“Carteira de Serviços” em saúde: sim ou não?

No final dos anos 80 começamos a prestar atenção, no Brasil, ao que acontecia no Quebec em matéria de saúde. Eu fazia mestrado na ENSP/Fiocruz e começava uma dissertação sobre a construção do SUS. A experiência canadense, já com uma década de consolidação, já nos parecia sob medida para melhor compreender tal objeto. Fui, vi e aprendi muito por lá, embora as diferenças culturais e políticas entre os dois países sejam imensas. Uma coisa me chamou a atenção especialmente: a preocupação geral com a informação aos citoyens usagers . Pra começar, no Canadá, desde as embalagens de pastas de dentes e refrigerantes até os manuais complexos dos equipamentos de informática – é tudo compulsoriamente bilíngüe. Nas unidades de saúde me fartei em recolher folders, folhetos e outros tipos de materiais muito bem impressos, para levar de lembrança e mesmo me inspirar, a começar por uma inédita (para nós) Chart des Usagers, na qual todos ficam sabendo do que é oferecido ali, dos direitos dos que frequentam o serviço, para onde dirigir reclamações, além dos nomes dos responsáveis e demais membros das equipes locais. Achei refinado e de muito bom gosto, também, o costume de que, na porta dos serviços públicos, de qualquer natureza estejam afixadas as fotos (de pessoas sorridentes, em atitude receptiva, não aqueles 3×4 burocráticos) dos que ali trabalham, com os respectivos nomes, funções e horários de trabalho. Isso me voltou à mente há alguns meses, ainda naqueles tempos em que quem ocupava o Ministério dito “da Saúde” era uma equipe de profissionais da área, não um plantel de fardados sob o comando de um pretenso “especialista em logística”, quando foi anunciada uma proposta de “carteira de serviços” em cada unidade do SUS. Isso seria bom ou ruim?

Continue Lendo ““Carteira de Serviços” em saúde: sim ou não?”

A tal “Carteira de Serviços” proposta pelo Ministério da Saúde representa um risco real para a atenção à saúde no Brasil?

Tudo que vem do atual governo federal merece um pé atrás? Sem dúvida, é melhor ser cauteloso, pois o prontuário bolsonarista de sandices, em todas as áreas e não apenas na saúde, parece ser inesgotável. Mas mesmo assim é bom analisar cada proposta, por exemplo esta, do Ministério da Saúde, que abriu consulta pública para definir um padrão de serviços essenciais que deve ser ofertado à população em todas as Unidades de Saúde da Família, intitulada “Carteira de Serviços da Atenção Primária à Saúde Brasileira”. Como ponto de partida, instrumento semelhante em uso em seis capitais brasileiras – Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Natal, além da Espanha. Segundo o secretário de Atenção Primária à Saúde do MS, Erno Harzheim, que é sem dúvida um técnico portador de um “bom prontuário”, nas questões de saúde, “a definição deste conjunto essencial de serviços traz transparência, além de ser uma potente ferramenta para que as pessoas possam fiscalizar, avaliar e qualificar a Atenção Primária Brasileira”. Minha tendência é de concordar com ele, mas esta não parece ser a opinião de algumas pessoas da área, ligadas a corporações profissionais (os médicos ainda não se manifestaram) e, principalmente, à academia, nominalmente à Escola Nacional de Saúde Pública da FIOCRUZ, onde subsiste, como se sabe, uma tradição de “desconstrução” de políticas oficiais, dentro de uma lógica, às vezes, francamente conspiratória. Vamos analisar o caso com mais detalhe… Continue Lendo “A tal “Carteira de Serviços” proposta pelo Ministério da Saúde representa um risco real para a atenção à saúde no Brasil?”