A formação médica e o Distrito Federal

O DF conta atualmente com seis escolas médicas, sendo duas públicas e quatro privadas. Juntas, elas oferecem atualmente 470 vagas anuais, três quartos das quais no setor privado, percentual que não se diferencia muito daquele do país como um todo. Em termos de taxa por 100 mil habitantes, as vagas oferecidas em nossa cidade chegam a 20,23, versus uma média nacional de 19,6. Neste quesito, o nosso vizinho GO está próximo ao DF, com 25,78, enquanto as maiores taxas estão em TO e RO (isso mesmo!), com valores acima de 44,05 e as menores em AP, PA e MA, com valores em torno de 10. Em termos de crescimento de tal oferta, comparando os anos de 2002, 2012 e 2022, no DF ele foi de 37,3%; no Brasil como um todo, 173,4%; em GO espantosos 1.121,8%! Os maiores crescimentos, acima de 500%, ocorreram em BA e RO, além de GO, não sendo raros os valores acima de 300% em alguns estados. O menor crescimento, 37,5%, ocorreu no RJ, o que não deixa de ser surpreendente, mas certamente se explica pelo número histórico de faculdades de medicina neste estado. Quanto à procedência externa dos alunos, em termos regionais, no ano base de 2018, o DF apresentava 30,9%; GO 28,1%; SP 24,5% e TO, com o maior índice, 62,2%, para tomar apenas alguns exemplos significativos. Este é um panorama meramente quantitativo, claro. Caberia formular, contudo, algumas questões relativas à nossa cidade: em que esses médicos aqui formados mudariam o panorama da assistência à saúde por aqui? De alguma forma o planejamento didático dessas faculdades leva em conta as necessidades locais? Considerando o alto percentual de formação em entidades privadas, até que ponto as diretrizes e necessidades do SUS direcionam a formação dos médicos que elas entregam à sociedade? Qual a qualidade, enfim, nos termos de uma pedagogia médica contemporânea, dos cursos aqui oferecidos? Vamos tentar ampliar e aprofundar algumas dessas questões não só nas linhas seguintes, mas em publicações adicionais.  

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Um guerreiro imprescindível em favor do SUS

Acabo de receber o livro SUS e Estado de bem-estar social: perspectivas pós pandemia, de autoria de meu amigo Nelson Rodrigues dos Santos, para todos Nelsão, no qual sou citado, com muita honra para mim. Este cara foi e continua sendo um ativista visionário que sempre empregou o melhor de si mesmo para sonhar, nutrir, respirar, viver, enfim as ideias matrizes que resultara na criação do SUS. Antes que alguém deplore os desacertos do nosso sistema de saúde, deixo bem claro: ele é uma solução com problemas, mas jamais um problema sem solução. No livro de Nelsão se resumem três décadas de lutas, feitas de derrotas e avanços, mas fundamentais para se construir um sistema de saúde muito menos excludente do que aquele que vigorava historicamente no país até a Constituição de 1988. E a narrativa não é de qualquer um, mas sim de um ator de primeira linha, um daqueles sujeitos históricos que Brecht chamava de imprescindíveis. Pois bem, tive a honra de escrever a introdução que reproduzo abaixo.  E acrescento a narrativa do nosso estimado Gonzalo Vecina Neto, docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo: A saúde é um bem público, não existe saúde privada. Existe o setor privado realizando ações de saúde e buscando ganhar sempre mais. E existe o frágil estado brasileiro capturado pelos interesses do mercado. E existem os utopistas. Este livro é sobre utopias. Que nós iremos enfrentar se as entendermos. Vejam meu texto que figura na “orelha” da capa a seguir.

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A renda dos médicos no DF: algumas considerações

