A Saúde Mental e a noção de Valor

[Texto em coautoria com Henriqueta Camarotti – Médica psiquiatra e Gestalt-terapeuta em Brasília.] O sistema de saúde é remunerado (e, portanto, movido) em quase toda parte do mundo, por raciocínios relativos a “volumes” (ou quantidades) e não a resultados e valores. Mas atualmente existe um conceito novo sobre isso, a saúde baseada em valor, ou seja, um modo de prestação de cuidados de saúde em que os prestadores são pagos com base nos resultados de saúde do paciente, em termos de reduzir os efeitos e a incidência de doenças crônicas e assim permiti-los viver vidas mais saudáveis. Sem esquecer que também está em jogo gastar menos dinheiro, com maior eficiência.  Isso acarretaria em benefícios não só para os sistemas de saúde em sua totalidade, mas também para prestadores, financiadores e para a sociedade como um todo. Até aí tudo bem, mas é preciso pensar também a partir do ponto de vista dos pacientes, que afinal de contas deveriam representar o foco primordial da existência de tais sistemas. Do ponto de vista destes, é preciso ir além de apenas se gastar menos e incrementar a eficiência, para se conseguir, de fato, um melhor atendimento. Assim, em modelos de cuidados baseados em valor, o que deveria ser almejado, mais do que simplesmente baixar custos, oferecer suporte aos pacientes para a se recuperarem de doenças e lesões mais rapidamente e evitarem doenças crônicas, dando como resultado menos consultas, exames e procedimentos médicos, com menor gasto com medicamentos. Além disso, garantir satisfação com o atendimento, promover a humanização e a ética dos cuidados, com vistas na qualidade de vida, na prevenção de recaídas ou novas enfermidades. Vamos refletir um pouco sobre tal conceito, em relação a sua aplicação à saúde mental.

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Parcerias público-privadas na saúde: confiar desconfiando…

Parcerias público-privadas no Brasil: assunto permanente na mídia e nas mesas de decisões do setor público, mas sempre causando alguma polêmica. Na saúde (e no DF), então, nem se fala… De minha parte, sou favorável a tais parcerias, mas ao mesmo tempo declaro-me partidário de um Estado competente e probo em contratá-las, fiscalizá-las e, se for o caso, denunciá-las e cancelá-las. E que seja, também, um Estado transparente e fiscalizável… O assunto vem à tona neste momento porque leio na mídia que está sendo promovido um grande mutirão de cirurgias realizadas em hospitais privados, mediante custeio provido pela SES-DF (ver link). Já foram atendidas mais de 3,2 mil pessoas nos últimos quatro meses, com procedimentos de hernioplastia, colecistectomia e histerectomia. Os recursos totais alocados estão na ordem de R$ 20 milhões e sete hospitais privados do DF se associaram à iniciativa: Águas Claras, Anchieta, Daher, Hospital das Clínicas, HOME, São Francisco e São Mateus. Pode ser que nem todos sejam tão santos como alguns de seus nomes indicam, mas se estiverem sendo fiscalizados e acompanhados de forma honesta e competente, tudo bem. O atendimento inclui não só a intervenção cirúrgica, como também a internação e as consultas pré e pós-operatórias. Os hospitais recebem de acordo com o número de procedimentos realizados (aí mora um grande perigo!). Vou comentar tal assunto, referente às parcerias público privadas em saúde, não pela primeira vez aqui no blog, mas agora tendo como foco um documento que uma entidade que congrega representantes da iniciativa privada em saúde no Brasil, o Instituto Coalizão Saúde (ICOS), vem divulgando, no qual estão incluídas propostas de ampliação de tais parcerias entre o Poder Público e o setor privado em saúde.

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Por que não uma saúde baseada em Valor(es)?

