Sem olhos em Gaza é um romance do escritor britânico Aldous Huxley (1894-1963), lançado na década de 30. Ele vem a ser o mesmo autor, aliás, de O Macaco e a Essência, que alguns veem como precursor da ideia que deu origem à série O Planeta dos Macacos. Li o livro na juventude e me lembro que me impressionei com sua mensagem política pacifista, que aparentemente não tem nada a ver, com o que acontece em Gaza nos dias de hoje. O título faz uma alusão à ida do Sansão bíblico a tal território, cegado e torturado por seus inimigos, embora dentro de um enredo contemporâneo, em que um playboy descompromissado se transforma em ativista pela causa da paz. Mas, pensando bem, esta história de violência e tortura tem tudo a ver com a Gaza de hoje – com a diferença de que Sansão era judeu. O título do livro, em português, dá margem a um trocadilho semântico: “cem” ou “sem” (olhos)? A acepção derivada do numeral “cem” nos remete à grande visibilidade da crise política, ética e humanitária que se desenrola em Gaza e martiriza os palestinos, ferindo profundamente o sentido de Humanidade que bem ou mal vinha sendo construído nos anos posteriores à Grande Guerra de 1939-1945. Já a expressão original, “sem olhos”, também é imagem que se aplica, pois revela a cegueira ideológica que parte do mundo, particularmente nos satélites e aliados dos EUA em relação à ação deletéria de Israel e ao sofrimento de tanta gente, de um lado da fronteira mais do que do outro. Mas de todos os horrores indisfarçáveis que a mídia nos traz a cada dia, tenho me sensibilizado cada vez mais com aqueles que as equipes de saúde vêm enfrentando nos hospitais e demais serviços da região. A sensação que tenho que aqueles lá são gente nossa, atacada e impedida de trabalhar, para não falar do sofrimento dos milhares de civis palestinos, beneficiários de tal trabalho. Em Gaza, como se sabe, a justificativa israelense de que os serviços de saúde abrigam terroristas (o que pode até ser verdade, infelizmente, em se tratando da lógica islâmica do martírio necessário para alcançar o Paraiso), mas na prática resulta em tratar uns e outros, civis inocentes e guerrilheiros militantes, como inimigos a serem exterminados. Como, aliás, Sansão e seus contemporâneos agiam contra os Filisteus (e seguramente vice-versa), palavra esta que, aliás, deu origem ao termo atual palestinos. Coisa reveladora, não? A Bíblia tem suas razões… Mas não precisamos ir a Gaza, temos uma filial dela bem perto de nós.
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