Saúde nas eleições 2018 – o caso do DF

Em post recente neste blog (https://saudenodfblog.wordpress.com/2018/09/19/saude-nas-eleicoes-2018/), destacamos algumas análises realizadas por especialistas a respeito dos planos de governo em saúde dos candidatos à Presidência da República. Eles apontam um verdadeiro festival de platitudes e generalizações, traduzindo pouco compromisso dos candidatos com a questão. Quando se tratava de apontar as fontes de recursos para algumas promessas mirabolantes, aí então, era “tela preta”. E no DF, como vamos? Dei-me ao trabalho de analisar o material que foi registrado no TRE, mesmo sabendo que ali muita coisa é apenas formal, pois depois das eleições tudo muda (não é Dona Dilma?). Aliás, da parte de alguns candidatos nem isso, pois seus documentos simplesmente não abriram ao serem clicados, como é o caso de Rodrigo Rollemberg, Julio Miragaya e Alexandre Guerra. Mas vamos ao que foi possível obter…

Assim, tentei analisar as propostas de acordo com (a) os pontos comuns que apresentam; (b) as exorbitâncias e incoerências presentes; (c) a inocuidade ou duplicidade das mesmas. Para fechar a análise tentei resumir em cinco ou seis tópicos o que seria realmente importante para resolver os graves problemas de saúde que a nossa cidade apresenta, nem todos eles apontados pelos candidatos ou, então, citados apenas de forma superficial ou pouco esclarecedora.

Em primeiro lugar, deve-se dizer, com justiça, que a maioria deles procurou fazer o dever de casa. De modo geral os documentos são redigidos em linguagem que tem correspondência e sintonia com a Constituição e as leis em vigor relativas ao SUS. Menos mal, dentro de um panorama em que se ouve falar de coisas como “auto golpe”, “constituição de notáveis”, “tirar nomes do SPC”, “o Lula mandou dizer”, ou “vamos armar os cidadãos”.

A impressão é que existiria mesmo um ghost writer comum para os diversos documentos apresentados, pelo menos em sua essência. Mas não deve ser o caso. Informações sobre a saúde no DF abundam por aí e gente preocupada em juntá-las e analisá-las não falta.

Enfim, em termos de convergências, pode-se dizer que até há certo consenso. A atenção primária à saúde, também referida como atenção básica, está presente em praticamente todos os discursos, inclusive quanto à conveniência de que ela seja estendida a 100% da população da cidade. Contudo, não se faz muita distinção das variedades antigas de atenção básica, aquelas praticadas na rede de centros de saúde e “postinhos” tradicionais e as novas metodologias de APS renovada, estruturante e resolutiva. Apenas Fátima Sousa, do PSOL, justiça seja feita, faz uma defesa mais candente da atenção básica como real força ordenadora do sistema de saúde, ficando os demais apenas repetindo chavões, que passam pela constituição de centrais de marcação de consulta ou instâncias assemelhadas, sem enxergar nisso um dos verdadeiros atributos da APS. Ou seja, a atenção básica que eles falam certamente não é a mesma que se consagrou em países cujos sistemas de saúde são realmente sérios e resolutivos.

A descentralização administrativa e financeira é também, aparentemente, consensual, mas como em outros tópicos falta dizer como isso ocorreria e quais seriam os mecanismos de proteção contra o uso eleitoreiro da máquina, ainda mais dessa forma mais pulverizada. Em sintonia com isso, o discurso de participação e acompanhamento da política de saúde pelos cidadãos é bastante genérico, atendo-se, no máximo, ao já consagrado pelas leis orgânicas da saúde, sabidamente defasadas hoje em dia, sem maior reforço à necessidade de uma participação que realmente nascesse do nível local e o incluísse seriamente.

A questão do Entorno é também unanimemente abordada, de modo geral com apelos às soluções participativas, sem maior aprofundamento também de como isso deveria ocorrer.

Verdadeiro mantra entre todos os candidatos é a questão hospitalar. Todos deploram o fechamento de leitos que tem ocorrido na cidade, com apelo especial à questão das UTI. Mas nenhum deles aponta diretrizes sérias para se ampliar ou diversificar a rede já existente, citando genericamente localidades onde tais hospitais deveriam ser construídos, inclusive em regiões que já os possuem. A tentação de construir hospitais segmentados é forte, citando-se entre outros objetos de atuação de tais nosocômios, as mulheres, os portadores de câncer, as crianças, os cardíacos e os idosos. Se procurar melhor, deve ter outras indicações…

É recorrente o discurso da “herança maldita”, deixando o pobre Rodrigo Rollemberg em posição de réu número um de tal acusação. Pena que o plano de governo do atual governador não esteja disponível, para sua eventual defesa.