A medicina é, sem dúvida, uma profissão que remunera bem seus praticantes. Faz parte do senso comum tal afirmativa e na verdade se confirma pelas estatísticas. Quantos jovens e respectivas famílias não elegem a Medicina como profissão, realizando os maiores esforços, tanto intelectuais como materiais, exatamente por este motivo? Alguns dados sobre o assunto: no Brasil, segundo dados da Receita Federal, a renda média mensal dos médicos foi de R$ 30,1 mil em 2020; tal rendimento varia entre as unidades da Federação e as capitais do país, onde médicos declaram, em média, renda 13,3% maior do que no interior; os maiores rendimentos médicos no Brasil estão registrados em Macapá (R$ 37,6 mil), Brasília (R$ 37,3 mil), Rio Branco (R$ 35,8 mil) e Curitiba (R$ 35,4 mil); as capitais com menores rendimentos são Salvador (R$ 27,2 mil), Aracaju (R$ 27,9 mil) e São Luís (R$ 28,2 mil). No DF, médicos declararam renda acima de R$ 37 mil mensais, valor 49,0% acima do que é declarado na Bahia, por exemplo, sendo este o estado com menor rendimento médio. Os rendimentos variam com a idade e o sexo dos profissionais, sendo que aqueles que estão entre os 51 e os 60 anos de idade auferem o maior rendimento declarado, enquanto as mulheres médicas mostram renda de 64% em relação àquela dos homens. Estas são a algumas das conclusões do estudo sobre Demografia Médica que vimos apresentando e discutindo aqui no blog nas últimas semanas (https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2023.pdf). Nele se mostra ainda que os médicos estão na sexta posição nacional entre os maiores rendimentos declarados no IRPF, ficando atrás apenas de profissões como titulares de cartório e o pessoal do Ministério Público, Poder Judiciário, diplomatas e alguns advogados. A medicina figura, sem dúvida, entre as atividades mais rentáveis do país e, entre as profissões da saúde, a mais bem remunerada, com renda média em patamar bem mais elevado que a da população com nível superior de escolaridade. Em tal panorama, o DF mais uma vez se sobressai, com uma das melhores rendas médicas do país, porém em forçoso contraste com a respectiva produtividade, que é a mais baixa em termos nacionais, conforme discutimos no post da semana passada (ver link). Vamos detalhar melhor isso.

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Seriam os médicos do DF pouco produtivos?

No estudo sobre a chamada Demografia Médica no Brasil (DMB) que venho comentando aqui nas duas últimas semanas, chamou minha atenção (e certamente também dos leitores) que a produtividade médica em nossa cidade, em termos de consultas oferecidas por ano, é simplesmente a menor do Brasil. Ao mesmo tempo que o rendimento per capita é o maior. É isso mesmo que você leu! Mas seria assim mesmo na realidade? É o que procurarei elucidar neste post.  Seguindo o estudo DMB, mais de 600 milhões de consultas médicas são realizadas por ano no Brasil, o que corresponde aproximadamente a três consultas por habitante o que, considerando o número atual de médicos no país, dá a cada profissional a realização média, de 1.260 consultas anuais. No DF tal cifra não passa de 600, ou seja, menos da metade disso. O estudo mostra também que as disparidades entre regiões e entre os setores público e privado da saúde são bastante significativas, não só aqui mas no país como um todo. Em termos conceituais, consultas referem-se a contatos diretos de pacientes com médicos, sejam generalistas ou especialistas, realizados tanto em serviços públicos como privados, em ambientes diversos, compreendendo anamnese, exame físico, conclusões diagnósticas, solicitação de exames e prescrição. Consultas podem ser concluídas, ou não, em um único momento, mas podem envolver tanto o encontro pessoal entre médico e paciente, como serem mediadas por tecnologias. Vamos a alguns dados e explicações.

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Demografia Médica no Distrito Federal

Quantos e quais tipos de médicos estão disponíveis no DF para atuar no sistema de saúde? E quantos o serão nos próximos anos? Qual parte desta oferta de profissionais responderia às demandas locais do SUS? Como isso se coloca em termos absolutos e comparativos com as outras unidades federativas do país? Estas e outras perguntas estão respondidas e analisadas no estudo Demografia Médica no Brasil (DMB 2023), originado no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP e que agora apresento aos leitores, com o recorte correspondente ao DF. Antes de detalhar, vamos às linhas gerais das conclusões do estudo. São inúmeras as “vantagens” da situação do DF em termos de sua força de trabalho médica, mas que devem ser consideradas apenas dentro de um contexto quantitativo, em outras palavras, de números expressivos, que não traduzem, nem de longe, o quadro da qualidade do atendimento prestado, da qualidade da formação auferida, da distribuição de profissionais onde mais se fazem necessários etc. Apesar dos números muitas vezes pujantes, em relação à realidade dos demais estados e capitais do Brasil, é preciso admitir que muitas das distorções verificadas nas mesmas também se aplicam á realidade local, por exemplo, em relação à distribuição geográfica e garantia de um quadro de competências e especialidades profissionais adequadas às realidades epidemiológica e institucional do DF. Entre tais números expressivos e chamativos de atenção estão, não só a taxa de médicos per capita, comparável, no DF a países e realidades onde tais cifras são das mais altas, mas também a projeção de crescimento da força de trabalho médico proporcionalmente à população, para as próximas décadas, aspecto em que, mais uma vez a distância da realidade local em relação ao que se prevê para o restante do país é bastante notável. Entretanto, é preciso lembrar que, no capítulo das desigualdades, o DF apresenta posição desfavorável, aqui existindo muito mais recursos à disposição de usuários privados do que de usuários exclusivos do SUS. Vamos a algumas das informações trazidas pelo estudo.

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