Ideias falsas e propostas mirabolantes sobre a organização de serviços de saúde

Que bobagens! Digo isso inspirado no livro recém lançado de Natália Pasternak e Carlos Orsi, de nome semelhante, que já chegou levantando polêmicas, as quais – é bom dizer – costumam trazer mais contribuições ao conhecimento do que a paz sepulcral das verdades incontestadas. Dizem eles: “a maioria das pessoas parece ter, pelo menos, uma pseudociência de estimação”. Parece ser o caso na área da saúde, na qual o Brasil parece ter mais “especialistas” (ou pseudo-especialistas) do que no futebol. Assim, um pouco ceticismo, ainda mais diante de certas soluções geniais que nos apresenta o famigerado senso comum, só poderia nos fazer bem. Pasternak e Orsi abordam doze temas que não passam pelo crivo da ciência; aqui seremos mais modestos, falando apenas de saúde pública, mas os leitores podem ter certeza que a nossa lista também é grande e densa. Outra citação da dupla que cai como uma luva: “Energias curativas, bolinhas de açúcar mágicas, terapias que invocam os antepassados e maluquices inventadas operam, todas, sob ‘leis de tapete voador’. Podem render boas metáforas, boa literatura, boa retórica, mas assim como a Odisseia não prova que os deuses do Olimpo existem, uma história bem contada não é necessariamente uma história real.” É isso aí. É preciso contestar o pensamento mágico e destituído de evidências, além de identificar e denunciar os mercadores de ilusões e suas soluções mágicas. Vamos em frente.

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Judicialização na Saúde: problema ou solução?

Leio na página web da SES-DF que o tema da judicialização da saúde motivou, no dia 15 de
agosto último, um encontro de gestores da Saúde com a Defensoria Pública do DF, através de uma Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde, na busca soluções para demandas encaminhadas à Justiça pelos usuários do SUS no Distrito Federal. Tal órgão, existente há uma década, tem como missão intermediar tais demandas por serviços e produtos de saúde pública, além de evitar ações judiciais no setor. Fiquei sabendo, também, através da mesma matéria, que em média são recebidas mais de uma centena de solicitações de ajuizamento por dia. É muita coisa! Mas afinal de onde vem tal prática? Isso seria vantagem ou prejuízo para os usuários e para o sistema de saúde? Penso que caberia refletir um pouco sobre tal questão), complexa, sem dúvida, como aliás quase tudo que diz respeito à saúde dos indivíduos ou da população como um todo. Há um lado positivo, sem dúvida, o da garantia judicial de que as pessoas recebam o que lhes é de direito, pois, afinal, está escrito na Constituição, com todas as letras, que “saúde é um direito de todos”. Esta é a parte boa da história, mas receio que ela nem sempre seja utilizada para o bem. Como assim, acaso poderia ser para o mal? Infelizmente a resposta é positiva, pois muitas vezes, na ânsia de não serem presos ou processados pelos juízes, os Prefeitos e Secretários de Saúde, fazem malabarismos contábeis para comprar remédios sofisticados ou mesmo procedimentos onerosos sem licitação ou quaisquer regras regulamentares, só para atender a determinação judicial. De tal ilícito poderiam até serem inocentados pelos mesmos juízes, mas o mal não está só nisso. O problema é que juízes podem entender de Direito, mas não de Medicina ou Farmacologia… E a questão principal é: dinheiro não é feito de elástico e em ambientes de escassez, como geralmente acontece na Saúde, quando você puxa de um lado, há de faltar em outro. A famosa regra do cobertor curto… E do lado em que ocorre a falta também ocorrem problemas graves, deixando pacientes sem medicamentos, diárias de UTI não cobertas, leite especial para recém-nascidos não fornecido – por exemplo. Isso sem falar do custo que os processos judiciais têm para a própria Justiça, que mesmo rica como é no Brasil (embora morosa), também diz sofrer por falta de recursos. Temos que discutir isso.

