Gestão bem sucedida em saúde: por que alguns sim e outros não?

Há alguns anos atrás produzi uma tese de doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, no Rio de Janeiro, na qual analisei os fatores de êxito de experiências de Saúde da Família no Brasil (SF), a partir de seis estudos de caso, considerados então como bem sucedidos. Esta iniciativa, que na época ainda não tinha completado 10 anos de existência, como toda política social, situava-se em um movimentado cruzamento de princípios e estratégias operacionais, com frequentes contradições, de natureza político-ideológica ou conceitual. Mesmo hoje, decorridas duas décadas, creio ser possível estender minhas conclusões no sentido de responder à questão colocada no título deste artigo: o que faz, de fato, algumas experiências de gestão em saúde serem bem sucedidas, ao contrário de outras, que não chegam a alcançar tal status? Assim trago aqui algumas conclusões e desdobramentos do processo de análise desenvolvido em minha tese (ver link ao final).

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O que garante a sustentabilidade da gestão em saúde?

O que faz uma obra humana perdurar no tempo? Para as pirâmides do Egito, o Taj Mahal ou os monumentos de Brasília a resposta é relativamente simples: pedra e cal (ou cimento) – além de muito suor humano claro. Mas para realizações, digamos, imateriais, como as iniciativas de governo, no caso, da saúde, a resposta é mais complexa e elaborada. Eu me preocupo com isso, pois em meus anos de prática de gestor público, seja em município, região ou no nível federal de governo, infelizmente vi muita coisa bem arranjada e consequente em um momento ser totalmente desfigurada ou mesmo extinta em outro. Lembro-me, por exemplo, quando coordenei a edição de uma publicação do Ministério da Saúde, no final da primeira década do século, de ter ido atrás de uma experiência exemplar e inédita de remuneração de médicos e equipes de saúde baseada em valor, ou seja, na mensuração do alcance real em termos de benefícios para a população da prática dos profissionais, diferenciando assim, para mais, as equipes com melhor desempenho. Pressurosamente liguei para o município em que a experiência fora desenvolvida algum tempo antes, para colher mais informações. Todavia, qual não foi a minha surpresa (e minha tristeza) ao constatar que havia mudado a administração municipal e nada mais daquilo restava de pé. Aliás, a pessoa que me atendeu, titular da área da saúde, relutou em tocar no assunto, mostrando-se constrangida ao ser indagada sobre o mesmo. No princípio da conversa chegou a me dizer que não acontecera nada daquilo ali, mas depois acabou me confirmando que a ideia fora abandonada pela administração do momento. Todo mundo sabe de casos assim. Tais histórias, infelizmente, se repetem em toda parte, neste brasilzão grande, atrasado e bobo…     

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Ideias para adiar (ou evitar) o fim do SUS

A frase que dá título a este post é na verdade um plágio. A versão original fala de “fim do mundo” e seu autor é o mineiro Ailton Krenak, liderança indígena pertencente à etnia que lhe dá o sobrenome. Para quem ainda não o conhece, ele surgiu para o mundo em 1987, quando fez um pronunciamento na Assembleia Nacional Constituinte, em defesa dos direitos indígenas, com o rosto pintado com tinta preta de jenipapo. Na obra em foco ele denuncia a ideia de humanidade como algo separado da natureza, criticando com ironia sutil o modo de viver adotado pelos brancos, arrancados que foram de seus grupamentos originais para serem “jogados nesse liquidificador chamado humanidade”, abrindo mão da liberdade do contato e da harmonia com a natureza, deixando de respeitá-la como mãe. As tais “ideias para adiar o fim do mundo” referem-se ao fato de que os indígenas sempre usaram sua criatividade e sua poesia para resistir à barbárie da dita “civilização” que lhes foi imposta, com a suposta integração a uma espécie de clube selecionado, dentro do modo branco e europeu de ser. Foi assim que, segundo ele, os indígenas lograram postergar o Apocalipse, através de sua resistência continuada, fazendo com que sobrevivam hoje no Brasil cerca de 250 etnias e 150 diferentes idiomas. “A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos”, diz ele. E na Saúde, o que se pode oferecer de resistência para vencer o holocausto anunciado, que para muitos brasileiros já chegou? Antes de prosseguir nessas divagações inspiradas nos escritos de Krenak, cabe lembrar uma de suas frases, e tentar ser mais modesto: “Não é a primeira vez que profetizam nosso fim; enterramos todos os profetas”. Nada de profecias ou fantasias desejosas, portanto, pretendo me ater à realidade…

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