17ª. Conferência Nacional de Saúde: foi bonita a festa, pá!

Acaba de ser realizada aqui em Brasília a Conferência Nacional de Saúde. A décima sétima, algo que definitivamente não é pouca coisa, em um país em que a mortalidade das instituições (inclusive daquelas que são realmente úteis e significativas) costuma ser alta e precoce. Mas esta aí sobrevive à sanha destruidora nacional. E eu lá estive presente – em posição bastante honrosa, aliás, como membro da comissão de relatoria. É sobre ela que passo a falar agora. Em meu favor, posso ainda dizer que provavelmente eu talvez fosse, entre os presentes, um dos poucos que também esteve no evento correspondente de 1986, a Oitava Conferência, na condição de delegado. Nela, aliás, foram efetivamente lançadas as bases do SUS, para dizer pouco. Fica assim registrado, portanto, um ponto de valor para esta Conferência, como momento de encontro entre pessoas de uma geração jovem, ou, pelo menos, bem mais jovem que a minha. Em ambientes assim, fique claro, o arejamento e a circulação de ideias inovadoras tendem a ser a regra. Para início de conversa, quero justificar a palavra “festa” no título acima. Longe de desqualificar, quero dar ao evento um status que a meu ver é justo e honroso. O problema talvez esteja em querer dar a ela o estatuto de instância essencial na definição das políticas de saúde no Brasil. Alto lá, vamos devagar… Ela é sem dúvida uma delas, ao lado do Legislativo, do próprio Executivo, do Judiciário e de outros grupos e atores sociais que interagem diretamente com o processo de governar, todo o tempo e em em toda parte. Mas realmente fui bonita a festa, para ficar no mote buarqueano, que serviu de lema ao evento. ! Alguns milhares de pessoas se acotovelavam nos grandes e luxuosos espaços de um Centro de Convenções privado. Nada de ginásio de esportes, como aconteceu na Oitava. E havia de tudo ali: cadeirantes e outros portadores de necessidades especiais; indígenas (de variadas características étnicas, por sinal, alguns até bem brancos, ou negros); mães, pais e filha(o)s de santo, orgulhosos de sua matriz africana;  ciganos e outros representantes de minorias; profissionais de saúde da vertente oficial-formal, bem como das diversas práticas complementares; gente de terno e gravata ao lado de outros portadores de cocares e vestimentas coloridas; representantes de movimentos identitários, com seus xales e vestes com as cores do arco íris, além de muitos outros, de cuja real extração profissional, étnica, espiritual, afetiva ou regional só se poderia revelar quando eventualmente se apresentassem em plenárias ou grupos de trabalho. Mas para falar a verdade, em alguns momentos me passou um fio de decepção na espinha: quando toda aquela gente prenhe de generosas ideias se via obrigada a penosas sessões de cômputo de votos contra, a favor ou de abstenção, em relação às centenas de propostas colocadas em discussão. Achei aquilo parecido com o que se vê nas olimpíadas, quando artistas da dança e da ginástica veem suas performances serem submetidas a notas, a meros números!, emanados por uma comissão de juízes, a maioria dos quais seria totalmente incapaz de realizar qualquer das tarefas que aqueles que estão sob julgamento são perfeitamente capazes. E a minha preocupação é simples: ao quantificar performances ou adesões a ideias, ainda mais em ambientes de competição e disputa por primazia, o nobre e verdadeiro espírito, seja da arte (ou da participação social), se dilui e talvez até fique perdido.  Mas, enfim, toda aquela festa terá valido a pena? Penso que sim, mas como o que já está bem posto pode sempre passar por melhoras, vamos a algumas ideias. Mas atenção, gente boa e participativa: “controle social”, “poder deliberativo” e “paridade” são expressões que precisam ser melhor entendidas. Controle social e Deliberação são produzidos por uma cadeia de atores, que inclui não só Conselhos e Conferências de Saúde, mas também Legislativo, Judiciário e Executivo, além de entidades da sociedade civil com capacidade própria de representação. Já a Paridade, no caso das Conferências, é algo que simplesmente vai CONTRA a Democracia. Enfim, o processo pedagógico, simbólico, comunicativo das centenas de conferências realizadas pelo país a fora vale mais, muito mais, do que este exaustivo cômputo numérico, que acirra a polarização entre os participantes e pouco acrescenta em termos de valor ao processo participativo.  Em outras palavras, trata-se de uma questão de buscar consensos mais do que peso numérico às propostas surgidas nas Conferências Estaduais. E apostar no vasto espectro de tais propostas recolhidas pelo país a fora, não em sua súmula matemática. Vamos fazer que esta festa cívica seja comemorada como tal – o que já seria algo muito valioso – mas que além disso produza consequências não ilusórias para a política de saúde do Brasil, sem aquelas pretensões de “controle” ou de “poder deliberativo”.