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Bolsonarismo médico: longe do fim, infelizmente

Os médicos brasileiros – nem todos, mas com certeza aquela maioria diretamente influenciada pelos dirigentes dos Conselhos Federal e Estaduais de Medicina – foram sem dúvida cúmplices das ideias bolsonaristas sobre a pandemia, aí incluídas o receituário de cloroquina e ivermectina e a rejeição às medidas de isolamento. O DF não escapou disso, lamentavelmente.  Mas agora a situação parece estar mudando. Ou não? Com efeito, a semana que passou foi marcada pelas eleições dos conselhos regionais. No geral, as chapas de situação, dominadas pelo conservadorismo bolsonarista e com direito a muito uso da máquina, se saíram vencedoras em todo o Brasil. No entanto, aqui em Brasília, a chapa de oposição conseguiu a vitória, mesmo sob fortes restrições impostas pela comissão eleitoral situacionista. Seria esta uma guinada incipiente nas orientações políticas desta categoria historicamente conservadora? No meu entendimento, é muito cedo para afirmar algo assim, mesmo que estejamos diante de uma transição geracional e de marcante incremento da quantidade de médicos no país. Aqui no DF, é bom lembrar, o CRM apoiou integralmente as diretrizes do CFM quanto ao uso da cloroquina, sem qualquer evidência, mesmo tendo sido confrontado por um abaixo assinado com grande quantidade de assinaturas. E certamente por influência de tal movimento de base, surgiu a iniciativa denominada Médicos em Movimento, que passou debater e propor mudanças, agora refletidas na chapa vitoriosa. Sem dúvida, tudo indica que aqui no DF havia marcante insatisfação com a cúpula médica, eternizada no poder graças a experiência acumulada na direção dos órgãos da categoria, além do CRM as associações médicas e sindicato.

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Novo PAC: melhor do que isso só se for verdade…

Com algum estardalhaço, se bem que merecido, Lula lançou há poucos dias um amplo e variado programa de governo, denominado de “Novo PAC”. Esta vez ele não nomeou uma “Mãe do PAC”, como fez com Dilma e que acabou dando no que deu. Mas agora, sem dúvida, a pater(mater)nidade é de Luiz Inácio.  Por ora, digo que “melhor do que isso só se for verdade” por motivos que exporei adiante, pois admito que na saúde, pelo menos, o que está posto é muito bem-vindo. Aliás, a nossa área quase foi liquidada na gestão(?) de sucessivos mandatários incompetentes nos últimos seis anos, com o preenchimento de cargos técnicos com um batalhão de capitãs e capitães cloroquina de variada patente e escassa qualificação. Sem falar do descrédito lançado sobre os programas de imunização e outras ações de governo; a restrição de recursos a programas estratégicos; as propinas na compra de insumos; a prescrição de remédios sem efeito; as perdas derivadas de armazenamento de insumos sem qualquer controle; a sonegação de informações colocadas sob sigilo de um século; as idas e vindas das autoridades; além do maior escândalo de todos, este de proporções verdadeiramente bíblicas (literalmente…), qual seja a condução desastrosa e até mesmo criminosa, por premeditada, que marcou as ações do Governo Federal na pandemia de covid. Assim, é preciso contar com muita competência, resiliência e pertinácia do atual governo para corrigir tanto desmantelamento. É o caso de se falar em recomeço ou mesmo reconstrução, mais do que retomada, reação, recuperação ou mera reavaliação.  Mas vamos ver o que está anunciado neste Novo PAC.

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Da segurança pública em Brasília e no Brasil (Parte II)

Na última semana trouxe aqui uma análise sobre os dados do Anuário da Segurança Pública no Brasil, relativos a esta política pública (ou ao fracasso da mesma…) no país. Foram destacados os dados do Distrito Federal, em termos comparativos com outras unidades federativas, com a ressalva de que o ideal seria comparar nossa cidade apenas com as capitais. Hoje vamos prosseguir, com informações sobre crimes patrimoniais e ataque a vulneráveis, tendo como base o ano de 2022 e a taxa calculada para 100 mil habitantes. Assim, por exemplo, no quesito do roubo ou furto de telefones celulares, o DF conta com um dos indicadores mais elevados do país, acima de 1000 por 100 mil habitantes, junto com o estado do AM, por exemplo, e bem acima do menor valor, que é o do RS, onde não passa de 160. A média nacional não chega à metade de tal cifra. No estelionato por meio eletrônico também nos perfilamos no topo do ranking, acima de 300 por 100 mil habitantes, tendo como companhias SC e ES, versus 189 como média do país. No roubo a residências: 9,7 no DF versus 14,7 no Brasil. A taxa daqui está entre as menores do país. As mais elevadas (acima de 100) estão em AP e RO. Em relação ao roubo a transeuntes, no DF 590,5 x Brasil 247. Roubo (total) 821,5 (DF) x 456,2 (Brasil).

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