Na era pós Covid os serviços de saúde serão obrigados a se transformar

Como será amanhã? Responda quem puder. Esta semana descemos a mais um andar do Inferno:  7.494 mortos e 371.719 casos confirmados no DF, onde os vacinados com a 2ª dose pouco passam de 190 mil pessoas, menos de 10% da população.  No Brasil 14.237.078 casos confirmados (69.105 nas últimas 24 horas) e 386.416 mortes. Vacinação a passos de cágado, enquanto a doença ainda avança na velocidade de um bólido. Cifras que nem nos nossos piores sonhos poderíamos admitir. Isso ainda vai passar, por certo, mas a cada dia vemos de forma cada vez mais remota a luz do final do túnel (ou seria um túnel no final da luz?). Mas não percamos as esperanças. Que tal começarmos, desde já, a pensar nas transformações que nos aguardam no futuro pós pandemia?  Li por esses dias um artigo do arquiteto paulistano Nabil Bonduki (ver ao final), no qual ele faz um exercício deste tipo, mas apenas se atendo a questões de sua alçada profissional, ou seja, em relação ao urbanismo e vida nas cidades. Seguindo tal roteiro, tento aqui aprofundar questões da atenção à saúde em relação a um futuro próximo ou remoto. Penso que é preciso distinguir, em tais “augúrios”, o que deriva diretamente da situação pandêmica daquilo que já vinha sendo previsto como evolução da situação de saúde aqui e alhures, além da possível interação entre uma coisa e outra. Em qualquer uma dessas possibilidades os riscos de piora do que já está ruim não são desprezíveis. Portanto, não nos animemos muito, pois cabe pensar, acima de tudo, numa reorganização profunda dos serviços de saúde, para que se tornem adequados à era pós covid, ao mesmo tempo que deem resposta a problemas antigos da saúde da população. E vamos lá.

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Zygmunt Bauman explica o bolsonarismo

O bolsonarismo como fenômeno político existe de fato, sendo inúmeras as análises disponíveis sobre o mesmo, seja de cientistas políticos, sociólogos ou jornalistas, que identificam e tipificam tal fenômeno. Seja lá o que for, para mim, este “ismo” é mais uma questão de caráter do que de ideologia. Ou ainda de ética (ou estética). Cabe a pergunta: existe um bolsonarismo em saúde? Para definir um pouco melhor o fenômeno, recorro ao jornalista Philipp Lichterbeck, que escreve no portal Deutsch Welle, o qual,apesar de estrangeiro, parece conhecer muito bem o Brasil, ao descrever os “cinco pilares” do fenômeno, que na verdade dão sustentação a todo um pensamento da extrema direita no Brasil. São eles: (1) militarização; (2) atendimento a uma suposta vontade do povo; (3) messianismo; (4) hostilidade à ciência e (5) anticomunismo. Alguns deles são especificamente brasileiros, outros pertencem ao conjunto de ideias da nova direita internacional. Lichterbeck alerta que é fácil considerar simplesmente “ridículos” o presidente e seus seguidores, já que eles vivem dando oportunidade para isso, mas que há certa metodologia por trás dessa loucura, e reduzir o caso a mero histrionismo de um sujeito “sem noção” seria um erro fatal. Mas além de tal visão de um jornalista, trago hoje aqui algo mais filosófico.

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Resiliência, reimaginação e ressignificação na Saúde

Saúde no DF três anos! Na data de 18 de abril próximo completam-se três anos de atividades deste blog. São 224 posts, todos de minha autoria, o que dá uma média de quase 1,5 postagens por semana. Agradeço aos leitores. Longa vida para este blog e para a nossa convivência! Hoje o que temos é o seguinte: em artigo que publiquei aqui há alguns dias (ver link) inspirado em leitura de um texto de Eugênio Vilaça Mendes, comentei sobre a necessidade de se instaurar, no campo da saúde, a busca de um “novo normal” após o período de incertezas e trevas trazido pela presente pandemia (ou sindemia, como apontado na ocasião). Trouxe aqui então uma fórmula “5R” revelada por Eugênio a partir de uma sacada de Singhal (2020), sendo eles: resolução, resiliência, retorno, reimaginação e reforma, coisa que não poderia ser apenas “mais do mesmo”, por certo. Trago aqui algumas reflexões sobre dois dos “R” acima: resiliência e reimaginação, que têm como ponto comumo fato de possuírem fortes componentes simbólicos. Prefiro, porém, tomar certa liberdade com o segundo termo, tratando-o como ressignificação, que considero uma palavra mais apropriada.

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Pandemia, Sindemia e o Mundo Invisível

No último dia oito de abril chegamos a 6.609 mortes pela Covid no DF (345 mil no Brasil), com mais de 350 mil casos confirmados em nossa cidade (13,28 milhões no país), com a taxa de ocupação de leitos públicos e privados por aqui batendo os 100%. Não é mole não… E tal cenário se torna ainda mais dramático diante de certas variáveis associadas a ele, como, por exemplo, as interpretações estapafúrdias sobre a efetividade das medidas de controle emanadas do Palácio da Alvorada e ecoadas pela manada atraída por ele. E mais: a ridícula politização de questões técnicas; o desprezo às evidências científicas reais; a irresponsabilidade na coordenação da pandemia, seja em nível nacional ou em diversos estados e municípios; a derrocada sanitária associada a uma igualmente severa e consequente crise econômica e social. Como pano de fundo, a falaciosa polarização entre saúde e economia, como se a primeira não fosse um pré-requisito essencial para a proteção de empresas e empregos e garantia de renda para os mais vulneráveis. Tudo isso dentro de um cenário de desequilíbrio entre a potência verdadeiramente exponencial da doença e a capacidade de resposta do sistema de saúde. A primeira em escala geométrica; a segunda, aritmética. Há um conceito novo no cenário, segundo o qual estaríamos diante de algo ainda mais grave do que uma pandemia, eis que se nos apresenta uma SINDEMIA. Vamos ver o que é isso.

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A resiliência do SUS frente à Covid-19

Resiliência é termo que vem da metalurgia, daí sendo incorporado à psicologia. Naquela, é a propriedade que alguns materiais apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a alguma deformação; na segunda, em sentido figurado, diz respeito à capacidade de um indivíduo se recobrar ou se adaptar com facilidade de eventos danosos ou às mudanças em geral. O termo agora tem sido empregado também em relação a sistemas sociais complexos, como é o caso da saúde, com foco especial em momentos nos quais ocorre redução radical de recursos em função de crises econômicas, medidas políticas de austeridade ou mesmo pelo aumento exagerado de demanda, como no caso presente pandemia. O senso comum, aliás, já indicaria que países com fragilidades na estrutura de seus sistemas de saúde apresentem baixa resiliência face a impactos de tal natureza. A este respeito, acabo de ler um interessante estudo, realizado por pesquisadores brasileiros da FGV (ver link ao final), no qual se busca compreender tal capacidade no SUS em responder a tais choques, de forma a preservar – ou não – suas funções essenciais, mantendo o alcance de resultados em saúde, além da capacidade de se reorganizar em função de possíveis lições apreendidas com a crise. Tudo isso dentro do atual cenário pandêmico mundial, no qual sistemas de saúde bem-estruturados entraram em colapso, em razão do rápido aumento de demanda por internações emergenciais, além de diversos outros efeitos adversos sobre os próprios sistemas e sobre a saúde da população.

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