Outro verdadeiro mantra são as mensagens de agrado ao funcionalismo, com propostas de alta estima, consideração e valorização dos servidores, além de promessas grandiosas, que vão desde a constituição de diversas “mesas de negociação” até a construção de serviços de saúde destinados especificamente a estes. Sem comentários…

No mais, numa apologia à modernidade, todos se revelam apreciadores e defensores intransigentes das novas tecnologias de informação e de gestão, dando às mesmas, algumas vezes, o caráter de verdadeira panaceia (serei obrigado a repetir esta palavra mais adiante…), com o condão de resolver problemas tão diversos como a marcação de consultas, a economia de recursos, a qualidade do governo, a racionalidade de gestão, o controle de estoques, as compras de insumos e a comunicação com os usuários. Como se por trás de cada computador e de cada smartphone não estivesse um agente humano, dentro de um background pouco republicano.

O capítulo das exorbitâncias é dos mais interessantes. Tem de tudo. Os partidos da extrema esquerda propõem a estatização pura e simples da saúde, com a entrega da gestão dos serviços aos sovietes, digo, aos “comitês populares”. Mas isso não surpreende… Faz parte do jogo da democracia.

Algumas surpresas verdadeiras que alguns candidatos trazem são: o ressurgimento das “carretas” (by Fraga, demonstrando uma até então desconhecida simpatia pelo PT); a devolução de impostos na compra dos medicamentos de alto custo (não seria mais adequado falar em uma política farmacêutica adequada, Sr. Rosso?); a criação de uma Cidade-Polo em saúde (Rosso, explica para gente o que seria isso); a realização de exames de sangue on-line (idem); planos de saúde para servidores (ibidem); a criação de hospitais especializados em diferentes doenças e diferentes grupos etários e sociais (diversos); a construção de um hospital no Gama, onde tal coisa já existe (Mme. Pedrosa); a operação de unidades móveis de saúde (General Chagas); o incentivo a empresas de saúde se instalarem no DF (Ibaneis); a criação de centros de saúde pediátricos e cardiológicos, com radiologistas na equipe (?) (idem). E por aí vai…

Em termos das inocuidades, duplicidades e incoerências das propostas, a série é também bastante rica e expressiva. Aqui o caráter de panaceia que se dá a algumas medidas é exorbitante. Tem candidato que promete erigir um espaço para atendimento de mulheres e idosos nas unidades de saúde (melhor não citar novamente o autor, que já foi o mais lembrado até agora…).

Todo mundo quer centrais de marcação de consultas ou algo semelhante, de preferência com alto índice de tecnologia embarcada. Parece que a ninguém foi informado que a verdadeira regulação do sistema de saúde se dá através da porta de entrada, constituída por uma atenção primária bem estruturada, que todos propõem, embora sem dar conta de suas reais potencialidades.

De carretas, unidades móveis e hospitais para estes & aqueles; isso & aquilo; aqui & alhures,  já comentamos… Alguns insistem nisso.

Entre as diversas panaceias lembradas ainda podem ser citadas: a gestão pelo “poder popular”; a proteção especial às minorias sexuais (não seria mais adequado falar na maioria economicamente debilitada? mas tudo bem, são os tempos modernos, sob a égide do politicamente correto); o apelo à “alimentação saudável”, sem maior especificação; as “farmácias vivas” e hortas medicinais nas unidades; um tal de “apoio matricial” (que não se sabe exatamente o que vem a ser); a estruturação dos NASF, sem definir exatamente suas funções; as “listas tríplices” para gerentes de unidades (não seria mais adequado falar em blindagem da saúde à perversão corporativista e politiqueira?), etc.

E assim se despejam toneladas de bytes… Por sorte não há papel envolvido, pelo menos em largas quantidades, pois se fosse assim florestas inteiras seriam dizimadas, sem apelação.

Comentário final: não há indicações de como o dinheiro necessário para realizar tanta coisa estará garantido. Deve ser porque tal ingrediente anda sobrando no Distrito Federal…

Sem querer ser messiânico, saber mais do que todo mundo ou posar acima do bem e do mal, arvoro-me a enunciar o que interessa diretamente à nossa cidade, dentro de um formato que pouparia não só bytes & árvores, como a paciência dos eleitores…

