A luta pelo SUS continua! Comentários a um texto de Nelson Rodrigues dos Santos

Acabo de receber e passo a comentar, Subsídio ao resgate e atualização do SUS constitucional (A luta continua), texto avulso, dentro do bom costume do seu autor, pessoa pouco afeita às burocracias acadêmicas, meu amigo Nelson Rodrigues dos Santos, o Nelsão. Mas antes disso, algumas palavras sobre ele. Em primeiro lugar, ser conhecido por um apelido carinhoso, não pelo nome pelo qual se é conhecido no banco ou no cartório, não deixa de ser um atributo que poucas pessoas obtêm como privilégio ao longo da vida. Exemplos notáveis que me vêm à mente: Pelé, Lula, Betinho, Nonô, Mandela, Chico. Conheço este cara ímpar desde os tumultuados e generosos anos 70. Eu era um jovem médico (ele é apenas um pouquinho menos jovem do que eu) e já ouvira falar da saga daqueles moços que haviam embarcado numa canoa que parecia promissora, a criação do curso de medicina e, quase simultaneamente, da secretaria municipal de saúde de Londrina. E acompanhei também a peleja daquela moçada contra um coronel de plantão, agente da ditadura ali implantado. Embarcar em canoas que pareciam promissoras e depois fizeram água: uma boa imagem para definir a história de toda uma geração que se envolveu com as coisas da saúde neste País. Mais tarde, meados dos anos 80, na euforia da redemocratização, em tempos mais promissores para a saúde, o jovem de Londrina estava agora em Campinas, como Secretário Municipal de Saúde e ali organizou uma reunião de seus pares paulistas. Foi gentil comigo, recém-nomeado Secretário em Uberlândia e praticamente desconhecido no meio, convidando-me para tal reunião. Pode parecer coisa simples e banal, mas foram eventos como este, inéditos até então, que começam a delinear o que viriam a ser, um pouco mais tarde, os conselhos de secretários municipais de saúde. Pouco depois disso, estávamos todos, ainda jovens e cheios de expectativas, na oitava Conferência Nacional de Saúde, em Brasília. Ali nosso personagem circulava ativamente em seu traje cotidiano, camisa branca para fora das calças e sandálias, nos salões e arquibancadas do Ginásio de Esportes, à procura de colegas de todo o Brasil. O resultado foi uma reunião informal, realizada em uma das arquibancadas, com algumas dezenas pessoas presentes, todas ligadas à gestão municipal e assim começou a nascer o Conasems, apesar da singeleza e informalidade daquele momento. Ali fizemos um pacto de organizarmos ao máximo à nossa base para levarmos no ano seguinte, em Londrina a proposta da criação de um organismo nacional de SMS. Dito e feito!

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Conselhos de Saúde podem (e devem) participar da luta contra a Covid-19 – experiências em curso no DF

O Conselho Nacional de Saúde associado à Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) desenvolveu, ao longo dos últimos meses um Laboratório de Inovação tendo como objeto o papel dos conselhos de saúde e da participação social na resposta à Covid-19. Trata-se de nova ferramenta desenvolvida pela OPAS em suas atividades de cooperação técnica, partindo da compreensão de que cabe destacar e divulgar as inovações produzidas no SUS, que não são poucas, embora nem sempre alcancem o conhecimento geral. Laboratórios de Inovação visam a identificação, a sistematização e a divulgação de tais iniciativas, de forma a servir de referência para a troca de conhecimentos e experiências entre gestores, trabalhadores e outros atores de saúde no Brasil, além de disseminar as experiências brasileiras bem-sucedidas para outros países. Assim, é possível captar e documentar os conhecimentos considerados bem-sucedidos, inovadores e relevantes das experiências desenvolvidas no âmbito da gestão, atenção e da formação que apresentam contribuições para a melhoria do processo de trabalho e dos serviços de saúde SUS. No presente Laboratório de Inovação, cujos trabalhos foram coordenados por mim (Flavio Goulart) buscou-se identificar e sistematizar ações diretas e formais de Conselhos de Saúde, sejam estaduais, municipais ou locais, realizadas em associação com instituições acadêmicas e outras, analisando seus processos de desenvolvimento, conteúdos de inovação e resultados, dentro dos seguintes eixos: 1. Fortalecimento e qualificação da participação social dos Conselhos de Saúde visando exercer o controle social na proposição, fiscalização e controle das ações governamentais de enfrentamento da pandemia; 2. Atuação direta dos Conselhos de Saúde em ações de comunicação para a população, mobilização e articulação social para o enfrentamento da pandemia. 3. Parcerias dos Conselhos de Saúde com cursos de capacitação na área da saúde, Universidades e Instituições de Ensino Superior promovendo a integração do ensino com a participação e o controle social. Apresentaremos aqui algumas dessas experiências desenvolvidas aqui no DF.

