Saúde na China

É impossível não ter interesse sobre as coisas que acontecem na China. O foco de nossa curiosidade mais frequentemente se volta para aqueles trens-bala que atravessam o país de ponta a ponta, ligando cidades grandes, médias e pequenas; os prédios que fazem inveja até mesmo àqueles dos Emirados; as estradas abertas em pleno deserto; as enormes construções realizadas em pouco dias; os carros elétricos hoje onipresentes lá (e cá); as cidades enormes e totalmente informatizadas; as tecnologias digitais brotando e se impondo em toda parte etc. E bota etc nisso! Com efeito, pessoas da minha geração se acostumaram a ver este país através de antigas imagens, com as ruas vazias de automóveis e a multidão de pessoas vestidas de maneira uniformizada, para não falar dos tanques na Praça da Paz Celestial reprimindo as pessoas, mas ao mesmo tempo sendo detidos por um único cidadão valente. Mas pelo que vemos hoje, existe uma outra China, real e totalmente diferente. E é sobre esta aí que me pergunto: como são as coisas da saúde por lá? Tal indagação teria, a meu ver, especial cabimento aqui no Brasil, onde a militância triunfalista do SUS apregoa que temos “o maior sistema público de saúde do mundo” – e não deixa por menos! Mas será que isso seria verdade, principalmente se considerarmos o fato de que a nossa população é de apenas a sétima parte da deles, em um país onde a presença estatal é forte em tudo – e não seria também no campo da saúde? Assim, fiz algumas pesquisas para tentar responder a tal questão, que na verdade se desdobra em muitas outras. 

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A saúde e o “pobre de direita”

O conservadorismo no Brasil, apesar de um pequeno recuo em 2025, puxado por mulheres, idosos e gente baixa renda, continua mostrando forte presença.  É o que revela um levantamento da Ipsos-Ipec divulgado na última segunda-feira, 28 de julho, mostrando índices mais baixos de uma série histórica construída desde 2021. Foram ouvidos dois mil entrevistados em 131 municípios entre os dias 3 e 8 de julho, com margem de erro é de dois pontos percentuais. Contudo, apesar de tal decréscimo, metade da população ainda tem perfil considerado de alto conservadorismo, com apenas 8% das pessoas mostrando um perfil mais, digamos, progressista. As pautas são as tradicionais: defesa de prisão perpétua e outros tipos de apoio a pautas de segurança; rejeição do casamento homoafetivo; redução da maioridade penal; apoio à pena de morte; leniência em relação a à posse de armas de fogo. A legalização do aborto, por exemplo, segue com ampla rejeição: 75% dos brasileiros se dizem contra, enquanto apenas 16% apoiam a medida. Alguns segmentos sociais específicos se mostraram mais expressivos em tal redução do índice geral de conservadorismo, embora de forma discreta, foram eles: as mulheres, em geral; as pessoas com mais de 60 anos, curiosamente; as pessoas com ensino fundamental e com renda familiar até 01 salário mínimo; os moradores das regiões N e CO. Por outro lado, certos grupos ficaram ainda mais conservadores, como foi o caso de homens; moradores de capitais; renda acima de 05 salários mínimos; pessoas com curso superior. A pesquisa não entra em detalhes sobre a questão de como essas pessoas percebem e reagem frente aos problemas de saúde, de si mesmas ou da população, mas analisando a questão à luz da proverbial constatação do surgimento no Brasil da estranha figura do pobre de direita, seria possível estimar algumas possíveis consequências deste renitente conservadorismo do modo de ser brasileiro.

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Da violência policial no DF e alhures

