Drauzio Nathalia Atila Margareth Miguel

Há alguns anos atrás, quando eu ainda era docente na Universidade de Brasília, tive oportunidade de sugerir, em uma reunião do colegiado da Faculdade de Medicina, o nome de Drauzio Varela para proferir a aula inaugural do curso naquele ano. Os colegas, ou pelo menos alguns deles, me olharam com cara de total espanto, com se eu fosse um ET ou algo assim: “Quem? Aquele cara que aparece no Fantástico? Você acha que isso seria adequado para a formação de nossos futuros médicos”? Isso aconteceu há quase duas décadas, mas não duvido que o preconceito e tal visão obtusa ainda vigorem por aí. Sim, vejo que existe certa má vontade contra alguém que, na verdade – no meu entendimento pelo menos – presta enorme serviço à sociedade. Muito mais, aliás, do que alguns professores e pesquisadores trancados em seus consultórios e laboratórios. Certamente existem outros nomes no cenário, mas aqui me lembro de pelo menos mais quatro dessas pessoas que têm levado à sociedade conhecimentos e recomendações uteis, nesta época de obscurantismo e negação em relação à pandemia e ao conhecimento científico em geral. São eles, além de Drauzio, Natália Pasternak, Margareth Dal Colmo, Atila Iamarino e Miguel Nicolelis e através deles procuro homenagear os demais. Nem todos pertencem ao campo das doenças infecciosas ou diretamente da epidemiologia, mas têm dado contribuições importantes para a denúncia do negacionismo ora dominante. Penso que eles exercem um papel fundamental na mídia atual, com ampla repercussão na sociedade. Numa palavra, digamos, capciosa, são chamados de vulgarizadores do conhecimento, o que isso tem também um sentido positivo. Vem do latim vulgus, que significa simplesmente povo ou a plebe em geral. Sua raiz está tanto na palavra folclore (do alemão volk), como em vulgar, aqui uma expressão pejorativa. Como as palavras em geral, o termo se adapta a variadas conotações. Assim, ao dizer que Drauzio, Atila, Natália, Margareth e Miguel, vulgarizam – e poderia ser também popularizam – algo de muito nobreza, que é levar até os leigos, o povo, o conhecimento que de outra maneira estaria restrito às camadas intelectualizadas. E é isso que eles fazem na mídia com muita competência e consciência, diga-se de passagem. E não é por acaso que são atacados muitas vezes pelos mitômanos de variadas espécies. Benditos sejam esses tais que espalham o bem e a verdade; o que mais precisamos é que se multipliquem. Presto aqui minha homenagem a eles, singela, porém sincera. Mais do que necessária em um momento em que torturadores, falsos gurus e milicianos estão sendo elevados à categoria de heróis da pátria …

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Covid no Brasil: não-políticas de um não-governo, baseadas em evidências zero…

Recomendar cloroquina para tratar covid; considerar a pandemia uma “gripezinha”; postergar a compra de vacinas; nomear um milico obtuso para Ministro da Saúde; delegar a pastores evangélicos a negociação de verbas públicas; tentar acabar com a atual pandemia por decreto. Ninguém precisa ser opositor do atual governo, basta ser honesto intelectualmente e dispor de algum bom senso, para admitir que as medidas utilizadas pelo bolsonarismo para enfrentar a pandemia de Covid 19 foram, na melhor das hipóteses, equivocadas, mas, além disso, misturaram ideologia e má fé. Com efeito, existe no cenário um valor chamado evidências e as práticas nelas baseadas são essenciais para a fundamentação de decisões clínicas ou políticas na saúde, seja de alcance individual ou coletivo. Vamos considerar que no calor da pandemia, com as incertezas do cenário de emergência, algumas vezes, talvez, as tais evidências, em sua totalidade, não estiveram ao alcance da mão dos tomadores de decisão no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde. Mas nem de longe esta turma procurou vincular suas tomadas de decisão às evidências já então disponíveis. Aliás, ignorou-as solene e acintosamente. Trago aqui hoje uma análise produzida pelo IPEA e respeito de dois focos de atuação do Ministério da Saúde ao longo da pandemia, na qual se conclui que o processo de tomada de decisão do mesmo se viu profundamente marcada pelo desprezo a quaisquer possíveis evidências científicas seja na formulação e/ou na implementação de políticas e ações concernentes. Bem ao contrário, tais decisões estiveram estritamente vinculadas aos valores políticos do governo de plantão. Uma síntese de tal artigo é apresentada a seguir.

