O que faltaria, afinal? Eu poderia estar falando de responsabilidade social e solidariedade, para de imediato trazer à conversa a delinquência contumaz desse indivíduo doentio que ocupa a presidência da república, que nunca teve representação tão minúscula como ora se vê no Brasil. Mas isso já virou assunto batido, aqui e alhures, ainda não superado, embora, para nosso consolo, outubro de 2022 venha aí. O tema aqui é outro, qual seja, a maneira como se organizam os serviços de saúde, seja em termos locais (principalmente), nacionais ou globais, com o efeito disso sobre o controle da Covid-19. Trago aqui excelente artigo de gente que conheço de perto (ver link ao final) – e que realmente entende do assunto – no qual analisam experiências brasileiras de Atenção Primária à Saúde (APS) no enfrentamento da atual pandemia de Covid-19, demonstrando que a tal organização do modelo assistencial em saúde, particularmente na porta de entrada do sistema, é fundamental para o sucesso das medidas de prevenção, proteção e controle. Assim, há mais coisas no cenário do que apenas vacina, máscara, álcool, distanciamento. Precisamos ter também um modelo de saúde adequado, com responsabilidade social e solidariedade, junto com uma sociedade consciente e disposta a cobrar o que lhe é devido.
Continue Lendo “Vacina, máscara, álcool, distanciamento – mas ainda falta algo…”Ainda os dilemas da Covid
A palavra dilema talvez seja pouco significativa para descrever o impacto das informações e dados da realidade sobre a pandemia da Covid 19, por vezes contraditórios e de compreensão complexa, que nos assaltam a cada vez que abrimos os jornais, assistimos TV ou pesquisamos na internet. Mas é preciso estar atentos, pois uma parte de tal confusão é fruto de atitudes maliciosas e irresponsáveis, oriundas de pessoas ou grupos mal informados e quase sempre mal intencionados, enquanto outra deriva da própria natureza do fenômeno, em suas múltiplas vertentes biológicas, epidemiológicas ou culturais. Sobre a primeira variedade, aquela derivada “do mal”, a qual contudo não é objeto deste post de hoje, tenho uma rápida e curiosa história. Um grupo de entidades norte-americanas lançou uma campanha de descrédito e ironia contra as atitudes negacionistas, espalhando por algumas cidades outdoors com o aviso Os pássaros não são reais, alertando que os mesmos seriam drones comandados pelo governo para vigiar a vida dos cidadãos. Como ironia certamente não é o forte entre os negacionistas clássicos, não sei se eles entenderam bem a mensagem – talvez tenham até começado a atirar com suas carabinas automáticas (aquelas liberadas nos EUA) contra qualquer mísero pardalzinho ou pombo que lhe atravessasse o caminho. Pensei em criar algo semelhante por aqui, As vacinas não são reais, mas creio que o nível de informação e de captação de ironia peculiares a tal turma acabe gerando efeito contrário. Mas vamos ao que interessa.
Continue Lendo “Ainda os dilemas da Covid”Entre o pensamento desejoso e a dialética do exagero
No campo da saúde pública, Gastão Wagner de Souza Campos é uma daquelas pessoas imprescindíveis, para parafrasear Brecht. Professor universitário, gestor público com várias passagens na saúde, professor, escritor, pensador. Acima de tudo uma mente brilhante e criativa. Tive a honra de ter sido prefaciado por ele em meu livro Saúde da Família: Boas Prática e Círculos Virtuosos. Ninguém mais gabaritado do que este goiano-campineiro para falar sobre o SUS, seja em sua defesa ou mesmo em críticas pertinentes. Em entrevista recente ao site Outra Saúde (ver link ao final), Gastão fala de um livro recém lançado por ele e outros autores da Unicamp, onde é docente, intitulado “Nas entranhas da atenção primária à saúde”,no qual eledefende que esta modalidade de atenção (no Brasil, Estratégia de Saúde da Família) teve o poder de enraizar o SUS na sociedade brasileira, com resultados celebrados mundialmente. Enquanto não tenho acesso ao livro, levanto algumas respeitosas discordâncias quanto a algumas das colocações de Gastão, relativas ao momento atual do SUS. Mas lembro que meu objetivo maior aqui é chamar atenção para certos desvios (embora bem intencionados) que os defensores do SUS por vezes cometem, quais sejam, certo exagero a respeito dos feitos do mesmo ou a narrativa de fatos que aconteceram mais na mente dos militantes do que no mundo real.
Continue Lendo “Entre o pensamento desejoso e a dialética do exagero”Gerente à beira de um ataque de nervos
O que vou narrar a seguir é metade realidade, metade ficção. Reflete acontecimentos que assisti em minha vida de gestor de saúde, mas ao mesmo tempo acrescenta elementos relativos a coisas que não vi, mas sei que existem. Aliás, existem, com certeza, aqui em Brasília também. A heroína é Filomena, gerente de unidade de saúde ambulatorial na atenção básica. Moça esforçada, ela tem muito orgulho do que faz, pois foi selecionada para um curso de gestão em saúde dentre quatro outros concorrentes e foi considerada aluna destacada, sendo a primeira a ser nomeada para a gerência, que exerce já há quatro anos. O que faz Filomena se sentir uma gerente especial é o fato de que, ao contrário da maioria de seus colegas gerentes, ela não tem formação específica na área de saúde, pois é administradora, embora tenha uma longa carreira no setor, como encarregada de faturamento em um hospital durante oito anos, sendo que em tal condição concluiu sua faculdade.
Continue Lendo “Gerente à beira de um ataque de nervos”Navegar é preciso…
A cidade de Niterói é às vezes lembrada de maneira depreciativa, principalmente pelos seus vizinhos do outro lado da Baia de Guanabara, como a cidade onde “urubu voa de costas” ou então aquela em que a grande atração é o que se avista de lá, ou seja, a orla do Rio de Janeiro. Não entremos no mérito, isso cheira a preconceito e até despeito. Porque na saúde, Niterói, sem dúvida, tem dado direitinho seu recado. Nesta cidade, nos remotos anos 70 já ocorria um programa de unificação e integração em saúde, o Projeto Niterói, anterior ao SUS portanto (e com vários de seus conteúdos), com participação da Prefeitura, da Universidade, do Estado e de outras entidades locais. Como se não bastasse, foi uma das primeiras cidades do Brasil a implantar o Programa de Saúde da Família, antes mesmo de ele existir com este nome, trazendo para tanto a assessoria de médicos cubamos. E a cidade agora nos traz outra novidade de peso: a implementação de um “Navegador Clínico” em sua rede de serviços, ou seja, um profissional de saúde de nível superior a quem será dada uma nova função: a de garantir que procedimentos médicos adequados sejam oferecidos aos pacientes também em tempo adequado. Parece pouca coisa, mas tem muito significado e impacto. Este é o Navegador Clínico, que terá também o papel de mobilizar toda a rede de cuidados, tanto de saúde quanto de outras redes intersetoriais para garantir todo o apoio ao paciente portador de câncer.
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