Ainda o Entorno …

Tenho tratado da questão do Entorno aqui neste blog por vezes sucessivas. O Correio Braziliense desta semana (ver link) anuncia novas cenas do show de horrores que costuma pautar a vida dos moradores da região. O drama atual é de que os motoristas de ônibus da empresa que serve à população de Águas Lindas (nem águas, nem lindas…) de Goiás, fazem greve por estarem sem receber reajuste salarial há três anos, reclamando, também, das condições de trabalho. Não entrarei no mérito disso, mas é estranho que tal ação não seja respaldada por algum sindicato, conforme a norma histórica da representação do trabalho perante o capital. Sobre isso, como dizem os causídicos, me falece competência. Uma coisa é certa: ninguém mora neste lugar e é obrigado a vir diariamente ao DF pelas qualidades de seu clima ou por suas belezas naturais. Assim, já se sabe muito bem quem são os maiores prejudicados. A questão aqui é outra e aproveito a oportunidade para mais uma vez denunciar a maneira superficial, ou até mesmo irresponsável, com que as sucessivas administrações do DF – e outro lado da mesa, de Goiás – vêm tratando as questões do Entorno, seja na saúde, na mobilidade, na gestão urbana, na segurança pública e em outras áreas, fazendo corpo mole e um verdadeiro um jogo de empurra com ações eternamente desencontradas (ou falta delas). Em suma, não existe decisão política adequada e muito menos mecanismos adequados de gestão pública em tal área, cuja (de)formação deriva nitidamente da criação do DF, há seis décadas.  A solução, enfim, depende de uma governança integrada, o que requer a ampliação do escopo da gestão dos vários participantes da equação assistencial, em termos de meios e de fins. E que se destaque que de fato é grande a responsabilidade do DF em relação a isso, além daquela do correspondente governo goiano. Como resolver isso? Seguem alguns princípios que deveriam orientar as ações de governo relativas a tal área.

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O SUS entre o triunfalismo e o negacionismo

Pobre SUS: alguns o ameaçam e o desacreditam como podem. Outros conferem a ele um caráter mítico, capaz de fazê-lo triunfar pelos seus méritos absolutos e inquestionáveis, como se o mesmo não tivesse problemas de sobra e como se os seus negacionistas não tivessem a força (e os argumentos) que realmente possuem e viessem a ser derrotados apenas pela luminosidade da verdade. Aquela verdade em que os tais triunfalistas acreditam, é bom lembrar. Exemplificando: li por estes dias (ver link) a entrevista de Tulio Franco, docente da UFF e emérito sanitarista ligado ao main-stream da esquerda sanitária nacional (não vai aí nenhum demérito). Disse ele a respeito das investidas do Centrão para a substituição da Ministra da Saúde Nisa Trindade: Não senti uma ameaça por dois motivos: tem um novo sujeito coletivo em cena, que é o movimento social da saúde, de base social e ampla que a do sanitarismo tradicional e que inclui movimentos sociais de origens diversas e até externos à Saúde. Pela sua multiplicidade e base nacional, e por ter sido formado no período recente de luta pela reconstrução do país, é muito forte. Está ativo e vigilante, o que é percebido pelos atores políticos”. E prossegue: “Vencemos a eleição, participamos da transição, comemoramos a indicação da ministra Nísia e estamos em várias estruturas de participação social do governo. Isso também legitima o movimento e o ministério da forma como está constituído, sob forte compromisso com a construção do SUS e da democracia. Tudo isso forma uma base social forte e sólida, que protege a Saúde contra os arroubos fisiológicos”. Mas não é só ele. Sônia Fleury e Luiz Antônio Neves, dois sanitaristas do Rio de Janeiro, ligados à mesma corrente pró-SUS a que eu chamaria de triunfalista, em alto e bom som sobre o mesmo assunto afirmaram: “a sociedade já está mobilizada em apoio ao SUS e à gestão da Nísia Trindade no ministério da Saúde, e em defesa da democracia que vai muito além do sistema eleitoral e partidário, pois se concretiza no modo de vida cotidiano […] falta ainda [ao novo governo] o entendimento de que a saída do círculo de giz, no qual as forças reacionárias e conservadoras pretendem imobilizá-lo, encontra-se justamente na mobilização da sociedade que lhe assegura governabilidade”. Melhor do que isso só se fosse, se não a verdade pura, pelo menos ideias marcadas pelas evidências. Mas não o são… E digo os por-quês a seguir.

