O Governo Federal acaba de cancelar um decreto emitido ainda na véspera, no qual se abriam porteiras para a iniciativa privada se banquetear no SUS. O Ministro da Cloroquina, ou melhor, da Saúde, certamente envolvido com o hasteamento da bandeira nacional ou com a redação de alguma ordem do dia para sua caserna, nem foi ouvido. E não faria muita diferença se o fosse. Em um país normal isso dificilmente aconteceria ou, se acontecesse, seria imediatamente seguido de uma nota de desculpas e até talvez alguma demissão. Mas desculpa é palavra que não está presente no tosco dicionário do Messias, nem de seus acólitos e demissão só se cogita para quem contraria ordens vindas de cima. Que ninguém acuse tal personagem de imprevisível; ao contrário, previsibilidade (para cometer equívocos) é coisa que não lhe falta. Mas agora falando sério: que tal discutir com maior profundidade a relação entre o SUS e a iniciativa privada? O não-governo deu um pontapé inicial, mas o grande problema deste é que nada que faz merece ser levado a sério. Ou seja, não daria nem para começar a discutir. Mas mesmo assim vou tentar abordar o assunto.
Continue Lendo “Privatização da Atenção Básica: fala sério!”Deu no New York Times…
O New York Times mostrou no dia 27 último (27/10/2020) como manchete simplesmente o seguinte: Trump e Bolsonaro destruíram as defesas da América Latina contra covid, denunciando para o público americano e para o mundo em geral o comportamento tosco dos dois presidentes negacionistas durante a pandemia, contrariando o bom senso e as orientações de autoridades sanitárias. A manada certamente dirá que se trata apenas de uma mentira “daquele jornal comunista”, se recusando a ver que mais uma vez se colocam a nu as atitudes irresponsáveis desses dois mandatários, que infelicitam mais de 500 milhões de pessoas acima e abaixo da linha do Equador. Para o irresponsável do hemisfério Norte a hora está chegando; para o daqui, esperamos, não passe de 2022.
Continue Lendo “Deu no New York Times…”“O que eu faço não serve para mim, serve só para os outros”…
O Governador do DF acaba de lançar, alegremente, um Plano de Saúde para os servidores do governo local. Há cerca de dois anos, em dezembro de 2018 mais precisamente, tendo tal proposta surgida no Governo Rollemberg, escrevi sobre a mesma um artigo chamado SUS, o santo de casa que não faz milagre. Nele, lembrei-me da história de um vizinho de bairro na BH dos anos 50, gerente da Cia. Antarctica, mas apreciador da cerveja Brahma e que passava por apuros sérios quando queria saborear sua favorita, pois não poderia ser visto, em hipótese alguma, cometendo tal tipo de infidelidade profissional e etílica. Em outras palavras: aquele lugar onde se trabalha não conta com a confiança de quem ali presta serviços. “O que eu faço para os outros não é o bastante para mim” – é clara a mensagem. Isso me veio à mente diante da notícia que os servidores públicos do DF, os da saúde inclusive, estarão dispensados de utilizar os serviços do SUS. Em outras palavras: SUS apenas para “os outros”, o povo, os comuns, os não-ungidos…
Continue Lendo ““O que eu faço não serve para mim, serve só para os outros”…”Com a matéria abaixo (“A volta da revolta…”) completaram-se 200 postagens neste blog. Obrigado aos leitores!
A volta da Revolta da Vacina
Há pouco mais de cem anos, inacreditavelmente, o Rio de Janeiro esteve mais perigoso do que é hoje. Nos primeiro anos do século XX a população carioca saiu às ruas com paus e pedras e, como se diz hoje, “botou pra quebrar”. Era a famosa “Revolta da Vacina”, contra as medidas saneadoras recém-implantadas por Oswaldo Cruz, que exercia então o cargo hoje equivalente ao de Ministro da Saúde. Mas, além das aparências, como pano de fundo estava o repúdio popular contra o desemprego, a estagnação, o descaso das elites da época (da época apenas?), a desilusão com as promessas republicanas. Como disse o cientista político José Murilo de Carvalho, “a revolta da vacina foi um exemplo paradigmático dos frequentes desencontros entre a virtude do governante e a virtude do povo”. Naqueles episódios, certamente, já estavam presentes alguns dos ingredientes que ainda hoje moldam a saúde pública, particularmente neste momento de pandemia e negacionismo, tais como os muitos sintomas de irresponsabilidade e autoritarismo das autoridades. Certamente, disso tudo ainda há muitas lições a retirar, mesmo considerando que em alguns aspectos a situação está, por assim dizer, invertida, eis que na ocasião o que motivava os protestos era exatamente a intransigência oficial em fazer as coisas acontecerem a ferro e fogo, enquanto hoje é da lavra oficial a negação das evidências da realidade. Mas o estado de revolta continua latente.
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