O SUS: histórias que ninguém contou

Todo mundo tem um amigo, parente ou conhecido que esteve em uma unidade do nosso sistema de saúde e saiu de lá com alguma reclamação a fazer. Mesmo diante de tais argumentos eu tenho sido desde sempre um defensor do SUS, aliás, participei de sua construção, como militante do Movimento Municipalista de Saúde, gestor público, docente e pesquisador universitário. Isso não tem impedido, todavia, que algumas vezes me acusem de ser um “inimigo” do SUS, pois não deixo de fazer críticas ao que ele tem de equivocado ou daquilo que precise ser reciclado no mesmo. Com os textos que exponho a seguir, escritos nos últimos anos, estou menos preocupado com a defesa do SUS, mas em contar uma história do mesmo que, a meu ver, ainda não foi contada em suas nuances, às vezes curiosas e até mesmo pouco honrosas, mas sempre com honestidade intelectual. Deixo claro, o que vai aqui não seria jamais a visão do historiador, que não sou, mas também não é a visão do militante obnubilado (aspecto comum…) pelo equívoco de que com tal construção o país “já chegou lá” em matéria de saúde. Não pretendo também usar voz do acadêmico ou do gestor público, mas sim aquela do ator social que viu as coisas de perto, ou seja, que esteve envolvido diretamente com a construção do sistema. De toda forma, meu objeto aqui é memorialista e assim não posso me furtar a falar do que vi e aprendi como pessoa que participou da criação do SUS. Admito que falo dele nem sempre com clemência, às vezes com decepção, mas sempre com esperança. Trago aqui algumas reflexões produzidas por mim ao longo de minha carreira, bastante enxugadas agora, para felicidade de meus leitores. Nelas busco recuperar um pouco de meu trajeto e de minhas ideias principais a respeito do sistema de saúde brasileiro. lutas. Creio, seja por sorte ou virtude, talvez tenha sido alguém que estava na hora e no lugar certos naqueles idos da década de 80. Me dê agora o prazer de sua leitura (ver a seguir)…

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Saudades da era pré-SUS? Fala sério…

A recente onda de revival político instalada durante o governo que passou, com aquela história de que não houve ditadura no Brasil e também que nesta época o país era melhor do que atualmente, parece ter seus desdobramentos também no campo da saúde. Não é que outro dia na fila da farmácia um senhorzinho insistia em afirmar à mocinha à sua frente que na área da saúde “as coisas haviam piorado muito” e que bom mesmo eram aqueles tempos em que as pessoas dispunham de uma “carteira do instituto”? Quanto à primeira parte da afirmativa, poderíamos até lhe oferecer o benefício da dúvida, indagando: as coisas pioraram para quem? Mas a segunda parte, que fala da tal carteirinha, não tem perdão. É coisa de fato inafiançável (para dizer pouco…). Para quem não sabe o que é isso (afinal é coisa quase tão antiga no Brasil como o golpismo fardado) eu explico: houve uma época que o direito pleno à saúde era conferido apenas a quem tinha emprego formal e filiação aos antigos Institutos de Previdência (que depois se transformaram no INPS), ou seja, alcançava menos da metade da população do país. Então, como a saúde no país poderia ter sido considerada adequada em tais tempos? Eu fui testemunha disso, pois nasci, cresci e me formei em medicina debaixo de tal sistema, perdão, antissistema. Havia filas imensas em toda parte, nos serviços filantrópicos, públicos e até mesmo nos previdenciários; mortes em tais filas faziam parte da paisagem, da mesma forma que partos em taxis e viaturas policiais; morriam crianças aos montes por simples diarreias. Para quem podia pagar consultas e internações em cash tudo corria bem. Mas eram bem poucos os habilitados a isso. Isso para não falar na corrupção incontrolável que regia a contratação de serviços privados (a regra em tal sistema) pelos tais institutos. Alguém diria: mas filas e corrupção existem ainda… Concordo, mas vamos combinar: o SUS é uma solução, sim, embora apresente problemas, mas definitivamente não é um problema sem solução. Tenho apresentado e discutido aqui neste blog algumas dessas saídas. Hoje quero mudar o tom, trazendo três relatos (“casos”) de meu livro de memórias (Vaga, Lembrança – edição pessoal, Brasília, 2021), mostrando aos leitores uma ideia do que representavam, de fato, aqueles tempos em que, segundo pontificava o dito senhorzinho, a saúde era melhor do que no Brasil de hoje. Será?

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Escuta cidadã qualificada versus “controle” social

Com todo respeito, quando leio as leis e regulamentos existentes sobre a participação da sociedade nas políticas públicas no Brasil, especialmente na saúde, o que vejo são fórmulas burocráticas. Podem até ser bem intencionadas, mas seu caráter pesadamente formal e burocrático as torna pouco funcionais. Refiro-me diretamente, por exemplo, ao que nos oferece a Lei Orgânica do SUS, na qual se fala em paridade e poder deliberativo, além de conselhos formados por representações institucionais formais, mas não necessariamente representativas do conjunto dos interesses da sociedade. Não se preocupem, não me tornei, de repente, um herege em relação ao nosso sistema de saúde (embora pense que uma boa dose de crítica possa fortalecê-lo mais do que destrui-lo). É que essas coisas já estão superadas, se é que foram cogitadas, em realidades mais avançadas e dinâmicas do que a brasileira, em termos de democratização do Estado. Em tais questões, para mim seria o caso de nos esforçarmos em deixar de “fazer mais do mesmo”, em troca de inovar e incrementar métodos e conteúdos que valorizariam uma das mais importantes fatores introduzidos na administração pública contemporânea, quais sejam os mecanismos de instrumento de participação social. Vamos então, ao invés de “controle social” e outras alegorias congêneres, tão ao gosto da militância do SUS, pensar em Processos de Ausculta Cidadã Qualificada, nos quais a escolha dos cidadãos deve partir de requisitos menos formais, tendo como foco o interesse direto dos mesmos, seu grau de informação ou até mesmo sua representatividade em termos estatísticos.

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Voluntariado e Saúde

Visando inovar neste espaço, apresentamos hoje um diálogo entre Flavio Goulart e Henriqueta Camarotti sobre a atividade de voluntariado e suas implicações no setor Saúde, coisa que tem muito a ver uma com a outra. Aqui no Brasil somos testemunhas das várias entidades religiosas que se dedicam a isso, pelo menos em suas origens, com especial menção às Santas Casas de Misericórdia, cuja primeira unidade foi fundada no Brasil poucos anos depois da chegada dos portugueses. Sem esquecer das múltiplas entidades espíritas, evangélicas e de matriz afro, sem falar de muitas outras iniciativas derivadas diretamente da sociedade civil, sem qualquer ligação religiosa, que também fazem parte desta ação civil tão especial. Vamos ao tal diálogo, então, ao qual convidamos os leitores a participar.

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