SUS e NHS: quem influencia quem?

Dialética do exagero. É o nome apropriado para a situação em que alguém usa argumentos “fortes” (para não dizer exagerados ou mesmo inverossímeis) na tentativa de convencer seus interlocutores de alguma coisa. Acabo de ver algo assim em matéria da publicada pelo jornal londrino The Telegraph no dia sete de abril último (ver link ao final), que revela estar o governo britânico acompanhando de perto o modelo brasileiro do SUS, mais exatamente no que diz respeito aos agentes comunitários de saúde, para aplicar algo semelhante no NHS – National Health Services do Reino Unido. Ou seja, pelo visto, a criatura agora inspira o criador – mas será que é isso mesmo? As jornalistas autoras da matéria não deixam por menos, já indagando no título da matéria: O NHS está perto do colapso — um projeto das favelas (sic) brasileiras poderia salvá-lo? Informa-se que que um projeto-piloto está sendo desenvolvido em um setor de Londres, visando ser ampliado depois para outras regiões na Inglaterra. Não custa lembrar que o NHS foi uma das fontes de inspiração para o SUS, a partir de uma experiência que já é centenária naquele país, inclusive na instituição das visitas domiciliares, possível alvo da presente matéria. Algumas verdades não-dialéticas, contudo, precisam ser reveladas. A primeira delas é que tanto o NHS como o SUS passam hoje por questionamentos diversos, inclusive com algumas reformulações marcantes, nem todas para o bem, diga-se de passagem, embora certamente com algumas delas sendo necessárias e até mesmo imperiosas.

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Dialética do exagero, jogo político e saúde

Dialética do exagero, sabem o que é? Quando uma mãe adverte que seu filho “ vai quebrar o pescoço” se não descer do muro – mesmo que tal muro não tenha mais do meio metro de altura. Isso na melhor e mais nobre das intenções, porque tem também um outro extremo, aquele que do sujeito que ameaça que se não tivermos urnas físicas e voto impresso auditável em 2022, aquela invasão do Capitólio vai se repetir aqui no Brasil, com consequências ainda piores. Variante: quem tomar vacina contra Covid vai virar jacaré. Se no primeiro caso é o amor de mãe que se manifesta de modo perfeitamente aceitável, embora com ingênuo exagero, no outro impera a desfaçatez, a desonestidade intelectual, o autoritarismo e o apego puro e simples à mentira. É preciso não confundir as coisas, portanto, pois o fato é que existe uma grande distância entre um gesto e outro; de um lado, o cuidado materno, do outro intenções de genocídio. Mas devemos nos acautelar também para que tais arroubos de argumentação não venham turvar também a defesa de causas justas, por exemplo, a defesa do SUS que nós, pessoas de bem, costumamos praticar. Penso que a melhor defesa que podemos fazer de alguma coisa em que acreditamos é argumentar com a verdade, sem exageros. Tomo aqui, como exemplo, a discussão recente sobre a criação, pelo Governo Federal, de uma espécie de agência para a Atenção Primária à Saúde, que causou fortes arrepios e até mesmo indignação nos setores que defendem o nosso sistema de saúde, os quais, como aliás deveria ser, são fortemente ligados a uma visão política de esquerda.

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Entre o pensamento desejoso e a dialética do exagero

No campo da saúde pública, Gastão Wagner de Souza Campos é uma daquelas pessoas imprescindíveis, para parafrasear Brecht. Professor universitário, gestor público com várias passagens na saúde, professor, escritor, pensador. Acima de tudo uma mente brilhante e criativa. Tive a honra de ter sido prefaciado por ele em meu livro Saúde da Família: Boas Prática e Círculos Virtuosos. Ninguém mais gabaritado do que este goiano-campineiro para falar sobre o SUS, seja em sua defesa ou mesmo em críticas pertinentes. Em entrevista recente ao site Outra Saúde (ver link ao final), Gastão fala de um livro recém lançado por ele e outros autores da Unicamp, onde é docente, intitulado “Nas entranhas da atenção primária à saúde”,no qual eledefende que esta modalidade de atenção (no Brasil, Estratégia de Saúde da Família) teve o poder de enraizar o SUS na sociedade brasileira, com resultados celebrados mundialmente. Enquanto não tenho acesso ao livro, levanto algumas respeitosas discordâncias quanto a algumas das colocações de Gastão, relativas ao momento atual do SUS. Mas lembro que meu objetivo maior aqui é chamar atenção para certos desvios (embora bem intencionados) que os defensores do SUS por vezes cometem, quais sejam, certo exagero a respeito dos feitos do mesmo ou a narrativa de fatos que aconteceram mais na mente dos militantes do que no mundo real.

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