Retrospectiva 2022 (o ano que já devia ter se encerrado…)

Este ano infeliz felizmente já se finda. Pelo retrovisor, é hora de analisar os acontecimentos que o compuseram. Ou, quem sabe, seria melhor esquecê-los? Não! Melhor lembrar, para não corrermos o risco de esquecer o verdadeiro nó cego em que fomos colocados, graças à escolha insensata de um punhado de brasileiros que pareciam, em 2018, não ter os pés na realidade. Um tanto deles ainda estão em tal posição, embora com pés trocados pelas mãos, agora atolados na lama até o pescoço e com os joelhos no chão. Brasil acima de tudo e Deus acima de todos – e alguns idiotas por fora de tudo – eis o lema que define essa gente. Mas agora há luzes no horizonte e embora não haja garantia de que não virão muitas dificuldades pela frente, sempre serão luzes. E através deste túnel que parecia não ter fim chegamos finalmente a um lugar mais arejado e claro. Assim, toca a fazer uma retrospectiva de 2022, valendo para o País e para o DF, como convém a esta época do ano.

Continue Lendo “Retrospectiva 2022 (o ano que já devia ter se encerrado…)”

A heroína e o psicopata

Nise da Silveira é uma verdadeira brasileira de mérito. Já nos anos 40 ela se rebelara contra os métodos desumanos então aplicados a pacientes com transtornos mentais, como o eletrochoque, a lobotomia e o confinamento, entre outros, como formas punição mais do que de alívio de sofrimentos. Seus opositores, numerosos na ocasião, trataram de transferi-la para a área de terapia ocupacional, onde ela também encontrou espaço para desenvolver um modelo humanizado de tratamento, através de uma teoria associada a práticas de realce às expressões dos sentimentos dos pacientes por meio das artes, especialmente da pintura, mas também da música. Tal produção artística ganhou reconhecimento, em muitos casos, pela qualidade estética, demonstrando também resultados positivos na recuperação de seus autores. A Casa das Palmeiras, fundada por Nise ainda em 1956 com foco em reabilitar sem internação, de forma praticamente inédita no Brasil, também investiu no processo criativo e afetivo dos pacientes. Além da arte, o contato com gatos e cães foi outro tratamento introduzido por ela no país, facultado aos pacientes cuidar de animais nos espaços abertos do centro, estabelecendo vínculos afetivos que também contribuíam para seu bem estar.  Há instituições inspiradas no trabalho dela — algumas nomeadas em sua homenagem — em Portugal, na França e na Itália, além de cidades brasileiras como Juiz de Fora, Recife, Porto Alegre e Salvador, entre outros. E não seria nada demais também creditar a Nise a honra de ter sido precursora dos movimentos de reforma da saúde mental no Brasil. que culminaram, a partir dos anos 80, com a ampla desospitalização dos tratamentos e a libertação dos pacientes de estruturas que se pareciam mais com prisões do que com verdadeiras instituição de saúde. Pois bem, foi a esta verdadeira heroína nacional, que o delinquente que ora ocupa a Presidência da República (por não muito tempo mais, esperamos todos), negou a inscrição no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Isso ainda pode ser vetado pelo Congresso e as pessoas de bem, como eu e vocês, esperamos que de fato aconteça. O PR (psicopata renitente) alegou que a proposta representaria “contrariedade ao interesse público” e que também não seria possível avaliar “a envergadura dos feitos” de Nise e o impacto destes no desenvolvimento da nação, culminando ainda com a estúpida afirmativa de que tal homenagem seria relacionada a “ideais dissonantes das projeções do Estado democrático”. É isso aí, este indivíduo desentende completamente o que é interesse público ou Estado democrático, bem como os “feitos” terapia ocupacional, humanização da assistência, psiquiatria moderna, fazer o bem, práticas inovadoras, etc. Na verdade ele não sabe nem mesmo o que é ser Presidente de um País como o Brasil, com letras maiúsculas. Em termos de heroísmo e contribuições à pátria, seu entendimento esbarra em personagens como Brilhante Ustra, Olavo de Carvalho, Daniel Silveira – tipos assim. E suas conhecidas limitações morais, afetivas e intelectuais o impedem de ir mais longe do que isso. Mas felizmente, para nossa alegria, outubro vem aí…

