Da segurança pública em Brasília e no Brasil

Como todo mundo já deve ter lido e ouvido por aí, saiu a edição de 2023 do Anuário da Segurança Pública no Brasil, com dados abundantes e confiáveis sobre variados aspectos relativos a esta política pública (ou ao fracasso da mesma…) no país. Vamos a uma análise sobre tal questão, destacando os dados do Distrito Federal, em termos comparativos com outras unidades federativas. O ideal seria comparar apenas com as capitais, mas isso só é possível em relação a alguns indicadores. O problema da comparação com os estados é que os dados destes refletem realidade bem mais complexa, que reúne não só capital e interior, mas também cidades de porte radicalmente diferente, bem como realidades socioeconômicas e culturais diversas. Isso pode ter como desdobramento uma diluição de algumas das cifras, muitas vezes em desfavor do DF nas comparações.  

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Vitor Machado: in memoriam

Como disse Brecht, há homens imprescindíveis. Perdemos um desses na última semana: Vitor Machado, meu amigo de muitos anos . Registrei meus sucessivos encontros com ele em uma passagem de meu livro de memórias Vaga, lembrança e trago isso aqui de volta, para homenagear este cara fundamental em minha vida e na vida de muita gente mais. Eu o conheci em 1982, quando eu era professor na Universidade Federal de Uberlândia. Ali eu fazia parte de um projeto de extensão universitária e naquele momento era membro de uma banca de seleção de coordenador de uma das Unidades de Saúde integradas ao mesmo. Os candidatos eram, de maneira geral, revestidos da maior previsibilidade: médicos já atuantes na rede que desejavam, mais do que uma posição de poder, o adicional de salário que tal função lhes conferiria. E foi então que surgiu aquele sujeito que viera de fora, um pouco sisudo, mas muito bem articulado. Uma daquelas pessoas que te olham de frente – e ele o fazia com leveza e confiabilidade, seus olhos cinza-esverdeados pareciam demonstrar isso. Foi aprovado para a única vaga existente e pouco depois conseguiu outra função, para o que teve que reduzir sua carga horária na tal unidade. Assim, honra-me muito dizê-lo, ele foi preencher a vaga que eu havia deixado na Diretoria Regional de Saúde, por ter sido, naquele momento, nomeado Secretário Municipal de Saúde.

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Gestão bem sucedida em saúde: por que alguns sim e outros não?

Há alguns anos atrás produzi uma tese de doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, no Rio de Janeiro, na qual analisei os fatores de êxito de experiências de Saúde da Família no Brasil (SF), a partir de seis estudos de caso, considerados então como bem sucedidos. Esta iniciativa, que na época ainda não tinha completado 10 anos de existência, como toda política social, situava-se em um movimentado cruzamento de princípios e estratégias operacionais, com frequentes contradições, de natureza político-ideológica ou conceitual. Mesmo hoje, decorridas duas décadas, creio ser possível estender minhas conclusões no sentido de responder à questão colocada no título deste artigo: o que faz, de fato, algumas experiências de gestão em saúde serem bem sucedidas, ao contrário de outras, que não chegam a alcançar tal status? Assim trago aqui algumas conclusões e desdobramentos do processo de análise desenvolvido em minha tese (ver link ao final).

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Atenção Primária à Saúde e Saúde da Família

As origens da atenção à saúde do grupo familiar remontam, como se sabe, aos primórdios da medicina. Durante muitos séculos, com efeito, na vigência do modo artesanal de prática médica, o locus preferencial da atenção era o consultório dos médicos que, não raro, se situava no âmbito da própria residência destes profissionais. Alternativamente, o cuidado era prestado nos domicílios dos pacientes, sob as vistas diretas das famílias e, não raramente, com sua participação direta no processo de cura. No Brasil, a implantação da política de saúde denominada de Saúde da Família a partir de meados dos anos 90 teve como substrato conceitual a noção de Atenção Primária à Saúde (APS), nos termos que é definida em documentos da Organização Mundial de Saúde (WHO, 1978). É preciso definir, de início, os diversos elementos conceituais que distinguem o que se chama hoje de práticas em “Saúde da Família”, demonstrando, ao mesmo tempo sua vinculação conceitual com a APS.

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17ª. Conferência Nacional de Saúde: foi bonita a festa, pá!

