Será que este Governo pode “cometer” acertos?

Deste governo federal altamente eficiente em, digamos, errar o alvo de seu Golden Shower (ou, para os entendedores menos capciosos, urinar fora do local apropriado…), a produção de algum fato positivo é digna de menção. Este parece (por enquanto, pelo menos) ser o caso do anúncio das mudanças nos critérios de financiamento da atenção básica pelo SUS, anunciadas recentemente pelo Ministério da Saúde. A proposta é que o repasse de recursos aos municípios leve em conta também o quantitativo de pessoas cadastradas nas equipes de Saúde da Família, além do desempenho das mesmas, considerando ainda indicadores de qualidade da atenção. Além disso, espera-se contemplar com tal modelo aspectos como a vulnerabilidade dos usuários do sistema e a distância dos municípios em relação aos grandes centros. A discussão está começando e já gera polêmica. Alguns acham que ela compromete o princípio da universalidade do SUS; outros, que ela corrige distorções e servirá para aferir a real cobertura de tal modelo de atenção.

Relembrando, o modelo atual contempla dois “pisos” para a atenção básica, um fixo e um variável. O primeiro oscila de acordo com a população do município estimada pelo IBGE. O segundo leva em conta o número de equipes de saúde da família existentes na localidade. Nenhum deles, entretanto, considera o cadastro de pacientes, a produtividade, o desempenho e os resultados obtidos. A grande distorção disso é que atualmente existem 93 milhões de pessoas cadastradas na Saúde da Família, mas as prefeituras têm recebido recursos para uma população 70% maior.

Não só o desempenho das equipes, mas também iniciativas como a informatização das unidades e os horários de atendimento expandidos, a formação profissional especializada em saúde da família e as atividades de promoção estão sendo levados em conta.

Lembre-se que atualmente há 17 mil equipes de saúde da família, das mais de 40 mil existentes, que ainda não são informatizadas – e isso serve como argumento das partes contrárias ao projeto, temendo a regressividade do financiamento para tais unidades. Tal sistema se aproxima daquilo que se chama de capitação (ou seja, per capita) e o fato de que possa não existir rigor ou abrangência nos processos de cadastramento e informatização incomoda aqueles que são contrários a tal ideia.

Vamos encarar os fatos…

Em primeiro lugar, é de se reconhecer que o nível de credibilidade do atual governo, particularmente nos programas sociais, é dos mais rasteiros. O noticiário de cada dia, mesmo o das fontes oficiais do Palácio do Planalto, o demonstra em doses maciças. Sendo assim, qualquer pessoa de bom senso (ou não intoxicada pelo viés dos bolsonaristas), em princípio, desconfiará de tais intenções. Seria normal…

Mas torna-se preciso ir além…

Sem dúvida, uma questão central nas dinâmicas das políticas sociais é o reconhecimento do mérito, ou do valor. Assim, a questão da recepção, tratamento e encaminhamento adequados a pacientes, além da gestão em geral nos serviços de saúde deve contemplar a distinção entre o que é “volume” e “valor”, sabendo-se que aqui ainda se pratica a saúde dentro da primeira acepção, isto é, de “volume”, seja no pagamento de serviços prestados por terceiros, na compra de insumos e equipamentos, na remuneração profissional, na definição de metas institucionais – enfim, na própria filosofia de ação dos serviços de assistência. Seria possível falar, então, em uma “saúde baseada em valor”, como modelo de prestação de cuidados de saúde no qual os prestadores, incluindo as instituições, empresas, profissionais e servidores de maneira geral, são pagos na base dos resultados proporcionados aos pacientes, e não apenas em termos de quantidades, seja de consultas, de internações, de procedimentos ou custos. O que se almeja, assim, é recompensar àqueles que prestam os serviços, pela ajuda que dão aos pacientes (que estão no centro da equação!), para melhorar sua saúde, reduzir os efeitos e a incidência de doenças crônicas, viver vidas mais saudáveis, enfim. Sempre de forma baseada em evidências, não em “achismos” de qualquer natureza, do tipo daquele que emitem as autoridades de hoje, ao considerarem, por exemplo, que “nazismo é coisa de esquerda” e que um astrólogo folclórico e boquirroto possa ser considerado um verdadeiro filósofo…

Dito isso, a questão é a seguinte: vamos continuar financiando ações de saúde apenas pela sua quantidade, sem qualificá-las? Se o problema é a falta de tecnologia para cadastrar pessoas em unidades de saúde, vão desculpando, mas ele é falso. Poucos países do mundo em desenvolvimento possuem hoje a ramificação de recursos tecnológicos como a que o Brasil tem. Só para dar um exemplo, há exatos 20 anos, vi em um pequeno supermercado do Vale do Jequitinhonha, em MG, pela primeira vez em território nacional, uma máquina de leitura de código de barras. Hoje elas são banais, mas ver uma coisa daquelas, que eu só conhecia do Canadá e dos Estados unidos, em um pequeno estabelecimento em Minas Novas, me deixou perplexo.

Ainda falando de tecnologias de informação, hoje, qualquer prefeitura ou estabelecimento privado, tem a sua disposição uma série delas, muitas vezes sofisticadas. Não se conceberia, por exemplo, as transferências de fundos de participação ou a arrecadação de ICMS na ausência de tais máquinas. E elas estão lá, até nos municípios menores, podem ter certeza. Isso para não falar dos caixas eletrônicos e da votação em urnas informatizadas.

Assim, tal justificativa não procede. Se falta tecnologia para cadastrar pessoas em nossas unidades de saúde, eu transferiria a responsabilidade para outra esfera: a da decisão política!

Remunerar por valor e não apenas por produção é não só uma decisão sensata como também fazedora de justiça a quem de fato cumpre seus deveres de gestor. Não basta atender um número de “x” ou “y” pessoas, mas sim é preciso saber se sobre elas se estende algum impacto positivo de tal atendimento, como, por exemplo, controle efetivo de hipertensos e diabéticos, realização de exames de Papanicolau, mapeamento das áreas de abrangência, redução de internações indevidas etc. O fato de o país ter ainda (lamentavelmente) áreas onde tais tecnologias não estejam implantadas não justifica que se adie indefinidamente ou se suspenda medidas com a presente. A questão é só de prazos – e que estes não sejam muito longos.

Voltando ao Ministério da Saúde, não custa nada lembrar: o atual Secretário de Atenção Básica, Erno Harzhein, é pessoa séria e experiente. Sua experiência como médico de família e como gestor não se fez à sombra de nenhuma teoria olaviana ou terraplanista, mas por incrível que pareça, está no atual governo. De duas uma: ou não foi descoberto ainda ou já chegaram à conclusão de que precisam dele para dar um mínimo de seriedade à gestão da saúde.

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Leia mais:

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/ministerio-vai-mudar-financiamento-da-atencao-primaria-a-saude-no-pais.shtml

https://folha.com/anhqid0c

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