Em tempo: minha querida Henriqueta Camarotti, profissional de Saúde Mental e militante histórica da luta antimanicomial no DF me lembra que Nise da Silveira foi, de fato, uma grande inspiradora do de tal Movimento no Brasil e que aqui em Brasília foi graças ao trabalho dela que foi criado o atelier de ArteTerapia do Instituto de Saúde Mental, coordenado por Elisa Garcia, no final dos anos 80. Lembra ela, ainda, da grande determinação de Nise em seus propósitos e sonhos, na capacidade de superar as adversidades sem perder o sentido humanitário, libertário e amoroso. Mesmo quando tudo conspirava para as grades e as camisas de força ela era capaz de criar novos caminhos, com uma potente criatividade em desbravar territórios inóspitos – era sua grande marca.

Continue Lendo “A heroína e o psicopata”

Preocupações de uma mente sem noção…

Dizem que Bolsonaro ganhou de presente, não se sabe de quem, um incrível computador de última geração, o qual, multiconectado, seria capaz de ler até pensamentos e também de informar ao usuário, em tempo real, o estado geral de sua popularidade. Nosso Átila do Vale da Ribeira, claro, se regozijou com o mimo, e se pôs logo a testá-lo, após perpetrar cada uma de suas habituais iniciativas.

Continue Lendo “Preocupações de uma mente sem noção…”

Saúde no Brasil: a Grande Marcha para trás…

O bolsonarismo como fenômeno político existe de fato, sendo inúmeras as análises disponíveis sobre o mesmo, seja de cientistas políticos, sociólogos ou jornalistas, que identificam e tipificam tal fenômeno. Por alguma razão o sufixo “ismo” é também aplicado a alguns governantes (trumpismo, lulismo, janismo, getulismo, bolsonarismo, por exemplo), mas não a outros. Com todos os defeitos e qualidades que possam ter, Obama, Dilma, FCH, Temer, entre outros, para ficar em exemplos recentes, não fizeram jus a tal epíteto. Mas não é bem isso que me ocupa no momento. A análise que pretendo fazer aqui, condizente com as minhas luzes e com um pé na realidade atual do país, é de caracterizar um fenômeno que me parece bastante notório hoje, qual seja o surgimento de um já influente bolsonarismo em saúde, que a meu ver reúne condições para ser delineado, até com certo detalhe. E ele se instala e se avoluma justamente no decorrer de uma paralisia sem precedentes, para não dizer atraso ou mesmo retrocesso, nas políticas de saúde do país, enquanto uma pandemia que já matou 160 mil brasileiros, ainda não perdeu seu fôlego assassino.

Continue Lendo “Saúde no Brasil: a Grande Marcha para trás…”

Privatização da Atenção Básica: fala sério!

O Governo Federal acaba de cancelar um decreto emitido ainda na véspera, no qual se abriam porteiras para a iniciativa privada se banquetear no SUS. O Ministro da Cloroquina, ou melhor, da Saúde, certamente envolvido com o hasteamento da bandeira nacional ou com a redação de alguma ordem do dia para sua caserna, nem foi ouvido. E não faria muita diferença se o fosse. Em um país normal isso dificilmente aconteceria ou, se acontecesse, seria imediatamente seguido de uma nota de desculpas e até talvez alguma demissão. Mas desculpa é palavra que não está presente no tosco dicionário do Messias, nem de seus acólitos e demissão só se cogita para quem contraria ordens vindas de cima. Que ninguém acuse tal personagem de imprevisível; ao contrário, previsibilidade (para cometer equívocos) é coisa que não lhe falta. Mas agora falando sério: que tal discutir com maior profundidade a relação entre o SUS e a iniciativa privada? O não-governo deu um pontapé inicial, mas o grande problema deste é que nada que faz merece ser levado a sério. Ou seja, não daria nem para começar a discutir. Mas mesmo assim vou tentar abordar o assunto.

Continue Lendo “Privatização da Atenção Básica: fala sério!”