Um diálogo sobre a formação médica na atualidade

Há algumas semanas apresentei aqui, junto com Henriqueta Camarotti, algumas reflexões sobre o que seria uma boa formação médica (ver link:  https://saudenodf.com.br/2023/04/04/3809/). Na ocasião, solicitei a alguns colegas com experiência docente em saúde, que manifestassem suas opiniões sobre as propostas apresentadas. Alguns responderam e trago aqui uma síntese de suas generosas participações, sob a forma de um diálogo, que na verdade não aconteceu em tempo real. Assim, vou identifica-los: LC é Luiz Augusto Casulari, da ESCS de Brasília; CL é Carmem Lavras, da PUC de Campinas; AR é Armando Raggio, da Fiocruz de Brasília, somando a isso a participação da própria Henriqueta, do Núcleo de Ciência, Arte, Filosofia e Espiritualidade do CEAM/UnB.

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Participação social no SUS: é preciso caminhar mais…

Em artigo recente neste blog, intitulado Conta de mentiroso delineei alguns princípios que deveriam nortear as ações do novo governo do DF a ser eleito em outubro (ainda que seja o mesmo…).  Hoje coloco em cena um dos princípios simbólicos a serem obedecidos, ou seja, além da humanização e da transparência, o processo de participação social em saúde. Para começar, penso que isso, no Brasil, ainda é uma construção inacabada e ainda um tanto frágil, particularmente em relação à sua aplicação no nível local dos serviços. Sendo assim, o arejamento e a ampliação das discussões sobre a mesma constituem tarefas essenciais para aqueles que se dedicam a buscar soluções para a construção e o aperfeiçoamento de nosso sistema saúde, sem deixar de reconhecer que o país tem história acumulada nesta área. Além disso, o momento atual do SUS traz grandes preocupações quanto a seu futuro, construção inacabada que ele ainda é, diante das posturas de um governo avesso ao bem-estar social e à democratização. Sua estrutura jurídica, além do mais, foi concebida décadas atrás, com marcantes diferenças epidemiológicas, demográficas, culturais, tecnológicas e políticas em relação aos tempos atuais. Assim, a participação social da forma como explicitada na Lei 8142/90, tem especificidades supostamente democratizadoras – em que pesem algumas controvérsias – e que denotariam o avanço da saúde em relação a outras áreas de governo. Mas, se há avanços, há também dilemas não resolvidos, que redundam na promoção de falsas expectativas nos participantes, relativas a um suposto poder efetivo e autônomo de decidir sobre a política de saúde, que não pertence só a eles, mas a uma cadeia mais ampla que associa órgãos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, sendo, portanto, um processo multidimensional tanto na sua essência como na sua prática. Neste sentido, apresento aqui algumas considerações minhas, com a colaboração de Henriqueta Camarotti, que visam superar tais percalços, particularmente em relação à participação social direta nos serviços de saúde.

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Acolhimento em Saúde: responsabilidade de quem?

[Com a colaboração de Henriqueta Camarotti]

“Acolhimento” é um termo muito versátil. Vale para questões afetivas e simbólicas, mas também para definir uma metodologia de trabalho não só em saúde como em outras ações sociais e até mesmo serve ao campo jurídico ou comercial. O dicionário Houaiss registra que a palavra provem do latim vulgar accolligère, com significados de colher, reunir, apanhar, juntar. No uso corrente pode ser “oferecer ou obter refúgio, proteção ou conforto físico; proteger(-se), abrigar(-se), amparar(-se)”; “dar ou receber hospitalidade; hospedar(-se), alojar(-se), recolher(-se)”; “ter ou receber (alguém) junto a si”. E em sentido mais formal ou jurídico pode ser também receber, admitir (algo); aceitar ou dar crédito, levar em consideração (pedido, requisição etc.); atender. A aplicação do conceito de acolhimento em saúde possui pelo menos três dimensões genéricas: (a) como componente de políticas específicas (Humanização e Atenção Básica);(b)  organizacional e ambiental, em termos de estrutura e processos; (c) simbólica, envolvendo aspectos afetivos e de responsabilização individual e coletiva. Este texto se dedica precipuamente a este último componente, mas antes de passar a ele vamos nos deter brevemente nos dois primeiros.

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A automorte e os legados da vida

Os versos de Jorge Luiz Borges são impactantes: Não restará na noite uma só estrela. / Não restará a noite. / Morrerei e comigo irá a soma / Do intolerável universo / Apagarei medalhas e pirâmides, / Os continentes e os rostos. / Apagarei a acumulação do passado. / Farei da história pó, do pó o pó. / Estou mirando o último poente. / Ouço o último pássaro. / Lego o nada a ninguém. (O Suicida). É difícil ser neutro quando se trata de tal tema. Uns parecem cultivar a ideia, como Borges; outros fingem ignorá-la; há quem pense que tal coisa só pode acontecer aos outros, sempre longe de si e dos que lhe estão próximos; e há também aqueles traumatizados pela vivência com algum parente ou amigo – mas todos temem tal evento. Uma coisa é certa: é preciso conhecer tal fenômeno mais profundamente, velho como a história da humanidade que é. Aqui no DF, por exemplo, a quantas anda? E no Brasil? O que se faz, no Brasil e no mundo, para conhecê-lo melhor e tentar controlá-lo, como parte de uma política pública? Sua divulgação em notícias de imprensa poderia ser nefasta e potencialmente capaz de desencadear novos casos? De fato, há muitas questões em jogo no cenário. [Este post é mais um trabalho conjunto de Flavio Goulart com Henriqueta Camarotti – vida longa a tal parceria!]

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Terapia Comunitária Integrativa: uma luz sobre um mundo de desigualdade e conflitos

[Trago hoje aqui um post escrito a quatro mãos com minha querida amiga Maria Henriqueta Camarotti, psiquiatra e propagadora de tecnologias sociais e de saúde no DF]. 

A cena apresentada abaixo é uma ficção, mas se prestarmos bem atenção veremos que ela pode ocorrer na atualidade em qualquer parte, na nossa cidade inclusive. Imaginemos um grupo de cidadãos, principalmente formado por mulheres, que passe algumas horas em uma fila, demandando algum serviço público. Poderia ser para matricular um filho na escola, ou obter um cartão para o Bolsa Família, mas para ficarmos na área que dá significado a este blog, suponhamos que seja em uma unidade de saúde, à espera de uma vaga no atendimento. Como geralmente acontece, as pessoas começam a conversar entre si e o tom costuma ser ligado às dificuldades que enfrentam no dia a dia de suas vidas de pessoas pobres (porque rico, como se sabe, não entra em fila de nenhuma espécie).

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