande a responsabilidade do DF em relação a isso, além daquela do correspondente governo goiano. Como resolver isso? Seguem alguns princípios que deveriam orientar as ações de governo relativas a tal área.

Continue Lendo “Ainda o Entorno …”

O SUS entre o triunfalismo e o negacionismo

Pobre SUS: alguns o ameaçam e o desacreditam como podem. Outros conferem a ele um caráter mítico, capaz de fazê-lo triunfar pelos seus méritos absolutos e inquestionáveis, como se o mesmo não tivesse problemas de sobra e como se os seus negacionistas não tivessem a força (e os argumentos) que realmente possuem e viessem a ser derrotados apenas pela luminosidade da verdade. Aquela verdade em que os tais triunfalistas acreditam, é bom lembrar. Exemplificando: li por estes dias (ver link) a entrevista de Tulio Franco, docente da UFF e emérito sanitarista ligado ao main-stream da esquerda sanitária nacional (não vai aí nenhum demérito). Disse ele a respeito das investidas do Centrão para a substituição da Ministra da Saúde Nisa Trindade: Não senti uma ameaça por dois motivos: tem um novo sujeito coletivo em cena, que é o movimento social da saúde, de base social e ampla que a do sanitarismo tradicional e que inclui movimentos sociais de origens diversas e até externos à Saúde. Pela sua multiplicidade e base nacional, e por ter sido formado no período recente de luta pela reconstrução do país, é muito forte. Está ativo e vigilante, o que é percebido pelos atores políticos”. E prossegue: “Vencemos a eleição, participamos da transição, comemoramos a indicação da ministra Nísia e estamos em várias estruturas de participação social do governo. Isso também legitima o movimento e o ministério da forma como está constituído, sob forte compromisso com a construção do SUS e da democracia. Tudo isso forma uma base social forte e sólida, que protege a Saúde contra os arroubos fisiológicos”. Mas não é só ele. Sônia Fleury e Luiz Antônio Neves, dois sanitaristas do Rio de Janeiro, ligados à mesma corrente pró-SUS a que eu chamaria de triunfalista, em alto e bom som sobre o mesmo assunto afirmaram: “a sociedade já está mobilizada em apoio ao SUS e à gestão da Nísia Trindade no ministério da Saúde, e em defesa da democracia que vai muito além do sistema eleitoral e partidário, pois se concretiza no modo de vida cotidiano […] falta ainda [ao novo governo] o entendimento de que a saída do círculo de giz, no qual as forças reacionárias e conservadoras pretendem imobilizá-lo, encontra-se justamente na mobilização da sociedade que lhe assegura governabilidade”. Melhor do que isso só se fosse, se não a verdade pura, pelo menos ideias marcadas pelas evidências. Mas não o são… E digo os por-quês a seguir.

Continue Lendo “O SUS entre o triunfalismo e o negacionismo”

A Saúde Mental e a noção de Valor

[Texto em coautoria com Henriqueta Camarotti – Médica psiquiatra e Gestalt-terapeuta em Brasília.] O sistema de saúde é remunerado (e, portanto, movido) em quase toda parte do mundo, por raciocínios relativos a “volumes” (ou quantidades) e não a resultados e valores. Mas atualmente existe um conceito novo sobre isso, a saúde baseada em valor, ou seja, um modo de prestação de cuidados de saúde em que os prestadores são pagos com base nos resultados de saúde do paciente, em termos de reduzir os efeitos e a incidência de doenças crônicas e assim permiti-los viver vidas mais saudáveis. Sem esquecer que também está em jogo gastar menos dinheiro, com maior eficiência.  Isso acarretaria em benefícios não só para os sistemas de saúde em sua totalidade, mas também para prestadores, financiadores e para a sociedade como um todo. Até aí tudo bem, mas é preciso pensar também a partir do ponto de vista dos pacientes, que afinal de contas deveriam representar o foco primordial da existência de tais sistemas. Do ponto de vista destes, é preciso ir além de apenas se gastar menos e incrementar a eficiência, para se conseguir, de fato, um melhor atendimento. Assim, em modelos de cuidados baseados em valor, o que deveria ser almejado, mais do que simplesmente baixar custos, oferecer suporte aos pacientes para a se recuperarem de doenças e lesões mais rapidamente e evitarem doenças crônicas, dando como resultado menos consultas, exames e procedimentos médicos, com menor gasto com medicamentos. Além disso, garantir satisfação com o atendimento, promover a humanização e a ética dos cuidados, com vistas na qualidade de vida, na prevenção de recaídas ou novas enfermidades. Vamos refletir um pouco sobre tal conceito, em relação a sua aplicação à saúde mental.

Continue Lendo “A Saúde Mental e a noção de Valor”