Saúde no Brasil em futuro imediato: pintando miséria

O Correio Braziliense me pede – e eu atendo com muita honra – uma entrevista sobre como vejo a evolução da saúde no Brasil nos próximos quatro anos. Imagino que tal prazo diga respeito à duração do mandato do Presidente que uma parte dos brasileiros escolheu para comandar o país. Mas já esclareci ao repórter Octávio Augusto (e faço o mesmo aos leitores) que não tenho como ser otimista. Estou na mesma situação do Príncipe consorte inglês quando indagou a Cândido Portinari se ele não pintava flores. “Só pinto miséria”, foi a resposta de nosso grande artista…

Mas tentando ser objetivo, vejo três grandes cenários, com graus diferentes de potencial de realização.

O primeiro deles, que chamaria de panglossiano, é uma referência ao personagem de Voltaire, filósofo de província que sustentava que este mundo, com tudo que tivesse de bom ou de ruim, era o melhor dos mundos possível. Em tal utopia otimista, as condições sociais e econômicas do Brasil melhorariam e nós teríamos um crescimento substancial do investimento em saúde nos próximos anos, com mudanças substantivas, por exemplo, na formação médica, no aperfeiçoamento de um modelo de atenção distante dos hospitais e do frenesi tecnológico e com a realização, ainda que tardia, daquele direito à saúde e dever do Estado que está na Constituição. Ah, sim: e que os postos principais de comando na saúde, seja em municípios, estados e governo federal fossem ocupados por gente “do ramo”. É claro que realizar este último quesito seria querer demais, mas não nos esqueçamos: isso aqui é uma utopia panglossiana. Mas em todo caso lembro Albert Schweitzer, que dizia “meu pensamento é de pessimista, mas a minha vontade e a minha esperança são de otimista”. Mas de toda forma, seria mais fácil o capitão desfilar numa parada gay do que essas coisas virem a acontecer.

O segundo cenário eu chamaria de “meia-boca”, “meia-sola” ou, em outras palavras, “tudo isso que está aí”, para utilizar uma expressão que foi corrente nas derradeiras eleições. Tal é a situação que vem se repetindo, entra governo, sai governo, de diferentes matizes ideológicos, desde que se acenderam as esperanças do povo brasileiro com o advento do SUS, já se vão trinta anos. E assim, de Fernando a Fernando; de Luiz Inácio a Dilma e desta última a Michel, vemos as coisas se repetirem na mesma toada. E a toada é: retração de recursos, barganhas políticas sem fim, palavras que não encontram correspondência na prática. O SUS cada vez mais defendido nos discursos, mas ao mesmo tempo cada vez mais fragilizado. E “isso que aí está” é um cenário repleto de soluções mirabolantes, que enchem de ufanismo a militância, mas que se traduzem em poucas mudanças para melhor entre os usuários. E em tais condições, quem pode (e às vezes também quem não pode) anseia por adquirir no Mercado um plano de saúde, no qual também se promete muito e se cumpre pouco. E o discurso das autoridades, estufando o peito e enchendo a boca para falar do “direito de todos”, finge ser compatível com propostas do tipo “planos populares de saúde”, que volta e meia surgem no cenário. De certa forma, soluções do tipo “médicos cubanos” também fazem parte da presente categoria, meias solas de curto prazo de validade, consertos de vazamentos em vasos nos quais o problema está nas torneiras…

O terceiro cenário é simplesmente o que está diante de nossa cara, ao olharmos para frente. Podemos chamá-lo de ultraliberal, à falta de outro nome, mas certamente atenderia também pela alcunha “o Inacreditável acima de tudo – e de todos“. Este junta o lixo do cenário anterior com coisas piores ainda. Apesar de não se ter muita coisa escrita (de forma inteligível, pelo menos) nos power-planos do quase atual governo, declarações do ex-capitão e de seus assessores e futuros ministros não deixam margens a dúvida. Aliás, tem gente que fala : “eu não acredito neles”; de minha parte, devo dizer que, lamentavelmente, acredito… E assim vêm ameaças como a de considerar, como o faz Bolsonaro, que os recursos para a saúde já são suficientes; a reiterada postura ultraliberal do Ministro da Economia (que ao que parece privatizaria até Floresta da Tijuca); a escolha de um médico-empresário (enrolado com a Justiça, por sinal), para Ministro da Saúde; o desdém com o Programa Mais Médicos e de quebra com a Atenção Primária à Saúde; a ojeriza aos movimentos sociais e às assim chamadas “ideologias” de quem reivindica direitos etc.

E o que está diante de nossos olhos, ou seja, “tudo isso que está aí e mais o Inacreditável” nos dará uma enorme vontade de sermos novamente panglossianos, como fomos em dias perdidos na década de 80. Mas hoje o otimismo que afirma que “vivemos no melhor dos mundos”, faria um pessimista ter medo de que isso seja simplesmente a verdade. Ou seja, que o pior ainda está por chegar.

Tempos difíceis pela frente, meus irmãos… Que Deus (não o “deles”) nos proteja!

Uma resposta para “”

  1. Flávio, o seu pessimismo é contagiante. A realidade é esta aí que você colocou, desde os Fernandos e passando por todos os seguintes. Se o “pratrasmente” é sombrio, o “doravante” parece a asa da graúna. Grande abraço.

    Curtir

Deixar mensagem para Eduardo Guerra Cancelar resposta