Por que não uma saúde baseada em Valor(es)?

Em artigo recente neste blog, intitulado com alguma ironia de Conta de mentiroso (ver link abaixo) delineei alguns princípios que deveriam nortear as ações do novo governo a ser eleito em dois de outubro (mesmo que seja o mesmo…). Nele, apontei alguns princípios que deveriam nortear o modelo de gestão da SES-DF, com ênfase na noção de VALOR. Sobre isso, adianto alguns detalhes aqui. Como todo mundo sabe, no SUS e nas questões de saúde e em geral, tudo é tratado com base em números. O que importa são quantidades, seja de consultas, exames, horas trabalhadas, leitos ocupados, altas concedidas, recursos transferidos, pagamentos de serviços – seja lá o que for. Mas existem outras maneiras de se aferir o trabalho realizado pelos sistemas de saúde. Mas esta discussão deve se iniciar com uma premissa inarredável, a de que o que se almeja é recompensar, seja instituições ou pessoas, pelo favorecimento real que oferecem aos pacientes (que devem estar no centro da equação), no sentido de melhorar sua saúde, reduzir a incidência e os efeitos das doenças, viver vidas mais saudáveis, enfim. Sempre de forma baseada em evidências, não em “achismos” de qualquer natureza.

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Que não seja apenas mais uma conversa de mentiroso…

Pintar o sete, bicho de sete cabeças, guardado a sete chaves, enterrado a sete palmos, as sete notas musicais, o sétimo dia da criação, os sete pecados capitais, as sete maravilhas do mundo, as sete cores do arco-íris, os sete dias da semana, os sete sábios da Grécia antiga, Branca de Neve e os sete anões, as sete vidas do gato, as sete virtudes, os sete samurais, Sette Bello, sete de ouros, sete de setembro (que os deuses nos protejam nesta efeméride em 2022!). SETE, eita numerozinho afamado! Como está aberta a temporada eleitoral (apenas formalmente, porque na prática já começou há muito tempo…) desejo trazer aqui minha contribuição aos candidatos ao Executivo e Legislativo no DF, através de propostas relativas à saúde pública em nossa cidade, aqui também organizadas em sete categorias. Antes que me lembrem que SETE é também conta de mentiroso, auguro: que a verdade prevaleça nessas eleições; que os compromissos assumidos por nossos políticos sejam devidamente honrados – e que eles sejam cobrados seriamente quanto a isso.

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André Viana partiu…

Esta semana perdemos André Viana. Ele talvez seja um dos raros casos no Universo de um cirurgião que depois de anos de prática (e de ensino) em sua especialidade se baldeia para o campo da psicanálise – em si e para os demais. Eu o conheci nos anos 90, quando passei pelo Conselho Administrativo do Hospital da UnB, do qual ele era diretor. Logo me aproximei daquele sujeito comunicativo e bem-humorado, sempre vestido com indumentária peculiar: tênis colorido, calça formal, camisa social, jaleco e gravata. Mas o melhor dele ainda estava por conhecer, sua iniciativa de criar uma sessão semanal especial para os calouros de medicina, dentro mesmo do HUB, que ele denominava como “um lugar para se discutir coisas que não estão no currículo de medicina”. E ali se conversava sobre a melhor literatura, filmes, fatos do dia a dia e da política. Havia eventuais convidados, entre eles eu, muito honrosamente, aliás, recém-chegado ao Conselho. Nas segundas feiras, ao final da tarde, o auditório do Hospital, acostumado a outro tipo de debate, se lotava daqueles jovens de olhos brilhantes, numa pausa especial a anteceder sua entrega aos ritos burocráticos e monocromáticos do curso de medicina. Além de bem-humorado, André era culto e dotado de um olhar abrangente para a vida. Gostava de operar gente, sem dúvida, mas ao mesmo tempo possuía especial atração pela arte, pela literatura, por bons vinhos, para a boa conversa e as frases de efeito. Perdemos o contato após sua aposentadoria, em meados da primeira década do século, mas recentemente nos reencontramos nas ondas da blogosfera, ele com seu “Louco por cachorros”, eu com o meu “A saúde no DF tem jeito”. Em tais espaços, tanto ele como eu, frequentemente íamos muito além do que nossos respectivos rótulos indicavam. Grande André Viana! Saúdo aqui, com saudade e respeito, a este cara imprescindível, para dizer pouco. Que falta sempre nos farão essas pessoas que são capazes de olhar muito além de seu quadradinho profissional, embora neste espaço também tenham feito coisas admiráveis. André foi uma dessas benditas pessoas capazes de ver a vida além, bem além, da moldura do cotidiano.