Para começar, se me permitem, conto duas histórias inteiramente pessoais. No início dos anos 2.000 eu estava em Salvador com meu filho, Mauricio, que acabara de se formar em Arquitetura na UFMG e tinha interesse em conhecer e documentar as obras de grandes arquitetos brasileiros. Na época, ele não morava em Brasília como hoje, mas vinha aqui com frequência para me visitar e tinha um portfólio repleto de fotos com as obras de Niemeyer e do projeto de Lucio Costa. Em Salvador era sua primeira visita e logo que dispusemos de um tempinho fomos conhecer o Centro Administrativo da cidade, onde predominavam as obras do arquiteto Lelé (João Filgueiras Lima) e ali Maurício pôs-se a fotografar, com certa volúpia, alguns dos prédios do conjunto. Em certo momento, ele se distanciara de mim, mas pude observar, mesmo de longe, que estava em animada interação com um grupo de policiais militares. Aliás, logo percebi que “animação” não era exatamente palavra condizente com a cena. Quando me aproximei vi que os policiais haviam apreendido sua câmera e ameaçaram mesmo levá-lo preso se ele insistisse em argumentar para reaver seu equipamento. Tentei usar minhas prerrogativas de pai e pessoa mais velha, mas foi em vão. Eles o acusavam de estar fotografando o Palácio de Governo, o que, segundo eles, era proibido. Meus argumentos e os dele eram de que não havia ali nenhum indicativo que proibisse tal atitude, mas foram em vão. Conversa vai, conversa vem, pude perceber que havia espaço para uma “negociação”, embora isso não fosse colocado de modo explícito. Não cedemos, mas eu solicitei que me colocassem em contato com o oficial do dia ou alguém assim, pois os três ou quatro que nos cercavam eram simples soldados, sem maior graduação. Com muito custo, através do meu celular, me colocaram em contato com um tenente, que começou resistindo, mas depois de me ouvir por alguns minutos acabou pedindo que eu passasse o telefone para um dos agentes presentes. Ato contínuo a câmera nos foi devolvida, mas o filme (era no tempo das câmeras com filme) retido. Eu agradeci, começamos a nos retirar e resolvi acrescentar um comentário, que depois percebi ser meio sem sentido, porém tentando mostrar agradecimento: que era uma satisfação perceber que a felizmente a polícia era também movida pelos direitos humanos, ao que um dos meganhas respondeu de pronto: esse troço de direitos humanos tá é acabando com a polícia. Pano rápido. Vamos à outra história…

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A (de)formação médica no Brasil cobra seu preço

Leio no site da UOL matéria que trata de tema ao qual é dado, penso eu, pouca importância atualmente na mídia: a formação médica. Intitula-se A formação médica vira entrave ao cuidado mais próximo da população e é de autoria da jornalista Bárbara Paludeti, da UOL em Brasília (ver link abaixo). Entre outras constatações, aponta que a proverbial má qualidade da formação médica no Brasil tem servido de obstáculo não só à oferta adequada de serviços como à própria gestão do cuidado no SUS. Um dos problemas apontados pelos entrevistados na reportagem é o de que em vez de médicos preparados para resolver os problemas da população nas portas de entrada do sistema nos postos de saúde estão profissionais mal formados, que muitas vezes apenas repassam açodadamente a demanda para especialistas, com prejuízo geral. Diz um deles, Mauro Guimarães Junqueira, secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde): “o que estamos recebendo são despachantes, não médicos […] tem médico que encaminha um paciente para o endocrinologista só para prescrever insulina”. Coisas assim significam mais custos para o SUS, além de mais desgaste para os pacientes, sendo problemas estruturais que se agravam com a falta de vagas em programas de residência e a baixa atratividade financeira das bolsas. Bem lembra o meu amigo José Gomes Temporão, ex-Ministro da Saúde: “sem gente preparada para cuidar, não adianta reorganizar a rede. A descentralização precisa andar de mãos dadas com a formação e a valorização do trabalho em equipe”, para assim oferecer resposta adequada e inadiável às mudanças contemporâneas na saúde da população, como o envelhecimento e o aumento das doenças crônicas. Uma coisa é certa: o Brasil dispõe de tecnologia, conhecimento acumulado e experiências locais avançadas em tal campo. Entretanto, se a questão é avançar qualitativamente, é preciso começar encarar o problema pela base, ou seja, com uma formação médica que valorize a saúde coletiva, o cuidado próximo as pessoas e suas famílias, a base no território.

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SUS: um problema sem solução ou uma solução com problemas?

O SUS é fruto de elaborações dos Constituintes de 1988, corroborado por uma história mundial progressista em termos de saúde pública. Considerar a saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas de gestão estatal adequadas, como está escrito na Constituição Federal representa, simplesmente, um marco civilizatório. Mas quase 40 anos depois, é visível que e o quadro da saúde no país continua cheio de problemas, justificando indagarmos se haveria algo melhor que o SUS que o Brasil deixou de desenvolver? Ou, quem sabe, não teria perdido tempo em fazer cumprir algo de fato inviável? O SUS, afinal, seria mais uma solução ou um problema?

Defendo que o SUS, sem dúvida, é uma excelente solução. Os motivos de (ainda) não ter dado certo é que precisam ser esclarecidos. Observemos, por exemplo, a marcante melhoria dos indicadores de saúde que a criação do SUS possibilitou, com a expansão significativa da rede de serviços sob gestão pública de saúde em todo o território nacional.

E tem mais, muito mais…

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