Você conhece algum personagem na fotografia acima? Possivelmente sim, pelo menos aquele senhor de terno preto e um sorriso inconfundível no rosto redondo e no jeito bonachão: Getúlio Vargas. Já o outro homem, de terno claro, porte avantajado, também posando de maneira simpática e sorridente para a foto, é Franklin Delano Roosevelt, então presidente dos EUA (a foto é da década de 30). Historiadores profissionais certamente identificariam outros personagens em tal fotografia, mas de minha parte, admito reconhecer apenas os dois que acabo de citar. Mas afinal, o que faziam aquelas duas autoridades juntas em uma mesa festiva, o ditador daqui e o presidente de lá, e o que isso tem a ver com o SUS? Pois é, pode parecer inacreditável, mas tal encontro, apesar de ter acontecido há quase 100 anos, teve consequências para a política social, a política econômica e o próprio lugar do Brasil no mundo, nos anos atuais. Adicionando certo spoiler a esta história, diria que naquele momento de transição global, com o nazismo florescendo na Alemanha e os Estados Unidos se preparando para se transformar em potência mundial, aquele encontro possibilitou um movimento de aproximação do Brasil a uma esfera geopolítica que, com todos os seus problemas e defeitos, nos coloca hoje como beneficiários de um sistema de saúde que, mesmo aos trancos e barrancos, avanços e recuos, está em sintonia com a ideia mãe do Estado de Bem Estar Social, que sem dúvida representa um marco civilizatório, presente nos países mais desenvolvidos do mundo. Simbolicamente, pelo menos, estávamos do lado certo da história, mas é melhor não sermos muito dogmáticos quanto a isso, pois países do lado errado, como o Japão e a Alemanha, estão hoje em situação social e econômica muito melhor do que a nossa. Mas atenção: não se trata de uma história perfeitamente linear – vamos a ela.
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Tem futuro o SUS? Tal pergunta assombra a muitos hoje em dia. Seja aos que defendem o nosso sistema de saúde e que se angustiam ao vê-lo ameaçado de várias e torpes maneiras, seja entre os que gostariam de apressar seu fim ou, pelo menos, presenciar sua substituição por algo mais prestante. Entre os desfechos augurados para tal pendência, vários são entrevistos. Por exemplo, a falência do sistema partir de suas próprias contradições inerentes, que na verdade já estavam presentes, qual ovos de serpente, já na ocasião de seu (tardio) nascimento, quando já haviam entrado em declínio os arranjos similares em países dos quais havia sido copiado. Outros já pressentiam tal situação como decorrente dos vários ataques externos sofridos pelo mesmo, geralmente colocados à conta de certo fantasma denominado de neoliberalismo, sem maiores especificações e mediações. Há também quem veja nessa morte a mão invisível da má vontade ou da pouca decisão de políticos insensíveis e voltados para causas de rendimento mais em conta. Seus inimigos internos, mais do que os externos, também são lembrados, às vezes. Atenho-me aqui a uma análise da conjunção entre as pressões externas associadas aos possíveis defeitos teratogênicos próprios ao SUS, o qual, como toda política social, é situada em um movimentado cruzamento de princípios e estratégias operacionais, onde são frequentes as contradições, de natureza político-ideológica ou conceitual. O SUS, ou pelo menos os modos de sua implementação, sem dúvida representam o resultado de conflito entre a normatização dura, realizada pelo governo federal e as iniciativas dos governos do degrau abaixo, nas quais prevaleceriam maior flexibilidade, além das inovações de caráter local, fazendo com que variem algumas de suas características, de acordo com seu modo de inserção na política local; o contexto político; os conteúdos técnicos e ideológicos; os atores sociais influenciadores; a dinâmica dos processos de implantação; a cultura institucional, dentro de uma ótica se de fatores facilitadores, obstáculos e lições.
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Todo mundo tem um amigo, parente ou conhecido que esteve em uma unidade do nosso sistema de saúde e saiu de lá com alguma reclamação a fazer. Mesmo diante de tais argumentos eu tenho sido desde sempre um defensor do SUS, aliás, participei de sua construção, como militante do Movimento Municipalista de Saúde, gestor público, docente e pesquisador universitário. Isso não tem impedido, todavia, que algumas vezes me acusem de ser um “inimigo” do SUS, pois não deixo de fazer críticas ao que ele tem de equivocado ou daquilo que precise ser reciclado no mesmo. Com os textos que exponho a seguir, escritos nos últimos anos, estou menos preocupado com a defesa do SUS, mas em contar uma história do mesmo que, a meu ver, ainda não foi contada em suas nuances, às vezes curiosas e até mesmo pouco honrosas, mas sempre com honestidade intelectual. Deixo claro, o que vai aqui não seria jamais a visão do historiador, que não sou, mas também não é a visão do militante obnubilado (aspecto comum…) pelo equívoco de que com tal construção o país “já chegou lá” em matéria de saúde. Não pretendo também usar voz do acadêmico ou do gestor público, mas sim aquela do ator social que viu as coisas de perto, ou seja, que esteve envolvido diretamente com a construção do sistema. De toda forma, meu objeto aqui é memorialista e assim não posso me furtar a falar do que vi e aprendi como pessoa que participou da criação do SUS. Admito que falo dele nem sempre com clemência, às vezes com decepção, mas sempre com esperança. Trago aqui algumas reflexões produzidas por mim ao longo de minha carreira, bastante enxugadas agora, para felicidade de meus leitores. Nelas busco recuperar um pouco de meu trajeto e de minhas ideias principais a respeito do sistema de saúde brasileiro. lutas. Creio, seja por sorte ou virtude, talvez tenha sido alguém que estava na hora e no lugar certos naqueles idos da década de 80. Me dê agora o prazer de sua leitura (ver a seguir)…
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