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Uma Grande Transição para a pós pandemia: é preciso pensar grande

Um consórcio global de organizações da sociedade civil, denominada Aliança pela Saúde Planetária, na qual se incluem as instituições brasileiras USP e Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), acaba de lançar a Declaração de São Paulo, na qual se faz um apelo às lideranças políticas para que garantam saúde e bem-estar para as próximas gerações. Seu contexto é o da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade e Mudanças Climáticas, a COP-26, que começa em 31 de outubro na Escócia. Assinam o documento cerca de 250 entidades de 47 países, representando 19 setores da sociedade. Ali se destaca que a atual pandemia representa um ponto de inflexão na história da humanidade, reforçando a necessidade de maior atenção à saúde humana, ao tempo que relembra que a degradação do ecossistema já é antiga e traz fortes ameaças à saúde, pela poluição do ar, da água, do solo e podendo ser, até mesmo, a causa de novas pandemias. Com efeito, especialistas alertam que, na trajetória atual de consumo e degradação ambiental, uma verdadeira encruzilhada, já não seria  [F1] mais possível garantir a saúde e o bem-estar da humanidade. A Declaração cobra mudanças na maneira como se produz e se consome, tanto alimentos, como energia e bens manufaturados. Enfim, propõe soluções às vezes complexas, para problemas que também o são, de forma totalmente diferente do que pensa (?) e propõe a ditadura do senso comum (mal informado) que está instalada no Brasil.

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O que será que será (na era pós covid)?

Ainda sob o impacto de 600 mil vidas perdidas no Brasil e das funestas e irresponsáveis ações de nossas autoridades, particularmente diante da patética alocução de Jair Messias na Assembleia Geral da ONU nesta semana (haja adjetivos!), analiso aqui um artigo recentíssimo saído no The Lancet (que como todos sabem, NÃO se trata de uma publicação comunista...), no qual se traz algo tão momentoso quanto  A new strategy for health and sustainable development in the light of the COVID-19 pandemic e seu conteúdo, naturalmente, se coloca em sentido totalmente contrário ao que divulgam as autoridades brasileiras, especialmente em relação ao charlatanismo mal informado e sobretudo mal intencionado do Presidente da República. Antes que sejamos sepultados pela montanha de detritos que projeta nossa vergonha perante o mundo... O artigo em pauta visa contribuir para a construção do futuro pós-pandêmico, no qual será preciso promover e proteger a saúde de todos os cidadãos, para o que os eventos da atual pandemia e de outras crises anteriores têm muito a ensinar. Os autores fazem parte de uma Comissão Pan-Europeia sobre Saúde e Desenvolvimento Sustentável, criada pelo Escritório Regional da OMS para a Europa, sendo eles especialistas de uma ampla variedade de origens institucionais e geográficas, buscando com o presente texto uma agenda ambiciosa para alcançar um futuro saudável e seguro para todos.
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A automorte e os legados da vida

Os versos de Jorge Luiz Borges são impactantes: Não restará na noite uma só estrela. / Não restará a noite. / Morrerei e comigo irá a soma / Do intolerável universo / Apagarei medalhas e pirâmides, / Os continentes e os rostos. / Apagarei a acumulação do passado. / Farei da história pó, do pó o pó. / Estou mirando o último poente. / Ouço o último pássaro. / Lego o nada a ninguém. (O Suicida). É difícil ser neutro quando se trata de tal tema. Uns parecem cultivar a ideia, como Borges; outros fingem ignorá-la; há quem pense que tal coisa só pode acontecer aos outros, sempre longe de si e dos que lhe estão próximos; e há também aqueles traumatizados pela vivência com algum parente ou amigo – mas todos temem tal evento. Uma coisa é certa: é preciso conhecer tal fenômeno mais profundamente, velho como a história da humanidade que é. Aqui no DF, por exemplo, a quantas anda? E no Brasil? O que se faz, no Brasil e no mundo, para conhecê-lo melhor e tentar controlá-lo, como parte de uma política pública? Sua divulgação em notícias de imprensa poderia ser nefasta e potencialmente capaz de desencadear novos casos? De fato, há muitas questões em jogo no cenário. [Este post é mais um trabalho conjunto de Flavio Goulart com Henriqueta Camarotti – vida longa a tal parceria!]

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