Gente rara, mas não invisível

Uma doença pode ser considerada rara, segundo a Organização Mundial de Saúde, quando afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 para cada 2 mil pessoas. No Brasil a estimativa é de que existam pelo menos 13 milhões de pessoas com doenças deste tipo; no mundo seriam 300 milhões. Acredita-se que que existam de seis a oito mil tipos dentro de tal categoria. Entre seus portadores, 30% morrem antes dos cinco anos de idade; 75% são crianças e 80% têm origem genética. Alguns desses pacientes não suportam a luz solar; outros não enxergam; muitos têm dificuldades de movimentação; mais outros dependem de oxigênio em balões por toda a vida; há os que dependem de assistência médica contínua; muitos morrem cedo, muito cedo. É muita gente, muito sofrimento, sem dúvida. O que é apenas raro em uma visão do senso comum significa, para esses indivíduos, um fator que lhes avassala a existência, que lhes afeta de maneira extrema, que muitas vezes aniquila sua vida social e causa enormes perdas materiais para suas famílias. Por mais que as cifras globais sejam pequenas, trata-se de uma situação que, em termos quantitativos individualizados, representa nada menos, nada mais, do que 100% de impacto na vida de cada uma das pessoas afetadas. Trago aqui hoje um pequeno exercício ficcional sobre esta questão.

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Vai bem a nossa Saúde?

Pesquisas de opinião sobre qualquer assunto são importantes, mas devem ser analisadas em função do contexto em que são produzidas, além de questões de método, claro.  A recente experiência brasileira com o bolsonarismo – que Los Hermanos Transplatinos acharam por bem reproduzir agora – mostrou um lado obscuro e até mesmo malévolo na interpretação de tais enquetes. De fato, é demasiadamente humano buscar em qualquer fato da vida uma explicação que atenda nossas crenças e interesses, mas a maneira como isso foi feito pelo Gabinete do Ódio instalado no Palácio do Planalto ultrapassou todas as fronteiras da intencionalidade enviesada e da desonestidade. Mas como aqui é um blog honesto, vamos comentar a recentíssima pesquisa sobre a atuação do governo federal na Saúde e outras áreas realizada pelo DataFolha. Não sou daqueles que acham que Datafolha e FSP façam parte de um tipo especial de gabinete do ódio e da mentira, um componente das forças golpistas. Mas também não o exato contrário disso. Para falar a verdade, confio mais na Folha do que em muitos sites que mal e mal disfarçam sua condição de porta-vozes extra oficiais do Governo, dos quais me abstenho de citar nomes. Sem impedimento de que também a FSP tenha seus interesses particulares, que nem sempre são os mesmos da maioria da população ou dos setores menos bem aquinhoados. Mas vamos aos resultados da tal pesquisa, com os comentários devidos.

[ESTE BLOG ESTARÁ EM RECESSO ATÉ O FINAL DE JANEIRO]

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Ainda a condição de morar na rua…

Aproveitando o ensejo de dois posts nas últimas semanas sobre a população em situação de rua no DF e no Brasil, trago aqui hoje aos meus leitores uma tentativa de ficção sobre tal assunto. O Jardineiro de que falo existiu (ou existe) de verdade. Era uma das pessoas em tal situação, uma das milhares que existem aqui em Brasília. Eu vi este rapaz trabalhando ativamente em seu jardim, talvez durante mais de um ano, na quadra 304 Norte. Depois sumiu, mas não sem antes deixar para mim a inspiração para tentar captar a sua mensagem paisagística. Espero que gostem.

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Morar na rua é para os fortes… Considerações sobre a população sem teto em Brasília

[Texto em parceria: Flavio Goulart e Henriqueta Camarotti].

Lemos na página web da SES-DF que a mesma está promovendo a vacinação de pessoas em situação de rua e mais outros interessados no Centro de Atenção Psicossocial para Tratamento de Álcool e Outras Drogas (Caps AD III), localizado no Setor Comercial Sul. Tal setor, junto com a Rodoviária do Plano Piloto, para quem não sabe, são áreas da cidade onde vivem muitas pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade social e este Caps AD III costuma ser a unidade de saúde preferencial dos mesmos. Lá é oferecido atendimento às pessoas com sofrimento psíquico associado ao uso de álcool e outras drogas, em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. A assistência é realizada por uma equipe multiprofissional, composta por psiquiatras, clínicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros e farmacêuticos. Todos os imunizantes do calendário vacinal oficial de adultos estão disponíveis por lá. Diante da situação geral do país, particularmente no atual cenário pós pandemia e de desmonte de políticas públicas, pergunta que se impõe é: como está a situação do país e do DF neste quesito? O que pode ser feito e o que vem sendo feito a respeito?

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O sonho de Dom Bosco: o povo de rua no DF ainda procura pela tal fonte de “leite e mel”

A Codeplan-DF nos apresenta os resultados de uma pesquisa sobre o perfil da população em situação de rua em nossa cidade, que teve como objetivo quantificar e diagnosticar o perfil da população em tal situação no Distrito Federal, visando subsidiar proposições e políticas públicas alinhadas às necessidades dessa gente. Assim, foi realizada não só uma contagem das pessoas em situação de rua que estivessem no espaço das vias públicas, em serviços de acolhimento institucional e em comunidades terapêuticas, mas também a caracterização, por amostragem, do perfil de tais pessoas. Esta pesquisa vem suprir uma lacuna de 11 anos sem estudos de tal natureza, já que o último destes, realizados pela Universidade de Brasília, data de 2011. O fato é que nesta última década muita coisa mudou na cidade – e para pior – considerando que nos últimos dois anos e meio tivemos uma pandemia, na qual a necessidade de isolamento trouxe novos impactos para a população em situação de rua. Afinal, se a ordem geral é para ir para a casa, para onde iriam as pessoas que não dispõem de moradia? E é em tal cenário que a população que ocupa os espaços da rua saltou aos olhos de todos nós, mesmo daqueles que não estavam acostumados – ou de alguma forma se recusavam – a enxergá-la. As constatações mais simples de tal estudo são que a população em situação de rua é heterogênea, está em uma situação de pobreza e sem vínculo com uma moradia fixa. Contudo, o que o senso comum diz sobre tais pessoas nem sempre é preciso, mostrando a pesquisa, por exemplo, que tais pessoas, no geral, estão em situação de insegurança alimentar, querem sair da situação de rua e buscam um emprego para conseguir essa mudança. O leitor poderá acessar o texto completo do relatório no link abaixo, mas aqui vai uma síntese dos achados do mesmo, além de alguns comentários meus. Nada mais distante daquele sítio onde jorraria “leite e mel”, segundo o sonho atribuído a São João Bosco, ainda no século XIX e que faz parte do imaginário de Brasília desde os anos de sua fundação – sonho enganoso, como se vê. Na próxima semana vamos prosseguir com este assunto, até porque há divergências nas estatísticas sobre o total da população de rua em Brasília

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