Impulsividade e acidentes de trânsito

Nossos dois últimos posts trouxeram informações sobre a mortalidade no trânsito em Brasília, demonstrando que nossa cidade, embora possa melhorar – e muito – seu desempenho nesse aspecto, ainda guarda uma posição de destaque no cenário brasileiro. Isso pode nos confortar, mas não seria o bastante para dormirmos em paz. Temos também que buscar comparações com países que evoluírem neste quesito. Sim! Não precisamos chegar perto de Tóquio, mas Manaus e Belém, com todo respeito, não devem ser nossos parâmetros. Nos dois posts referidos, contudo, pouco se falou sobre as explicações do fenômeno no terreno da psique dos envolvidos, sejam vítimas ou ofensores. Este é um território movediço, sobre o qual muito preconceito anda solto, por exemplo, nas afirmativas de que os motociclistas são sempre imprudentes; de que os pobres dirigem mal; de que as mulheres não são hábeis no volante; de que há pessoas naturalmente propensas a acidentes, seja em casa, na rua ou no trabalho; de que os portadores de distúrbios mentais são usuais causadores de acidentes; na culpabilização das vítimas e assim por diante. Pensando nisso, resolvi trazer aqui algum esclarecimento a respeito. Não se trata de um trabalho novo, pois remonta ao ano de 2009, mas creio que ainda contribui para o debate. Ele intitula-se Impulsividade e acidentes de trânsito e realiza a meta análise de uma série de trabalhos científicos sobre tal assunto. Pretendo retomar a tal tema oportunamente, com a especial ajuda de Henriqueta Camarotti. O trabalho é referenciado em link ao final. Vejamos suas conclusões.

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Violência em Brasília: no Trânsito, como estamos?

Brasília, com suas vias largas, que convidam à velocidade, seu número abundante de veículos circulando, é vista pelo senso comum como uma cidade na qual os acidentes de trânsito não seriam apenas muito frequentes como revestidos de maior fatalidade. Alguns acham que nossos motoristas seriam mais imprudentes do que os demais no país. Seria isso verdade? É bom lembrar que, ao mesmo tempo, Brasília foi a cidade pioneira no Brasil no estabelecimento do respeito às faixas de pedestres, fato que ainda hoje nos traz bastante orgulho. Vejamos o que dizem as estatísticas, dentro de uma comparação com as demais capitais do Brasil. Os dados mostram que ainda precisamos melhorar – e muito – a política de trânsito em nossa cidade. Como se sabe, os acidentes de trânsito, particularmente em termos de sua mortalidade, constituem problema de enorme gravidade no Brasil, além de grande complexidade também, para o qual soluções simplistas não bastam, sendo preciso a convergência de esforços de toda a sociedade, dentro de uma abordagem em três vertentes: evolução tecnológica dos veículos, melhoria do ‘ecossistema’ do trânsito (legislação, fiscalização e infraestrutura), além do item mais importante: educação dos usuários das vias públicas.

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Brasília: cidade violenta?

Respondendo à pergunta do título, em rápidas palavras, Brasília não chega a ser uma cidade das mais violentas, pelo menos em comparação com outras capitais do Brasil. É claro que se a comparação for feita com cidades de outros países, isso muda de figura. Fiz um levantamento disso em 2019 e constatei que aqui estava presente uma tendência de redução de mortes criminosas violentas observada também em outras capitais brasileiras. Na violência policial (e contra policiais), Brasília tinha uma posição confortável, com baixo número de ocorrências, quando comparada a outras capitais. Na violência contra mulheres, Brasília ostentava, também, uma posição mais positiva. No trânsito, ao contrário do que apregoa o senso comum, Brasília apresentava posição moderada, embora com taxas muito superiores às de outros países. Como evoluíram as coisas depois disso? Com base nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, apresento aqui uma síntese mais atualizada da situação, a partir do Atlas da Violência publicado pelo Ipea em 2021, juntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, além de outras parcerias institucionais.

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De volta: Covid e a importância das ações na porta de entrada

Pois é, interrompemos nossas atividades desde a primeira quinzena de janeiro. Mas estamos de volta, com posts semanais, sempre aos sábados. Como perdi minha agenda de contatos, devido um furto de celular, fiquei completamente às escuras durante este período e só agora posso retomar minha vida na rede. E vamos lá: o assunto hoje é, mais uma vez, Covid; passados dois anos está difícil mudar… Hoje quero retomar a discussão sobre o papel do modelo assistencial em saúde e seu impacto na pandemia, assunto que, aliás, já tratei aqui em diversas ocasiões. Mas hoje trago aqui algo relevante, de autores que eu inclusive conheço pessoalmente (ver link ao final), que é uma matriz de análise que facilita, de fato, compreender e categorizar as contribuições da Atenção Primária à Saúde no controle da atual pandemia. Como já escrevi aqui antes, além de distanciamento, álcool gel, máscara, medidas educativas e restritivas, é preciso também contar com um modelo de atenção à saúde adequado, para se alcançar resultados consistentes no controle. Trata-se, assim, de uma matriz de repertórios possíveis para a APS em circunstâncias de crise como a atual, baseada na literatura internacional e particularmente na Iniciativa da OPAS-Brasil denominada APS Forte/2020, constituída por cinco linhas de atuação.

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Dialética do exagero, jogo político e saúde

Dialética do exagero, sabem o que é? Quando uma mãe adverte que seu filho “ vai quebrar o pescoço” se não descer do muro – mesmo que tal muro não tenha mais do meio metro de altura. Isso na melhor e mais nobre das intenções, porque tem também um outro extremo, aquele que do sujeito que ameaça que se não tivermos urnas físicas e voto impresso auditável em 2022, aquela invasão do Capitólio vai se repetir aqui no Brasil, com consequências ainda piores. Variante: quem tomar vacina contra Covid vai virar jacaré. Se no primeiro caso é o amor de mãe que se manifesta de modo perfeitamente aceitável, embora com ingênuo exagero, no outro impera a desfaçatez, a desonestidade intelectual, o autoritarismo e o apego puro e simples à mentira. É preciso não confundir as coisas, portanto, pois o fato é que existe uma grande distância entre um gesto e outro; de um lado, o cuidado materno, do outro intenções de genocídio. Mas devemos nos acautelar também para que tais arroubos de argumentação não venham turvar também a defesa de causas justas, por exemplo, a defesa do SUS que nós, pessoas de bem, costumamos praticar. Penso que a melhor defesa que podemos fazer de alguma coisa em que acreditamos é argumentar com a verdade, sem exageros. Tomo aqui, como exemplo, a discussão recente sobre a criação, pelo Governo Federal, de uma espécie de agência para a Atenção Primária à Saúde, que causou fortes arrepios e até mesmo indignação nos setores que defendem o nosso sistema de saúde, os quais, como aliás deveria ser, são fortemente ligados a uma visão política de esquerda.

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