Em artigo recente neste blog, intitulado com alguma ironia de Conta de mentiroso (ver link abaixo) delineei alguns princípios que deveriam nortear as ações do novo governo a ser eleito em dois de outubro (mesmo que seja o mesmo…). Nele, apontei alguns princípios que deveriam nortear o modelo de gestão da SES-DF, com ênfase na noção de VALOR. Sobre isso, adianto alguns detalhes aqui. Como todo mundo sabe, no SUS e nas questões de saúde e em geral, tudo é tratado com base em números. O que importa são quantidades, seja de consultas, exames, horas trabalhadas, leitos ocupados, altas concedidas, recursos transferidos, pagamentos de serviços – seja lá o que for. Mas existem outras maneiras de se aferir o trabalho realizado pelos sistemas de saúde. Mas esta discussão deve se iniciar com uma premissa inarredável, a de que o que se almeja é recompensar, seja instituições ou pessoas, pelo favorecimento real que oferecem aos pacientes (que devem estar no centro da equação), no sentido de melhorar sua saúde, reduzir a incidência e os efeitos das doenças, viver vidas mais saudáveis, enfim. Sempre de forma baseada em evidências, não em “achismos” de qualquer natureza.

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Máquinas na medicina: melhor não tê-las?

Hoje não vamos falar de Covid… Tornou-se proverbial a afirmativa que a medicina moderna, com suas máquinas e procedimentos mágicos, nem sempre se faz acompanhar de atenção mais qualificada, em termos humanos, aos pacientes. Tem tudo para ser verdade, mas convém tentar ir um pouco mais fundo em tal questão. Começo por um exemplo pessoal: por esses dias (e por esses caprichos dos jovens médicos que dominam as tecnologias clínicas e querem que seus pacientes sejam revirados pelo avesso diante de uma simples falta de ar) me vi submetido a uma série de exames de imagem do coração, com e sem contraste radiativo, com e sem esforço, com ou sem a minha vontade. Não que eu seja avesso a tais exames – nem de longe! – mas minha ignorância frente a tal arsenal, totalmente impensável em meu tempo de médico, salvo em alguma sessão de cinema ou romance de ficção científica, confesso que me deixa desconfiado e ansioso. Se não em relação à sua eficácia, certamente à sua capacidade de trazer à luz coisas ruins, em outros tempos de detecção impossível. Sabem, quando gente morria nas trevas da mais completa ignorância a respeito do que se tinha ou se deixava de ter e talvez fosse feliz mesmo assim, ou apesar disso? Mas uma vez adentrado a tal cenário de ficção científica, com direito ao ar condicionado siberiano; luzes frias; banheiros de descarga automática e luzes que não precisam ser apagadas nem acesas; aparelhinhos e aparelhões de diversas qualidades; telas de LED de todos os tamanhos pelos quatro cantos; apitos e sibilos eletrônicos perpassando a atmosfera; luzinhas faiscantes por todo lado, tive uma sensação no mínimo estranha, quase uma epifania, qual seja a de que eu não estava me sentindo “objetificado” ou meramente processado por máquinas; ao contrário, eu até me sentia bem no meio daquilo tudo! Por uma razão muito simples…

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Por uma Saúde baseada em valor(es)

Todo mundo sabe. No SUS e nas questões de saúde em geral tudo é tratado com base em números. O que importa são quantidades, seja de consultas, exames, horas trabalhadas, leitos ocupados, altas concedidas, recursos transferidos, pagamentos de serviços – seja lá o que for. Mas existem outras maneiras de agir, referendada por teorias contemporâneas gerenciais e de relações de trabalho, que distinguem entre o que é meramente “volume” e outra acepção, de fundo qualitativo, ou seja, do que representa “valor”. Seria possível falar, então, em uma “saúde baseada em valor”, como modelo de prestação de cuidados de saúde no qual os prestadores, incluindo as instituições, empresas, profissionais e servidores de maneira geral, são pagos na base dos resultados proporcionados aos pacientes, e não apenas em termos de quantidades, seja de consultas, de internações, de procedimentos ou custos. Mas isso pode ainda contar com uma dimensão especial, quando a definição do valor pago ou atribuído a procedimentos determinados ganha um sentido plural, de valores, que são os aspectos simbólicos pelos quais uma instituição se move: Ética; Comprometimento; Competência; Solidariedade; Trabalho em equipe; Humildade; Humanização. Continue Lendo “Por uma Saúde baseada em valor(es)”