  1. Modelo assistencial. Que fique claro: saúde se organiza é pela porta de entrada, como acontece em todo o mundo civilizado. Não é preciso inventar a roda, ela já se move sem solavancos em muitos lugares. A atenção primária à saúde bem organizada, isto é, com trabalho em equipe, cobertura ampla, sem soluções de continuidade no tempo e no espaço, sem competição com a aquela atenção básica que só funciona atrás do balcão, além de formadora de vínculos entre equipe e comunidade, é a grande solução para a ordenação do sistema de saúde como um todo, seja aqui e alhures. Sua estruturação bem feita dispensa toda aquela parafernália das centrais de regulação, que na verdade constituem fontes inesgotáveis de recursos para interesses comerciais e também de ultrapassagem de filas e manipulação eleitoreira. Acima de tudo, deve-se assumir a prática radical do conceito de rede para o sistema assistencial, onde cada ponto ou nó (unidades básicas, ambulatórios especializados, UPAs, laboratórios, hospitais de diversas complexidades etc) deixa de fazer parte daquela hierarquia piramidal, já superada, para se constituir em pontos pulsantes, coordenados a partir da porta da entrada pela APS renovada. É em tal contexto que as diversas tecnologias de informação, como tele-saúde, agendamento eletrônico de consultas, informação on-line, autocuidado e outros podem fazer total sentido. É claro que falta gente para tanto, em termos de quantidade e, principalmente, qualidade. Mas o GDF tem a rara oportunidade de dispor simplesmente de uma escola de formação em Medicina e Enfermagem, a ESCS, e é através dela que as coisa podem e devem caminhar neste sentido. Aliás, esta instituição é bem pouco lembrada ou tratada marginalmente nas propostas dos candidatos.
  2. Modelo gerencial. Em poucas palavras, descentralização orçamentária e decisória, de modo que cada regional de saúde disponha de orçamento próprio e cada unidade possa movimentar recursos sem enfrentar a poderosa e nem sempre inteligente ou permeável burocracia financeira centralizada das instituições. Ao mesmo tempo, salvaguardas institucionais devem ser estabelecidas, tais como a participação direta de usuários no nível das unidades, o monitoramento de resultados, os sistemas de custos operados em tempo real, a responsabilidade sanitária assegurada por lei, os sistemas de informação eficientes e ativos. E que o poder de decidir também se estenda às bordas do sistema de saúde, de forma a contemplar as necessidades da população, a ser ouvida fora daquele cercadinho da “paridade” da Lei 8142, contemplando de fato as nuances da realidade local, com participação de cidadãos diretamente interessados e não daqueles que representam entidades que muitas vezes ninguém conhece.
  3. Entorno. O Entorno é um problema do DF, sim. Não deve ser considerado como mero transtorno à vida de quem mora na Capital Federal. Aquela gente está ali porque foi, muitas vezes, atraída por políticas clientelistas e irresponsáveis. Se pudessem, morariam na Capital… Além do mais, são pessoas que a maioria das vezes trabalham dentro do “quadradinho” e ajudam a girar a economia daqui. A solução deve passar, sim, pela gestão solidária e responsável, envolvendo principalmente os governos do DF e de Goiás, além das municipalidades, que não podem também deixar de assumir responsabilidades, relegadas muitas vezes a segundo plano na hora da emancipação, quando o interesse eleitoreiro fala mais alto. A solução passa também pela gestão federal: a União, através do Ministério da Saúde deve assumir um papel de coordenação na constituição de um sistema de saúde realmente integrado, dentro do espírito da RIDE. O modelo da Segurança Pública, no qual a União tem estado presente no Entorno, através da Força Nacional, já mostrou que não basta uma “intervenção”, mas sim procurar meios de atuação conjunta, sem abrir mão da responsabilização de cada nível de governo, de cada governador, de cada prefeito e de cada membro do Legislativo. Isso nada mais são do que atributos da verdadeira democracia.
  4. Blindagem política. Esta expressão tem sido utilizada com mais frequência para indicar a vedação a cabos eleitorais e congêneres de ocuparem cargos comissionados no Executivo e no Legislativo. Tal prática, várias vezes centenária no Brasil, precisa ser controlada com rigor, de forma a ficar restrita a apenas a poucos cargos disponíveis, a bem do sucesso das políticas públicas. Mas não é só isso. A máquina pública brasileira é altamente permeável aos interesses privados, seja de empresas, seja de grupo políticos, seja de sindicatos. Estes últimos, quando não são cooptados, optam por atitudes de bloqueio e grevismo. A blindagem tem que alcançar tudo isso…
  5. Responsabilização por mérito e resultados. Os bons sistemas de saúde no mundo já fizeram tal opção. O que determina o vencimento dos trabalhadores passa a ser uma combinação de salário e pagamentos por valor e desempenho. Não basta produzir – e em quantidades razoáveis! – tem que gerar impactos e resultados também. Isso deve valer também para os contratos que o setor público estabelece com o privado, por exemplo, na prestação de serviços hospitalares ou de apoio. É claro que as lideranças corporativas sindicais não apreciam muito algo assim, levantando logo a pecha de “assédio moral” ou algo parecido. Existem fórmulas para isso aplicáveis a diversas situações, por exemplo, na atenção primária à saúde, na qual a remuneração poderia crescer, por exemplo, diante da redução das internações sensíveis à mesma; nos hospitais, mediante os desfechos favoráveis, ou a redução dos tempos de internação; nos ambulatórios de especialidades, pela redução de exames com resultados negativos ou simplesmente não justificados. Opções não faltam.
  6. Foco em quem precisa mais. Chega de nomear exaustivamente os destinatários das políticas públicas, naquelas longas listas que começam com LGBT, passam pelos indígenas do Setor Noroeste e terminam, quando terminam, em ”ciganos”. A soma de todas essas minorais, por mais carentes e intensivamente citadas que seja, não perfaz o todo social. Vamos combinar: política pública se faz com o lema “mais para quem precisa mais” – e no Brasil as carências são fundamentalmente econômicas, ou de oportunidades desiguais perante a vida. É este que deve ser o foco da política pública, em especial na Saúde.

 

 

Uma resposta para “”

  1. Caro Flávio, é uma pena que os buritizáveis não leão o seu texto. É, pior, se algum deles ler, não vai entendê-lo. Abraços,

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