Acaba de ser realizada aqui em Brasília a Conferência Nacional de Saúde. A décima sétima, algo que definitivamente não é pouca coisa, em um país em que a mortalidade das instituições (inclusive daquelas que são realmente úteis e significativas) costuma ser alta e precoce. Mas esta aí sobrevive à sanha destruidora nacional. E eu lá estive presente – em posição bastante honrosa, aliás, como membro da comissão de relatoria. É sobre ela que passo a falar agora. Em meu favor, posso ainda dizer que provavelmente eu talvez fosse, entre os presentes, um dos poucos que também esteve no evento correspondente de 1986, a Oitava Conferência, na condição de delegado. Nela, aliás, foram efetivamente lançadas as bases do SUS, para dizer pouco. Fica assim registrado, portanto, um ponto de valor para esta Conferência, como momento de encontro entre pessoas de uma geração jovem, ou, pelo menos, bem mais jovem que a minha. Em ambientes assim, fique claro, o arejamento e a circulação de ideias inovadoras tendem a ser a regra. Para início de conversa, quero justificar a palavra “festa” no título acima. Longe de desqualificar, quero dar ao evento um status que a meu ver é justo e honroso. O problema talvez esteja em querer dar a ela o estatuto de instância essencial na definição das políticas de saúde no Brasil. Alto lá, vamos devagar… Ela é sem dúvida uma delas, ao lado do Legislativo, do próprio Executivo, do Judiciário e de outros grupos e atores sociais que interagem diretamente com o processo de governar, todo o tempo e em em toda parte. Mas realmente fui bonita a festa, para ficar no mote buarqueano, que serviu de lema ao evento. ! Alguns milhares de pessoas se acotovelavam nos grandes e luxuosos espaços de um Centro de Convenções privado. Nada de ginásio de esportes, como aconteceu na Oitava. E havia de tudo ali: cadeirantes e outros portadores de necessidades especiais; indígenas (de variadas características étnicas, por sinal, alguns até bem brancos, ou negros); mães, pais e filha(o)s de santo, orgulhosos de sua matriz africana;  ciganos e outros representantes de minorias; profissionais de saúde da vertente oficial-formal, bem como das diversas práticas complementares; gente de terno e gravata ao lado de outros portadores de cocares e vestimentas coloridas; representantes de movimentos identitários, com seus xales e vestes com as cores do arco íris, além de muitos outros, de cuja real extração profissional, étnica, espiritual, afetiva ou regional só se poderia revelar quando eventualmente se apresentassem em plenárias ou grupos de trabalho. Mas para falar a verdade, em alguns momentos me passou um fio de decepção na espinha: quando toda aquela gente prenhe de generosas ideias se via obrigada a penosas sessões de cômputo de votos contra, a favor ou de abstenção, em relação às centenas de propostas colocadas em discussão. Achei aquilo parecido com o que se vê nas olimpíadas, quando artistas da dança e da ginástica veem suas performances serem submetidas a notas, a meros números!, emanados por uma comissão de juízes, a maioria dos quais seria totalmente incapaz de realizar qualquer das tarefas que aqueles que estão sob julgamento são perfeitamente capazes. E a minha preocupação é simples: ao quantificar performances ou adesões a ideias, ainda mais em ambientes de competição e disputa por primazia, o nobre e verdadeiro espírito, seja da arte (ou da participação social), se dilui e talvez até fique perdido.  Mas, enfim, toda aquela festa terá valido a pena? Penso que sim, mas como o que já está bem posto pode sempre passar por melhoras, vamos a algumas ideias. Mas atenção, gente boa e participativa: “controle social”, “poder deliberativo” e “paridade” são expressões que precisam ser melhor entendidas. Controle social e Deliberação são produzidos por uma cadeia de atores, que inclui não só Conselhos e Conferências de Saúde, mas também Legislativo, Judiciário e Executivo, além de entidades da sociedade civil com capacidade própria de representação. Já a Paridade, no caso das Conferências, é algo que simplesmente vai CONTRA a Democracia. Enfim, o processo pedagógico, simbólico, comunicativo das centenas de conferências realizadas pelo país a fora vale mais, muito mais, do que este exaustivo cômputo numérico, que acirra a polarização entre os participantes e pouco acrescenta em termos de valor ao processo participativo.  Em outras palavras, trata-se de uma questão de buscar consensos mais do que peso numérico às propostas surgidas nas Conferências Estaduais. E apostar no vasto espectro de tais propostas recolhidas pelo país a fora, não em sua súmula matemática. Vamos fazer que esta festa cívica seja comemorada como tal – o que já seria algo muito valioso – mas que além disso produza consequências não ilusórias para a política de saúde do Brasil, sem aquelas pretensões de “controle” ou de “poder deliberativo”.

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