Continue Lendo “17ª. Conferência Nacional de Saúde: foi bonita a festa, pá!”

Uma conferência de saúde realmente livre, popular e democrática: já era tempo!

Um conjunto de entidades brasileiras ligadas à saúde pública, reunidas na chamada Frente Pela Vida, organiza uma assim denominada Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, a ser realizada em agosto próximo, em um processo que já foi iniciado através de conferências preparatórias, que já estão sendo realizadas livremente por todo o país. Pensar e produzir saúde a partir dos mais variados enfoques e olhares, com ativismo em toda sua potência para afirmar os princípios do SUS, debater as limitações e produzir alternativas e superações, eis o slogan adotado. Tal iniciativfaz parte dos mecanismos de participação social em saúde, conforme previsto nas leis do SUS, mas ao contrário dos processos oficiais, não seguirá formalidades como quórum mínimo, paridade, representatividade por segmentos ou eleição de delegados. As conferências livres poderão ser organizadas a partir das unidades do SUS, universidades, sindicatos, associações, além das próprias comunidades, diretamente. Eu que venho, há tempos, propondo mudanças no atual modelo de participação social em saúde adotado no Brasil, equivocadamente denominado de “controle social”, além de muito burocrático, só posso me regozijar com a proposição de tal evento e assim aproveito para dar acesso aos leitores e algumas considerações minhas, em parceria com Henriqueta Camarotti, numa crítica ao processo formal até agora vigente e sugestões para aprimorá-lo. Assim, espero realmente que uma Conferência realmente livre, direta e popular, como a que está sendo anunciada, venha abrir novos rumos para a participação em saúde, longe das amarras burocráticas impostas pela Lei 8142. Sobre esta conferência, saiba mais em: https://frentepelavida.org.br/

Continue Lendo “Uma conferência de saúde realmente livre, popular e democrática: já era tempo!”

Conferências de Saúde (como a recente no DF): “mais do mesmo”, “nós participamos, eles decidem” ou aperfeiçoamento real da Democracia?

O Distrito Federal acaba de realizar, entre 5 e 7 de junho (2019), a sua Conferência de Saúde, a décima de uma série. Os números já não são tão expressivos quanto nas anteriores: cerca de duzentos participantes, embora fossem esperados mais de trezentos delegados, após uma dezena de etapas regionais.  Seja como for, é uma festa de democracia. Mas será que só uma ‘festa’ seria o bastante? Não seria o caso de discutir se tais eventos, previstos na legislação do SUS e celebrados em prosa e versos pela militância, estariam contribuindo concretamente não só para o desempenho do sistema, como da própria noção de participação social na saúde? Haveria outras e melhores maneiras de se fazer isso? Ou se deveria insistir na dinâmica do “mais do mesmo”?  Sem querer ser pessimista, ao contrário, tentando abrir novos caminhos para aquilo que se denomina no Brasil, equivocadamente, por sinal, de ‘controle social em saúde’, apresento neste texto algumas ideias sobre formas mais legítimas e profundas de participação social (o verdadeiro nome de tal processo), particularmente em relação às conferências de saúde.  Continue Lendo “Conferências de Saúde (como a recente no DF): “mais do mesmo”, “nós participamos, eles decidem” ou aperfeiçoamento real da Democracia?”