Vamos deixar claro: inovação real é uma coisa, a mera novidade é bem outra. No campo da saúde, como se sabe, o que não falta são palpiteiros de ocasião – e assim, a todo tempo e em todas as áreas, há muita especulação que não passa de novidade, incapaz assim de resistir ao atrito do tempo. Assim é que a verdadeira inovação em saúde representa aquilo que sem maiores ressalvas se mostra como prática comprovada, eficaz e realmente habilitada a transformar, com vantagens, o panorama de conhecimentos até então vigente. Isso inclui ousadia e destemor frente às possibilidades de erro e reversão, além da confirmação, ao longo do tempo, de sua viabilidade clínica, financeira, estrutural e processual, à luz de uma análise ao mesmo tempo cultural, simbólica e científica, mostrando capacidade de enraizamento no imaginário dos indivíduos e das comunidades beneficiadas e dos tomadores e executores de decisão. No campo da Saúde Mental isso tem implicações importantes, já que a Reforma Psiquiátrica, embora iniciada há quarenta anos no nosso país, ainda é obra inacabada, com os últimos anos, particularmente, marcados pelo desleixo, para não dizer da demolição, de várias das conquistas das reformas sanitária e psiquiátrica. Assim, ainda precisamos lutar bravamente para a construção não só de uma rede de serviços adequados, como de lógicas diferenciadas de atendimento, em termos técnicos e humanitários, que tragam consigo verdadeiras inovações com repercussão na qualidade e na eficácia das respostas aos pacientes. É neste sentido que trago aqui hoje informações sobre a Terapia Transessencial sobre a qual a colaboradora deste blog, Henriqueta Camarotti, está lançando na próxima semana o livro Autotransformação e Cura.
A Saúde Mental e a noção de Valor
[Texto em coautoria com Henriqueta Camarotti – Médica psiquiatra e Gestalt-terapeuta em Brasília.] O sistema de saúde é remunerado (e, portanto, movido) em quase toda parte do mundo, por raciocínios relativos a “volumes” (ou quantidades) e não a resultados e valores. Mas atualmente existe um conceito novo sobre isso, a saúde baseada em valor, ou seja, um modo de prestação de cuidados de saúde em que os prestadores são pagos com base nos resultados de saúde do paciente, em termos de reduzir os efeitos e a incidência de doenças crônicas e assim permiti-los viver vidas mais saudáveis. Sem esquecer que também está em jogo gastar menos dinheiro, com maior eficiência. Isso acarretaria em benefícios não só para os sistemas de saúde em sua totalidade, mas também para prestadores, financiadores e para a sociedade como um todo. Até aí tudo bem, mas é preciso pensar também a partir do ponto de vista dos pacientes, que afinal de contas deveriam representar o foco primordial da existência de tais sistemas. Do ponto de vista destes, é preciso ir além de apenas se gastar menos e incrementar a eficiência, para se conseguir, de fato, um melhor atendimento. Assim, em modelos de cuidados baseados em valor, o que deveria ser almejado, mais do que simplesmente baixar custos, oferecer suporte aos pacientes para a se recuperarem de doenças e lesões mais rapidamente e evitarem doenças crônicas, dando como resultado menos consultas, exames e procedimentos médicos, com menor gasto com medicamentos. Além disso, garantir satisfação com o atendimento, promover a humanização e a ética dos cuidados, com vistas na qualidade de vida, na prevenção de recaídas ou novas enfermidades. Vamos refletir um pouco sobre tal conceito, em relação a sua aplicação à saúde mental.
Continue Lendo “A Saúde Mental e a noção de Valor”Os Evangélicos e a Saúde
Ultimamente, quando se discute no país política, liberdade religiosa, costumes e outros temas, se impõe logo uma questão que em outros tempos era pouco relevante: e os Evangélicos, o que pensam sobre isso? Sim, porque o que assistimos no Brasil é este grupo se tornar cada vez mais numeroso e influente, mas ao mesmo tempo e de maneira geral contribuindo para o estreitamento ou mesmo retrocesso no horizonte dentro do qual tais discussões deveriam acontecer. No tema da Saúde, independente de existirem preceitos bíblicos que imponham alguma ortodoxia nas discussões, o modo evangélico de pensar e agir se mostra nas posturas públicas que estes vêm assumindo, marcadas pelo negacionismo e pela intolerância face a quem tenha uma normatividade diferente. Tudo isso, é claro, moldado pelo mito que reverenciam e em sintonia com as recomendações dos pastores, no seio daquelas numerosas igrejas-negócio. Mas neste assunto caberia lembrar também da operação das numerosas “comunidades terapêuticas” que o grupo evangélico sustenta no país, tendo como foco as pessoas que têm problemas com alcoolismo e uso de drogas, para as quais defendem o poder de cura da leitura dos Evangelhos e do trabalho forçado. Assim vêm obtendo cada vez maior sucesso em angariar verbas públicas, ainda mais agora que o mandatário que detém o poder no governo federal se mostra alinhado com tal pensamento. Assim, trago aqui uma reflexão sobre as tais Comunidades Terapêuticas, como marca da atuação religiosa dos evangélicos na saúde, esperando abrir caminho para discussões posteriores mais aprofundadas, inclusive com o convite a especialistas.
Continue Lendo “Os Evangélicos e a Saúde”A invasão evangélica na Saúde Mental
Trago aqui matéria publicada na Revista Questão de Ciência (ver link ao final), que trata de assunto absolutamente pertinente ao momento brasileiro atual, quando um projeto de poder que mistura militarismo, autoritarismo e religião (não necessariamente nesta ordem) vem passando por tentativas de ser implementado no Brasil. Trata-se da questão do uso/abuso de drogas, objeto de respostas simplistas por aqui, como se isso fosse possível. Com efeito, o foco tem sido, nos últimos anos, na defesa da abstinência, com a criminalização e estigmatização dos usuários, o que está no cerne da atuação das chamadas “comunidades terapêuticas” (CTs) dedicadas ao atendimento de pessoas com uso problemático de drogas. Elas são em grande parte mantidas e administradas por organizações religiosas e têm sido alvo de diversas denúncias de violações dos direitos humanos de seus “internados”, ao mesmo tempo que os gastos públicos com sua utilização explodem. De olho nisso, Paula Napolião e Giulia Castro, pesquisadoras da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, realizaram um profundo estudo sobre tais instituições, destacando que elas são geralmente inseridas em denominações religiosas e que vêm conquistando espaço neste campo, graças, sobretudo, à sua aproximação com órgãos públicos e à sua inclusão privilegiada nas políticas de drogas nacionais e locais, com a consequente possibilidade de obter recursos do Estado, em um processo repleto de tensões e ambivalências, com ações mais superficiais do que estruturais, além do mais inclinadas a conservar o sentido de tais espaços de difusão de princípios morais e religiosos tradicionais, como se isso fosse necessário e suficiente para o processos de cura ou recuperação desses pacientes.
Continue Lendo “A invasão evangélica na Saúde Mental”