Hoje não vamos falar de Covid… Tornou-se proverbial a afirmativa que a medicina moderna, com suas máquinas e procedimentos mágicos, nem sempre se faz acompanhar de atenção mais qualificada, em termos humanos, aos pacientes. Tem tudo para ser verdade, mas convém tentar ir um pouco mais fundo em tal questão. Começo por um exemplo pessoal: por esses dias (e por esses caprichos dos jovens médicos que dominam as tecnologias clínicas e querem que seus pacientes sejam revirados pelo avesso diante de uma simples falta de ar) me vi submetido a uma série de exames de imagem do coração, com e sem contraste radiativo, com e sem esforço, com ou sem a minha vontade. Não que eu seja avesso a tais exames – nem de longe! – mas minha ignorância frente a tal arsenal, totalmente impensável em meu tempo de médico, salvo em alguma sessão de cinema ou romance de ficção científica, confesso que me deixa desconfiado e ansioso. Se não em relação à sua eficácia, certamente à sua capacidade de trazer à luz coisas ruins, em outros tempos de detecção impossível. Sabem, quando gente morria nas trevas da mais completa ignorância a respeito do que se tinha ou se deixava de ter e talvez fosse feliz mesmo assim, ou apesar disso? Mas uma vez adentrado a tal cenário de ficção científica, com direito ao ar condicionado siberiano; luzes frias; banheiros de descarga automática e luzes que não precisam ser apagadas nem acesas; aparelhinhos e aparelhões de diversas qualidades; telas de LED de todos os tamanhos pelos quatro cantos; apitos e sibilos eletrônicos perpassando a atmosfera; luzinhas faiscantes por todo lado, tive uma sensação no mínimo estranha, quase uma epifania, qual seja a de que eu não estava me sentindo “objetificado” ou meramente processado por máquinas; ao contrário, eu até me sentia bem no meio daquilo tudo! Por uma razão muito simples…
Continue Lendo “Máquinas na medicina: melhor não tê-las?”UnB: meio século de formação médica
Acabo de receber o livro comemorativo do cinquentenário da primeira turma de médicos que se formou na UnB. Material muito bem elaborado, virtual (como, aliás, tudo ou quase tudo hoje deveria ser), organizado pelas mãos competentes de um dos egressos de então, o Dr. Marcus Vinicius Ramos, que também é presidente da Academia de Medicina de Brasília. Não estudei com eles e até conheço algumas pessoas do grupo, mas minha formatura, pela UFMG apenas um ano depois, me autoriza a comentar este evento tão significativo, além de me congratular com estes coetâneos. Meio século de formação e prática médica em outros países, de primeiro mundo, já seria algo muito significativo, mas aqui no Brasil os acontecimentos correspondentes são verdadeiramente alucinantes! Vale a pena se deter sobre o tema, sem maior pretensão de esgotá-lo.
Continue Lendo “UnB: meio século de formação médica”A gestão da saúde nas cidades na pós pandemia
A atual pandemia, sem dúvida a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, testou a resiliência e a capacidade do SUS, particularmente nos sistemas municipais, dando extrema visibilidade aos desafios da saúde pública no país. O SUS, apesar de desprestigiado, se saiu bem, diga-se de passagem. Mas as atuais e as novas autoridades recém eleitas nos municípios deverão enfrentar demandas crescentes da opinião pública sobre tal assunto. A situação atual aniquilou muitas das expectativas existentes anteriormente e colocou no cenário novas questões . O certo é que ela vai passar e é hora de perguntar o que virá depois . A este respeito, trago aqui um documento que julguei de grande valor, qual seja uma Agenda Saúde na Cidade, tendo como alvo os novos gestores da saúde municipal, com mandatos a partir de 2021, mas de interesse também de todos aqueles que contribuem para a formulação e a gestão de políticas municipais de saúde. É uma agenda de propostas factíveis e tecnicamente corretas para organizar a prestação de serviços de saúde a partir da Atenção Básica, particularmente no cenário pós Covid-19. Ela é válida para o DF também, pois na prática não somos mais do que uma grande cidade. E é bom lembrar que teremos eleições daqui a dois anos.
Continue Lendo “A gestão da saúde nas cidades na pós pandemia”É preciso criminalizar o negacionismo
Vivemos em tempos tão estranhos… Umberto Eco de certa forma já os anteviu, quando disse que a internet deu voz e notoriedade a uma multidão de imbecis, até então calados e recolhidos à sua platitude. Esta pandemia, porém, ampliou o conceito, liberando as manifestações de uma manada de insensatos insipientes e conferindo crédito às suas eventuais eructações. O atual Presidente da República e seu séquito não me deixam mentir. Ouvi há algum tempo, aliás, um dos generais que dá expediente no Palácio do Planalto, dizer que não via nenhum problema em se ensinar o criacionismo nas escolas, eis que isso era apenas uma das várias versões existentes sobre a origem do homem. Para a “teoria” da terra plana certamente seria a mesma coisa. Assim, na visão desse grupo, o fenômeno da “gripezinha”, o uso da cloroquina, o endosso a aglomerações, a origem “comunista” do vírus, a decisão de salvar primeiro a economia, a ocupação militar do Ministério da Saúde, além de outras “verdades” estabelecidas por saturação nas redes sociais e na propaganda oficial, seriam versões ou opiniões, porém validadas implicitamente pela ausência de provas contrárias. Entenda-se por “provas” aquilo que já estaria incorporado ao discurso oficial; fora disso, é puro mimimi. E assim, la nave va. Mas agora, mais do que nunca, é preciso ouvir o que gente realmente séria está pensando e falando, seja sobre a pandemia, a economia, a democracia, além de outros temas. E assim trago aqui uma economista que tem respeito internacional, Monica De Bolle. Ela é brasileira, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Johns Hopkins University, tudo isso in USA. Para os bolsonaristas, que consideram como “intelectual” e “filósofo” um astrólogo boquirroto e dinheirista refugiado nos EUA, Monica não passaria de mais uma comunista impatriótica. Mas deixa pra lá.
Continue Lendo “É preciso criminalizar o negacionismo”Corrupção na Saúde: tem jeito?
Leio e ouço na mídia que toda a cúpula da Secretaria de Saúde do DF foi exonerada. Não tanto preventivamente, porque uma parte dos atingidos já tinha processos em andamento contra si. Não excluo a possibilidade, também, de que essa demissão em massa sirva para juntar alguns inocentes ao rol dos verdadeiros culpados, como o papel que acompanha o bombom que se bota fora. Repete-se assim, também aqui no DF – e não de forma inédita – um acontecimento que virou triste rotina em quase toda parte do Brasil. E quem achava que o estado de emergência desencadeado pela Pandemia poderia amainar tais propensões para o peculato, se enganou, pois o que se vê, junto com o aumento de infectados e de mortos pela Covid 19, é uma escalada das operações policiais, judiciais e administrativas relativas aos desvios. É imoral, claro, roubar diante de uma situação de ameaça à saúde pública, mas é bom lembrar que fora disso também o seria. Conclusão: é algo imperdoável, de fato. Ibaneis posa agora de justiceiro destemido, de dirigente que não tolera a corrupção, de defensor intransigente da coisa pública. Mas isso não resiste a um olhar mais agudo. Esta turma toda foi nomeada por ele e até bem pouco tempo atrás gozava de total prestígio. Será que só agora o governador descobriu os malfeitos que que vinham praticando, desde longa data? Mas a grade questão é: seria possível evitar a nomeação de gente assim tão “descuidada” para ocupar cargos públicos? Eu acho que a resposta é positiva, quase sempre – acompanhem meu raciocínio.
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