Mais descentralização, mais democracia?

Aproximam-se as eleições municipais e nós no DF estaremos de fora. Um dia ainda hei de entender por que não somos um município brasileiro e sim este pseudo-estado (que não é uma coisa e nem deixa de ser a outra…). Mas vamos ao assunto do dia: descentralizar (a saúde ou outra política pública) sempre significaria trazer mais democracia ao cenário? Para começar é bom lembrar: a expressão “municipalização da saúde”, tão cara aos defensores do SUS, simplesmente NÃO faz parte Constituição, onde se fala na verdade em um termo mais aberto: descentralização. Mas de há muito a militância da saúde se apegou ao primeiro termo, chegando até mesmo a cunhar aforismos como: “todo poder aos municípios”, ou também, “municipalização é o caminho”, que entretanto precisam ser relativizados. Haveria diferenças entre uma coisa e outra? Vamos começar por uma questão básica: descentralizar se correlacionaria diretamente com democratizar? Assim como o melhor estado de saúde da população não implica, necessariamente, em se dispor de um regime democrático, também o par de conceitos democratização e descentralização não mantêm entre si uma correspondência biunívoca. Na verdade, existem dúvidas sobre a capacidade dos processos habituais de descentralização, ainda mais em um país como o Brasil, implicarem em redução real das funções (e do poder) do governo central, geralmente mais autoritárias. Pelo contrário, a experiência brasileira, mesmo no período pós-constitucional mostra, particularmente na área da saúde, visível expansão seletiva das funções do governo central, com seu fortalecimento na condução e da regulação das políticas. Como consequência, caberia indagar também se a descentralização traria condições de viabilizar mecanismos de controle sobre a ação dos governos ou se, por si só, seria um instrumento de promoção da democracia.

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Dilemas do Poder Local: descentralização não é panaceia

Para início de conversa é bom deixar claro: a expressão poder local (ou mesmo municipal) também se aplica diretamente ao DF, pois nosso lugar de vida tem características muito mais de um município do que de uma UF/Estado. Somos na verdade um município grande – e sem dúvida, também, um falso estado… O fato é que as frases “a municipalização é o caminho”; “tudo o que for descentralizado funcionará melhor”. “o poder local é soberano” foram como que sacralizadas pela minha geração de sanitaristas, gente que já estava na militância pró-SUS quando a atual Constituição Federal foi escrita na década de 80. A intenção era a melhor possível, mas infelizmente o futuro veio mostrar que nem tudo era como se pensava, pois, entre outras razões, o poder dos municípios e das instâncias descentralizadas não só tem limites, como pior ainda, repete muitas vezes os mesmos vícios do poder centralizado. Ao ler um artigo recente, publicado por pesquisadores da FGV de São Paulo (ver link), sobre a gestão local da saúde na atual pandemia, pude perceber que algumas dessas considerações mais sombrias, que há anos me perseguiam, pulsam ainda hoje. E antes de passarmos a comentários mais profundos sobre tal questão, é necessário afirmar que mesmo com todos os percalços da descentralização da saúde, a situação na atual pandemia estaria ainda pior – e muito! – se as ações de controle dependessem diretamente ou exclusivamente do Ministério da Saúde, particularmente no contexto de um governo tosco e pouco responsável como o atual.

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