Afinal, o que seria uma “boa formação médica”?

Em texto anterior aqui no blog (https://saudenodf.com.br/2023/03/20/a-formacao-medica-e-o-distrito-federal/#more-3785) comentei alguns dados sobre a formação médica no âmbito do DF, mostrando também que seus eventuais reflexos sobre a assistência à saúde em nossa cidade representariam apenas  “mais do mesmo”, em termos de elitismo e concentração geográfica e tecnológica, além do reduzido impacto sobre os serviços prestados diretamente no sistema público.   Com efeito, duvido muito que as seis faculdades de medicina que existem por aqui, com seus quase 500 formandos anuais, todas convergentes na lógica hospitalocêntrica e centrada na doença, tenham potencial para equacionar as dificuldades que a assistência médica exibe aqui no DF, entre as quais podem ser citadas: a escassez de médicos nas unidades mais periféricas do sistema; a crise permanente de oferta de algumas especialidades; a falta de ênfase na formação generalista, essencial em qualquer sistema de saúde; a ortodoxia das práticas pedagógicas nas escolas médicas. Além disso, o verdadeiro regime de laissez-faire na formação médica instalado aqui e em todo o país mostra que são os “mercados” e não as necessidades coletivas que ditam as diretrizes para a formação médica. Mas o que seria, afinal, uma “boa formação médica”, em termos de conteúdo e práticas pedagógicas? Acrescente-se a isso questões, digamos, mais filosóficas, que comporiam a resposta à pergunta que também formulei no texto anterior: a quem interessa o atual estatuto? Já até arrisquei uma resposta genérica no texto anterior: ao SUS é que não é... Vamos desenvolver o tema um pouco mais nas linhas seguintes. Hoje contando com o auxílio luxuoso da querida Henriqueta Camarotti.

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Cinco anos de SAÚDE NO DF

Por esses dias, mais exatamente no dia 26 de março, este blog completa cinco anos e existência. Ao longo destas mais de 250 semanas foram apresentados aqui 319 textos, todos de minha autoria, com mais de 450 interações, versando sobre temas diversos de Saúde, não apenas com foco na situação do Distrito Federal, mas também do Brasil como um todo. Nos últimos dois anos duas situações dominaram o cenário: a epidemia de Covid, naturalmente, além do descalabro provocado pela dupla Bolsonaro e Queiroga. Foi dificil fugir desses temas, mas agora, pelo menos o segundo deles virou coisa do passado. As esperanças presentes não deixarão de lado o necessário espírito critico que sempre mantivemos aqui. Para comemorar esta data de aniversário e de sucesso, que sempre agradeço à cumplicidade e a atenção dos leitores, trago aqui uma sequência de publicações de nosso último ano, mediante escolha pessoal minha, que creio demonstrarem o alcance e a profundidade de nossas postagens, semanais. Espero que os leitores apreciem e que esta compilação, assim como o blog por inteiro possam ter alguma utilidade para quem se interessa e quer lutar por uma saúde melhor para os cidadãos de Brasília e do Brasil!    

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A formação médica e o Distrito Federal

O DF conta atualmente com seis escolas médicas, sendo duas públicas e quatro privadas. Juntas, elas oferecem atualmente 470 vagas anuais, três quartos das quais no setor privado, percentual que não se diferencia muito daquele do país como um todo. Em termos de taxa por 100 mil habitantes, as vagas oferecidas em nossa cidade chegam a 20,23, versus uma média nacional de 19,6. Neste quesito, o nosso vizinho GO está próximo ao DF, com 25,78, enquanto as maiores taxas estão em TO e RO (isso mesmo!), com valores acima de 44,05 e as menores em AP, PA e MA, com valores em torno de 10. Em termos de crescimento de tal oferta, comparando os anos de 2002, 2012 e 2022, no DF ele foi de 37,3%; no Brasil como um todo, 173,4%; em GO espantosos 1.121,8%! Os maiores crescimentos, acima de 500%, ocorreram em BA e RO, além de GO, não sendo raros os valores acima de 300% em alguns estados. O menor crescimento, 37,5%, ocorreu no RJ, o que não deixa de ser surpreendente, mas certamente se explica pelo número histórico de faculdades de medicina neste estado. Quanto à procedência externa dos alunos, em termos regionais, no ano base de 2018, o DF apresentava 30,9%; GO 28,1%; SP 24,5% e TO, com o maior índice, 62,2%, para tomar apenas alguns exemplos significativos. Este é um panorama meramente quantitativo, claro. Caberia formular, contudo, algumas questões relativas à nossa cidade: em que esses médicos aqui formados mudariam o panorama da assistência à saúde por aqui? De alguma forma o planejamento didático dessas faculdades leva em conta as necessidades locais? Considerando o alto percentual de formação em entidades privadas, até que ponto as diretrizes e necessidades do SUS direcionam a formação dos médicos que elas entregam à sociedade? Qual a qualidade, enfim, nos termos de uma pedagogia médica contemporânea, dos cursos aqui oferecidos? Vamos tentar ampliar e aprofundar algumas dessas questões não só nas linhas seguintes, mas em publicações adicionais.  

