A Pandemia e seus desdobramentos no mundo do trabalho

Não conto os mortos de faca nem os mortos de polícia; conto os que morrem de febre e os que morrem de tísica. Conto os que morrem de bouba, de tifo, de verminose: conto os que morrem de crupe, de cancro e schistosomose. Mas todos esses defuntos, morrem de fato é de fome, quer a chamemos de febre ou de qualquer outro nome. Morrem de fome e miséria quatro homens por minuto, embora enriqueçam outros que deles não sabem muito.

Ferreira Gullar teria que reescrever seu famoso poema para dar conta da situação atual, na qual a Covid mata mais do que a soma de todas as doenças que nele são arroladas. Mata por toxemia, por encharcamento de pulmões, por provocar a falência de órgãos diversos, por falha ou exagero do sistema imunitário, por comprometimento de funções vitais e mais ainda por retirar das pessoas condições de sobrevivência, por deixar famílias órfãs, por extinguir empregos, por dificultar a educação em exercer seu papel salvador de vidas, por desencadear quadros depressivos, de adição a drogas, de violência doméstica e até de autoextermínio. Sem esquecer que tem favorecido o aparecimento e a proliferação de profetas fajutos, líderes falsificados e psicopatas enrustidos. Não bastasse isso tudo, no Brasil o impacto de tal doença já comprometeu até a longevidade da população, com a expectativa de vida do brasileiro reduzida, em média, em praticamente dois anos, regredindo a patamares do início da década passada (link ao final) – para alegria de Paulo Guedes & Associados. Por tudo isso, trago aqui hoje discussão relacionada ao mundo do trabalho e dos empregos, onde residem fortes aliados do agente biológico da devastação que ora estamos assistindo.

Continue Lendo “A Pandemia e seus desdobramentos no mundo do trabalho”

Controle da Covid-19: o segredo é fazer a coisa certa

HORROR! A tragédia continua: no Brasil passamos dos 402 mil mortos e no DF nos aproximamos rapidamente dos 8 mil. Somos aqui 1,44% da população brasileira, mas em número de mortos pela Covid chegamos a 1,93% do total do país, o que não dá para animar ninguém. Enquanto isso, o “homem da casa de vidro” continua divulgando soluções falsas e estimulando chicanas contra a CPI que o investiga. Tudo demorando em ser tão ruim… Mas uma coisa é certa: o modo de lidar com a presente pandemia varia, sim, e existem aquelas situações em que o fracasso é evidente, enquanto em outras os fatores de sucesso estão presentes e são notáveis. É importante frisar isso, porque muitas vezes o senso comum atribui o sucesso ou o fracasso de tal controle às variações da biologia viral, aos brasileiros que não pegam nada até quando nadam no esgoto, ou até mesmo a aspectos imponderáveis ou inexplicáveis. As tais variações biológicas existem, de fato, mas há outros fatores humanos, políticos e sociais, que na maioria das vezes são mais relevantes. Assim deveríamos encontrar explicações mais abrangentes e sempre ancoradas na ciência para as diferenças existentes entre, por exemplo, Brasil e Nova Zelândia; EUA e China; Itália e Israel, casos representativos de bom e o mau controle. Ou, para trazer a discussão mais para perto de nós, entre Uberlândia e Araraquara ou Manaus e Belo Horizonte. O senso comum mais uma vez vai se equivocar, porque fatores como status socioeconômico, dimensão, localização geográfica, relativos a municípios e mesmo países, por si só não explicam as diferenças, ou por outra, mostram que de onde menos se espera podem surgir resultados positivos – ou vice-versa – e isso merece aprofundamento.

Continue Lendo “Controle da Covid-19: o segredo é fazer a coisa certa”