O que garante a sustentabilidade da gestão em saúde?

O que faz uma obra humana perdurar no tempo? Para as pirâmides do Egito, o Taj Mahal ou os monumentos de Brasília a resposta é relativamente simples: pedra e cal (ou cimento) – além de muito suor humano claro. Mas para realizações, digamos, imateriais, como as iniciativas de governo, no caso, da saúde, a resposta é mais complexa e elaborada. Eu me preocupo com isso, pois em meus anos de prática de gestor público, seja em município, região ou no nível federal de governo, infelizmente vi muita coisa bem arranjada e consequente em um momento ser totalmente desfigurada ou mesmo extinta em outro. Lembro-me, por exemplo, quando coordenei a edição de uma publicação do Ministério da Saúde, no final da primeira década do século, de ter ido atrás de uma experiência exemplar e inédita de remuneração de médicos e equipes de saúde baseada em valor, ou seja, na mensuração do alcance real em termos de benefícios para a população da prática dos profissionais, diferenciando assim, para mais, as equipes com melhor desempenho. Pressurosamente liguei para o município em que a experiência fora desenvolvida algum tempo antes, para colher mais informações. Todavia, qual não foi a minha surpresa (e minha tristeza) ao constatar que havia mudado a administração municipal e nada mais daquilo restava de pé. Aliás, a pessoa que me atendeu, titular da área da saúde, relutou em tocar no assunto, mostrando-se constrangida ao ser indagada sobre o mesmo. No princípio da conversa chegou a me dizer que não acontecera nada daquilo ali, mas depois acabou me confirmando que a ideia fora abandonada pela administração do momento. Todo mundo sabe de casos assim. Tais histórias, infelizmente, se repetem em toda parte, neste brasilzão grande, atrasado e bobo…     

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Quimeras…

Primeiro caso: Dona Rosinha é uma senhora idosa que mora na Vila Alvorada, na periferia de uma cidade grande. Ela sempre teve muitas dificuldades em conseguir consultas com médicos, sendo que sofre de hipertensão, varizes e relativo sobrepeso. Recentemente, contudo, foi aberta em seu bairro uma Unidade Básica de Saúde da Família, com equipe completa e tudo que manda o figurino. Dona Rosinha já esteve na unidade diversas vezes, já tendo sido aberto seu prontuário e designada a equipe que lhe acompanhará. Indagada pela Agente Comunitária se estava apreciando o novo atendimento, disse que não muito, pois eles estavam ispiculando muito da vida dela e que além do mais as consultas eram muito demoradas, o que a deixava fatigada.  Segundo caso: Jorge é um jovem médico recém saído de uma residência em Clínica Médica. Ele trabalha em um Centro de Saúde de periferia e sente-se perfeitamente à vontade com suas atividades, pois está ali por escolha própria, foi admitido por concurso e gosta daquela rotina de atender pessoas diversas, com queixas também muito diversificadas, obrigando-o muitas vezes a estudar e se aprofundar com os problemas que lhe são trazidos. A Secretaria de Saúde acaba de fazer um inquérito sobre a qualidade dos serviços prestados em sua rede e Jorge ficou bastante decepcionado com sua avaliação, pois entre elogios superficiais, alguns pacientes se queixaram de que ele receita poucos remédios e reluta em encaminhar pacientes aos especialistas fora dali, mesmo quando os pacientes lhe explicitam tal desejo. Terceiro caso: Dr. Benevides é endocrinologista e divide seu tempo entre um consultório particular com boa clientela e o atendimento em unidade especializada pública. É conhecido por receitar remédios caros, pois acredita que o custo de um medicamento não é um problema de médicos, mas sim de governos e que além do mais sua obrigação é sempre oferecer o melhor a seus pacientes. Gosta do que faz, mas se mostra especialmente contrariado em relação aos médicos da rede básica, um Dr. Jorge em particular, que em interações ocasionais insiste em defender que os pacientes de diabetes devem ser tratados na Unidade de Saúde da Família e não encaminhados ao especialista, o que tem prejudicado a pesquisa de um novo medicamento hipoglicemiante que Benevides executa a pedido de um laboratório farmacêutico.   

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