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Um guerreiro imprescindível em favor do SUS

Acabo de receber o livro SUS e Estado de bem-estar social: perspectivas pós pandemia, de autoria de meu amigo Nelson Rodrigues dos Santos, para todos Nelsão, no qual sou citado, com muita honra para mim. Este cara foi e continua sendo um ativista visionário que sempre empregou o melhor de si mesmo para sonhar, nutrir, respirar, viver, enfim as ideias matrizes que resultara na criação do SUS. Antes que alguém deplore os desacertos do nosso sistema de saúde, deixo bem claro: ele é uma solução com problemas, mas jamais um problema sem solução. No livro de Nelsão se resumem três décadas de lutas, feitas de derrotas e avanços, mas fundamentais para se construir um sistema de saúde muito menos excludente do que aquele que vigorava historicamente no país até a Constituição de 1988. E a narrativa não é de qualquer um, mas sim de um ator de primeira linha, um daqueles sujeitos históricos que Brecht chamava de imprescindíveis. Pois bem, tive a honra de escrever a introdução que reproduzo abaixo.  E acrescento a narrativa do nosso estimado Gonzalo Vecina Neto, docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo: A saúde é um bem público, não existe saúde privada. Existe o setor privado realizando ações de saúde e buscando ganhar sempre mais. E existe o frágil estado brasileiro capturado pelos interesses do mercado. E existem os utopistas. Este livro é sobre utopias. Que nós iremos enfrentar se as entendermos. Vejam meu texto que figura na “orelha” da capa a seguir.

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A renda dos médicos no DF: algumas considerações

A medicina é, sem dúvida, uma profissão que remunera bem seus praticantes. Faz parte do senso comum tal afirmativa e na verdade se confirma pelas estatísticas. Quantos jovens e respectivas famílias não elegem a Medicina como profissão, realizando os maiores esforços, tanto intelectuais como materiais, exatamente por este motivo? Alguns dados sobre o assunto: no Brasil, segundo dados da Receita Federal, a renda média mensal dos médicos foi de R$ 30,1 mil em 2020; tal rendimento varia entre as unidades da Federação e as capitais do país, onde médicos declaram, em média, renda 13,3% maior do que no interior; os maiores rendimentos médicos no Brasil estão registrados em Macapá (R$ 37,6 mil), Brasília (R$ 37,3 mil), Rio Branco (R$ 35,8 mil) e Curitiba (R$ 35,4 mil); as capitais com menores rendimentos são Salvador (R$ 27,2 mil), Aracaju (R$ 27,9 mil) e São Luís (R$ 28,2 mil). No DF, médicos declararam renda acima de R$ 37 mil mensais, valor 49,0% acima do que é declarado na Bahia, por exemplo, sendo este o estado com menor rendimento médio. Os rendimentos variam com a idade e o sexo dos profissionais, sendo que aqueles que estão entre os 51 e os 60 anos de idade auferem o maior rendimento declarado, enquanto as mulheres médicas mostram renda de 64% em relação àquela dos homens. Estas são a algumas das conclusões do estudo sobre Demografia Médica que vimos apresentando e discutindo aqui no blog nas últimas semanas (https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2023.pdf). Nele se mostra ainda que os médicos estão na sexta posição nacional entre os maiores rendimentos declarados no IRPF, ficando atrás apenas de profissões como titulares de cartório e o pessoal do Ministério Público, Poder Judiciário, diplomatas e alguns advogados. A medicina figura, sem dúvida, entre as atividades mais rentáveis do país e, entre as profissões da saúde, a mais bem remunerada, com renda média em patamar bem mais elevado que a da população com nível superior de escolaridade. Em tal panorama, o DF mais uma vez se sobressai, com uma das melhores rendas médicas do país, porém em forçoso contraste com a respectiva produtividade, que é a mais baixa em termos nacionais, conforme discutimos no post da semana passada (ver link). Vamos detalhar melhor isso.

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