Na era pós Covid os serviços de saúde serão obrigados a se transformar

Como será amanhã? Responda quem puder. Esta semana descemos a mais um andar do Inferno:  7.494 mortos e 371.719 casos confirmados no DF, onde os vacinados com a 2ª dose pouco passam de 190 mil pessoas, menos de 10% da população.  No Brasil 14.237.078 casos confirmados (69.105 nas últimas 24 horas) e 386.416 mortes. Vacinação a passos de cágado, enquanto a doença ainda avança na velocidade de um bólido. Cifras que nem nos nossos piores sonhos poderíamos admitir. Isso ainda vai passar, por certo, mas a cada dia vemos de forma cada vez mais remota a luz do final do túnel (ou seria um túnel no final da luz?). Mas não percamos as esperanças. Que tal começarmos, desde já, a pensar nas transformações que nos aguardam no futuro pós pandemia?  Li por esses dias um artigo do arquiteto paulistano Nabil Bonduki (ver ao final), no qual ele faz um exercício deste tipo, mas apenas se atendo a questões de sua alçada profissional, ou seja, em relação ao urbanismo e vida nas cidades. Seguindo tal roteiro, tento aqui aprofundar questões da atenção à saúde em relação a um futuro próximo ou remoto. Penso que é preciso distinguir, em tais “augúrios”, o que deriva diretamente da situação pandêmica daquilo que já vinha sendo previsto como evolução da situação de saúde aqui e alhures, além da possível interação entre uma coisa e outra. Em qualquer uma dessas possibilidades os riscos de piora do que já está ruim não são desprezíveis. Portanto, não nos animemos muito, pois cabe pensar, acima de tudo, numa reorganização profunda dos serviços de saúde, para que se tornem adequados à era pós covid, ao mesmo tempo que deem resposta a problemas antigos da saúde da população. E vamos lá.

Continue Lendo “Na era pós Covid os serviços de saúde serão obrigados a se transformar”

Zygmunt Bauman explica o bolsonarismo

O bolsonarismo como fenômeno político existe de fato, sendo inúmeras as análises disponíveis sobre o mesmo, seja de cientistas políticos, sociólogos ou jornalistas, que identificam e tipificam tal fenômeno. Seja lá o que for, para mim, este “ismo” é mais uma questão de caráter do que de ideologia. Ou ainda de ética (ou estética). Cabe a pergunta: existe um bolsonarismo em saúde? Para definir um pouco melhor o fenômeno, recorro ao jornalista Philipp Lichterbeck, que escreve no portal Deutsch Welle, o qual,apesar de estrangeiro, parece conhecer muito bem o Brasil, ao descrever os “cinco pilares” do fenômeno, que na verdade dão sustentação a todo um pensamento da extrema direita no Brasil. São eles: (1) militarização; (2) atendimento a uma suposta vontade do povo; (3) messianismo; (4) hostilidade à ciência e (5) anticomunismo. Alguns deles são especificamente brasileiros, outros pertencem ao conjunto de ideias da nova direita internacional. Lichterbeck alerta que é fácil considerar simplesmente “ridículos” o presidente e seus seguidores, já que eles vivem dando oportunidade para isso, mas que há certa metodologia por trás dessa loucura, e reduzir o caso a mero histrionismo de um sujeito “sem noção” seria um erro fatal. Mas além de tal visão de um jornalista, trago hoje aqui algo mais filosófico.

Continue Lendo “Zygmunt Bauman explica o bolsonarismo”

Resiliência, reimaginação e ressignificação na Saúde

Saúde no DF três anos! Na data de 18 de abril próximo completam-se três anos de atividades deste blog. São 224 posts, todos de minha autoria, o que dá uma média de quase 1,5 postagens por semana. Agradeço aos leitores. Longa vida para este blog e para a nossa convivência! Hoje o que temos é o seguinte: em artigo que publiquei aqui há alguns dias (ver link) inspirado em leitura de um texto de Eugênio Vilaça Mendes, comentei sobre a necessidade de se instaurar, no campo da saúde, a busca de um “novo normal” após o período de incertezas e trevas trazido pela presente pandemia (ou sindemia, como apontado na ocasião). Trouxe aqui então uma fórmula “5R” revelada por Eugênio a partir de uma sacada de Singhal (2020), sendo eles: resolução, resiliência, retorno, reimaginação e reforma, coisa que não poderia ser apenas “mais do mesmo”, por certo. Trago aqui algumas reflexões sobre dois dos “R” acima: resiliência e reimaginação, que têm como ponto comumo fato de possuírem fortes componentes simbólicos. Prefiro, porém, tomar certa liberdade com o segundo termo, tratando-o como ressignificação, que considero uma palavra mais apropriada.

Continue Lendo “Resiliência, reimaginação e ressignificação na Saúde”