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Liderança é essencial na Saúde

Escutando e lendo notícias sobre o andamento da vacinação anti-covid no DF percebo algo que me desafia a vontade de especular. Há lugares em que a vacinação ocorre sem maiores transtornos, com esperas de meia hora ou menos e outros em que o atraso é de horas, com filas atravessando quadras inteiras e até mesmo movimentos de revolta por parte dos que esperam sua vez, além de informação zero. Como é que pode? De um lado, há unidades que organizam até brincadeiras e música para acolher os vacinantes; de outro, há aqueles que até nove ou dez horas da manhã ainda não abriram as portas, à espera sabe-se lá de que. Não estamos, afinal, na mesma cidade, teoricamente submetidos às mesmas normas, com o mesmo órgão gestor a coordenar os trabalhos, distribuir as vacinas, estabelecer regras relativas a horários e compromissos de servidores e gerentes? Até parece que não é bem assim, dado o mosaico de situações que aparecem no noticiário, muitas delas totalmente negativas. Isso me remete a reflexões antigas. Vamos a elas…

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Informação, comunicação e educação ao público: questões face à presente pandemia

[O pesadello prossegue. No Brasil, até a data de ontem, 21 de maio, 446.309 mortes pela pandemia; no DF 8.442. Parece que esta “missão” está realmente longe de ser totalmente cumprida…]

Mas vamos ao assunto de hoje: na minha infância, nos remotos anos 50, entre os conteúdos trazidos pelas professoras do Grupo Escolar onde estudei, estavam – e não poderiam faltar – noções de saúde e higiene, em sintonia com o momento epidemiológico que o pais vivia. Assim, éramos orientados a lavar as mãos após sair da privada bem como antes das refeições; escovar os dentes no mínimo três vezes ao dia; andar calçados; não defecar no mato; lavar bem as frutas e verduras que comíamos (ou deveríamos comer); evitar banhos em córregos e lagoas; dormir com as janelas abertas e até mesmo não manter plantas perto de nossa cama (não me perguntem por quê). Isso tinha naturalmente correspondência com a situação epidemiológica daquele momento, com altos índices de verminoses e doenças infecciosas afetando a mortalidade geral. O que então imperava era uma noção tradicional e disciplinadora de higiene com foco corporal, mais do que ambiental, não propriamente de promoção da saúde. A própria indicação sobre frutas e verduras tinha foco na higienização de tais alimentos, não exatamente em seus benefícios para a saúde. Da mesma forma, o estímulo a exercícios, pelo que me lembro, não fazia parte das preocupações de então. Isso constituía toda a base que aquelas professorinhas haviam recebido em sua formação de “normalistas” e que com a melhor das intenções nos repassavam. Era a famosa “Educação para a Saúde”, que marcou época na saúde pública brasileira naqueles anos e que tinha na respeitadíssima Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (SESP), do Governo Federal, sua instância máxima, em termos de produção de conhecimentos e práticas. Só depois é que vieram as ideias de Paulo Freire substituir este modo de educar higienista e disciplinador sobre o corpo das pessoas…

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Controle da Covid-19: o segredo é fazer a coisa certa

HORROR! A tragédia continua: no Brasil passamos dos 402 mil mortos e no DF nos aproximamos rapidamente dos 8 mil. Somos aqui 1,44% da população brasileira, mas em número de mortos pela Covid chegamos a 1,93% do total do país, o que não dá para animar ninguém. Enquanto isso, o “homem da casa de vidro” continua divulgando soluções falsas e estimulando chicanas contra a CPI que o investiga. Tudo demorando em ser tão ruim… Mas uma coisa é certa: o modo de lidar com a presente pandemia varia, sim, e existem aquelas situações em que o fracasso é evidente, enquanto em outras os fatores de sucesso estão presentes e são notáveis. É importante frisar isso, porque muitas vezes o senso comum atribui o sucesso ou o fracasso de tal controle às variações da biologia viral, aos brasileiros que não pegam nada até quando nadam no esgoto, ou até mesmo a aspectos imponderáveis ou inexplicáveis. As tais variações biológicas existem, de fato, mas há outros fatores humanos, políticos e sociais, que na maioria das vezes são mais relevantes. Assim deveríamos encontrar explicações mais abrangentes e sempre ancoradas na ciência para as diferenças existentes entre, por exemplo, Brasil e Nova Zelândia; EUA e China; Itália e Israel, casos representativos de bom e o mau controle. Ou, para trazer a discussão mais para perto de nós, entre Uberlândia e Araraquara ou Manaus e Belo Horizonte. O senso comum mais uma vez vai se equivocar, porque fatores como status socioeconômico, dimensão, localização geográfica, relativos a municípios e mesmo países, por si só não explicam as diferenças, ou por outra, mostram que de onde menos se espera podem surgir resultados positivos – ou vice-versa – e isso merece aprofundamento.

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