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A Saúde Mental e a noção de Valor

[Texto em coautoria com Henriqueta Camarotti – Médica psiquiatra e Gestalt-terapeuta em Brasília.] O sistema de saúde é remunerado (e, portanto, movido) em quase toda parte do mundo, por raciocínios relativos a “volumes” (ou quantidades) e não a resultados e valores. Mas atualmente existe um conceito novo sobre isso, a saúde baseada em valor, ou seja, um modo de prestação de cuidados de saúde em que os prestadores são pagos com base nos resultados de saúde do paciente, em termos de reduzir os efeitos e a incidência de doenças crônicas e assim permiti-los viver vidas mais saudáveis. Sem esquecer que também está em jogo gastar menos dinheiro, com maior eficiência.  Isso acarretaria em benefícios não só para os sistemas de saúde em sua totalidade, mas também para prestadores, financiadores e para a sociedade como um todo. Até aí tudo bem, mas é preciso pensar também a partir do ponto de vista dos pacientes, que afinal de contas deveriam representar o foco primordial da existência de tais sistemas. Do ponto de vista destes, é preciso ir além de apenas se gastar menos e incrementar a eficiência, para se conseguir, de fato, um melhor atendimento. Assim, em modelos de cuidados baseados em valor, o que deveria ser almejado, mais do que simplesmente baixar custos, oferecer suporte aos pacientes para a se recuperarem de doenças e lesões mais rapidamente e evitarem doenças crônicas, dando como resultado menos consultas, exames e procedimentos médicos, com menor gasto com medicamentos. Além disso, garantir satisfação com o atendimento, promover a humanização e a ética dos cuidados, com vistas na qualidade de vida, na prevenção de recaídas ou novas enfermidades. Vamos refletir um pouco sobre tal conceito, em relação a sua aplicação à saúde mental.

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SUS: Estrutura e Princípios (Documento Oficial do Ministério da Saúde – Brasil)

Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Primária, até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país. Com a sua criação, o SUS proporcionou o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação. A atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco na saúde com qualidade de vida, visando a prevenção e a promoção da saúde.

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Políticas de Saúde comparadas: Participação Social em Portugal e no Brasil

[Ainda surfando na onda cívico-energética trazida pela 17a. Conferência Nacional de Saúde, trago hoje aos leitores algumas informações sobre o tema da Participação Social]

Em fevereiro de 2019, vivendo em Portugal durante um período sabático, publiquei aqui um texto comparativo entre os sistemas de participação social em saúde nos dois países (ver link ao final). Algumas diferenças marcantes, foram apontadas por mim, entre elas a relativa modéstia da legislação portuguesa ao ponto de parecer, por exemplo, excludente em relação ao segmento dos usuários, apesar de mostrar uma feição mais polissêmica, com níveis de representação múltiplos e diferenciados e atores diversificados, além de situados em diferentes pontos da cadeia democrática. Neste aspecto, é preciso distinguir que o sistema político português é parlamentarista desde sua base municipal e no qual o princípio da “separação de poderes” faz pouco sentido. Os usuários (utentes) de fato estão pouco representados no sistema português, sendo mesmo escolhidos de forma indireta, pelo Legislativo e não por organismos da própria sociedade. Mas em compensação os mecanismos democráticos são bem mais amplos e ramificados neste país, com um sistema representativo parlamentarista, de forte base local (voto distrital) e mecanismos de prestação de contas mais apurados por parte dos representantes. No fundo, é como se a democracia em Portugal se distribuísse igual a “raízes de grama”, não através de uma plantinha aqui e outra ali, para usar uma imagem da natureza. O sistema brasileiro promete deliberação e autonomia das decisões dos conselhos e conferências, mas na verdade não se mostra capaz de cumprir tais requisitos, até mesmo porque eles se chocam com os dispositivos constitucionais em vigor, nos quais se o poder se realiza “em nome do povo”, de forma intransferível ele é exercido, de forma indireta, por parte dos governos. Com satisfação recebo agora um documento oficial e atual sobre tal quesito, originário do Conselho Nacional de Saúde de Portugal, o que passo a comentar no link abaixo.

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