Tem remédio?

Matéria do Correio Braziliense do dia dois de maio (2018) nos alerta que há falta grave de medicamentos de alto custo nas farmácias mantidas pela SES-DF. Isso chega a 25% dos 200 itens oferecidos pelo sistema público, com carências específicas para doenças como anemia associada à insuficiência renal crônica, rejeição de órgãos transplantados, artrite reumatoide, asma, leucemia, doenças inflamatórias do intestino, antidepressivos, Doença de Parkinson, doenças pulmonares, esquizofrenia e por aí vai. Segundo a matéria, estima-se que seriam  necessários pelo menos R$ 270 milhões para comprar tais medicamentos em 2018, valor que se soma aos R$ 15 milhões que Ministério da Saúde destina à SES-DF para tal finalidade. O Executivo local garante que todos os processos de compra estão em dia, mas não há prazo para os estoques serem regularizados. O repórter Otavio Augusto me pediu uma entrevista, a que eu acedi de bom grado, como sempre faço. Mas, talvez, pela pressa habitual nas redações, foi destacado apenas o meu comentário sobre a questão orçamentária da SES-DF, mas eu disse muito mais… Quer saber?

Uma parte do problema, pelo menos, é o receituário indiscriminado. Os médicos aprendem na faculdade que se deve dar sempre preferência ao que for “ótimo”. O apenas “bom” não serve… Isso em nome da prática de uma boa medicina e de garantia do direito do paciente ser bem tratado. Mas isso muitas vezes é balela. Em muitas circunstâncias o “bom” é apenas ligeiramente inferior ao “ótimo”, ou até melhor, porque na medicina é comum muita coisa considerada excepcional num momento cair em desuso em temporada seguinte, e ser até condenada como prejudicial. Os exemplos são múltiplos e variados. Mas os doutores insistem em receitar sempre aquilo que lhes parece excepcional. Assim lhes ensinaram seus mestres e, por sua vez, os mestres destes assim o fizeram, no respectivo tempo.

E ai de quem queira cobrar dos doutores alguma atitude sobre isso. Certamente será acusado de perturbar a “autonomia” que eles devem ter….

Outra questão é a de que parece ter se constituído, pelo menos em nosso país, um autêntico novo ramo do direito o que eu chamaria de “Mineração do Poder Público”. Assim como há os “advogados de porta de cadeia”, a moda agora é atuar também nas portas dos hospitais e consultórios médicos. E tome ações na Justiça… E os gestores do SUS que se virem, para não tomar cadeia. E a tal mineração se estende aos Juízes e Promotores, numa avalanche de fazer inveja à Samarco de Mariana…

Quando chega a vez dos juízes agirem, aí é que a coisa se completa e se complica. Suas excelências costumam não pensar duas vezes em mandar executar aquilo que uma cadeia de equívocos, seja de pacientes (que tudo querem, embora muitas vezes com a aparente legitimidade que lhes confere a desinformação), de médicos ou de advogados, e também de propagandistas de laboratórios, lhes coloca nas meritíssimas mãos.

Mas não sejamos pessimistas, há alguma luz no horizonte…

Decisão recente do STJ estabeleceu, há poucos dias, que a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: 1) comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente da imprescindibilidade ou necessidade do julgamento, assim como da ineficácia para o tratamento da moléstia dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2) incapacidade financeira de arcar com o custo de medicamento prescrito; e 3) existência de registro na Anvisa do medicamento. Foi por unanimidade, em recurso repetitivo.

Melhor do que isso se não criarem, dentro em breve, indústrias de atestados de pobreza, conferidos até a pessoas que circulam de BMW ou de laudos médicos fake…

Voltando ao princípio… Talvez a questão orçamentária e financeira seja realmente a mais relevante na história em questão. O repórter que me entrevistou selecionou de fato a parte mais importante  de minhas palavras. Mas não custa nada lembrar que na SES- DF já ocorreu – e talvez ocorra ainda –  a estranhíssima situação de devolução de dinheiro federal, por incapacidade de gasto. Entre outras razões porque os burocratas do setor não conseguem, ou nãao são ágeis o bastante, para fazer as adaptações da peça orçamentária para nelas serem incluídos novos recursos, criando assim a situação que o jargão da corporação assim denomina: “não ter financeiro, embora tenha orçamentário”. Aliás, os recentes acontecimentos na UnB, que levaram à ocupação da Reitoria e depredação do prédio do MEC, tendo como foco uma alegada “falta de recursos” era resultado, na verdade, de uma ação incorreta ou atrasada da autossuficiente e blindada burocracia do orçamento, em sua versão universitária. …

 

 

 

 

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/05/02/interna_cidadesdf,677621/cerca-de-25-dos-medicamentos-de-alto-custo-estao-em-falta-no-df.shtml

Uma resposta para “”

  1. De novo, excelente análise!
    Uma curiosidade: quem é o reporter que te entrevistou. Será o Otávio Augusto do Correio Braziliense, o mesmo (não o conheço, só por telefone) que volta e meia me liga?
    Tanto a judicialização dos socorros médicos quanto a ausência crítica e generalizada de medicamentos na rede pública.
    Sobre a primeira, recordo uma briga entre juiízes e diretores da área da saúde, com aqueles perguntando a estes: “Porquê vocês não atendem direito e dão os medicamentos aos doentes, ao invés de querer que a justiça tudo resolva?” Dizem os do lado de lá que a Justiça anda atopetada de processos ligados à judicialização de casos da saúde.
    Por fim, a referência à UNB, a seus alunos, à má fama do campus/do Minhocão. Difícil imaginar algo pior (os alunos da medicina paulista que estupram as colegas perdem de goleada para os menininhos daqui).
    Acho que nos teus tempos como Secretário de Saúde lá na boa Minas Gerais as coisas eram mais simples e mais pacatas, não?

    En passant, dois assuntos há pedindo análises e comentários: os ataques à ex-caravana do Lula no sul, agora acrescidos por uns tiros dados na patota que aguarda pela libertação do chefe em Curitiba, mas que Polícia alguma descobre os responsáveis (há fundadas suspeitas de que é a mesma turma petista que fuzilou a altas horas a sala do Cristovam aqui em Brasília, conhecidíssima…); e a cobrança de alugueis dos ocupantes do prédio que desabou em SP, “revelando” (quem não sabia disso?) o esquema das ditas organizações de sem-teto & similares e que funciona a toda arrebanhando bolivianos e venezuelanos fugitivos das misérias de seus países (no edifício que caiu, dizem que quase 40% dos ocupantes eram estrangeiros com suas famílias).
    Y así nos vamos…
    VITOR GOMES PINTO

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